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sexta, 29 de março de 2024

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As consequências na vida adulta de vítimas de abuso sexual na infância e adolescência

As consequências na vida adulta de vítimas de abuso sexual na infância e adolescência
29 novembro
15:17 2019

Nos últimos 10 anos, até 2018, de acordo com dados do Ministério da Saúde, foram notificados mais de 190 mil casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes

Chama atenção a vulnerabilidade dos mais jovens. Entre as crianças, o maior número de casos de violência sexual acontece com crianças entre 1 e 5 anos (51,2%). Já entre os adolescentes, com os jovens entre 10 e 14 anos (67,8%).

Sabe-se através de depoimentos e estudos de especialistas na área, que a maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorre dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares, e a violência tende a ser praticada mais de uma vez.

A neuropsicóloga Roselene Espírito Santo Wagner é uma das estudiosas que se dedica a este tema, que é ainda cercado de tabu na sociedade e cujas vítimas sofrem em sua maioria em silêncio. Ela fala sobre as consequências do abuso sexual de jovens e define o conceito: “Define-se abuso ou violência sexual na infância e adolescência como a situação em que a criança, ou o adolescente, é usada para satisfação sexual de um adulto ou adolescente mais velho, incluindo desde a prática de carícias, manipulação de genitália, exploração sexual, voyeurismo, pornografia, exibicionismo, até o ato sexual, com ou sem penetração, sendo a violência sempre presumida em menores de 14 anos”.

Perfil do abusador

                A Dra. Roselene Wagner aponta que geralmente é de difícil suspeita e complicada confirmação a iden-tificação do abusador: “Porém, é claro para nós profis-sionais envolvidos, que,  os casos de abuso sexual na infância e adolescência são praticados, na sua maioria, por pessoas ligadas diretamente às vítimas e sobre as quais exercem alguma forma de poder ou de dependência”.

Ela também revela que o abuso sexual não necessariamente é acompanhado de violência e agressões físicas visíveis, o que torna ainda mais complexa a identificação das vítimas: “Nem sempre o abuso é acompanhado de violência física aparente e pode se apresentar de várias formas e níveis de gravidade, o que dificulta enormemente a possibilidade de denúncia pela vítima e a confirmação diagnóstica pelos meios hoje oferecidos pelas medidas legais de averiguação do crime”.

Consequências na vida adulta do menor que sofreu abusos

                A especialista cita efeitos psicológicos do abuso sexual e ressalta como eles podem ser devastadores: “os problemas decorrentes do abuso persistem na vida adulta dessas crianças. Essas vítimas são submetidas a uma violação inominável e apresentam tristeza constante, prostração, sonolência diurna, medo exagerado de adultos, habitualmente aquele do sexo do abusador, além de apresentarem histórico de fugas, comportamento sexual adiantado para idade, masturbação frequente e descontrolada, tiques ou manias, enurese ou encoprese e baixo amor-próprio na vida adulta”.

Além disto, a neuropsicóloga também salienta que existe a possibilidade de transitar da passividade da experiência para a atividade e aplicar ao mundo externo a agressão que lhe foi conferida: “a criança se desforra por procuração. Assim, estabelece-se um processo defensivo, o qual tende a se perpetuar, que é a identificação com o agressor como uma maneira psíquica de sobreviver ao abuso. A vítima, ao se igualar com o seu agressor e se converter em molestadora, torna o abuso sexual um legado passado à próxima geração de vítimas. De outra forma, poderá apresentar a possibilidade de estabelecer uma relação abusiva consigo mesmo, como acontece nos casos de revitimização”.

A vulnerabilidade às sequelas do abuso sexual depende do tipo de abuso, de sua cronicidade, da idade da vítima e do relacionamento geral que tem com o agressor: “Seus efeitos podem ser devastadores e perpétuos, não estando descrito, no entanto, nenhum sintoma psiquiátrico específico resultante do abuso sexual. Essa sequência vai provocar uma cascata de reações de autodefesa ou de autodestruição, na dependência da assistência e proteção oferecidas a essas vítimas”, salienta.

Acolhimento e Amparo

                Na opinião da especialista, o acolhimento da criança ou adolescente é o primeiro passo para um bom resultado do tratamento físico e emocional: “A escuta de sua história, livre de preconceitos, sem interrupções ou solicitações de detalhamentos desnecessários para a condução do caso, vai demonstrar respeito a quem foi desrespeitado no que tem de mais precioso, que é seu corpo, sua imagem e seu amor-próprio”.

A Dra. Roselene afirma que o psicólogo deve lembrar sempre que está diante de uma criança extremamente fragilizada: “a vítima está confusa em seus sentimentos, humilhada, envergonhada, culpada, desamparada. É preciso que se crie um bom vínculo, nunca prometendo o que não se pode cumprir, como, por exemplo, que essa violência não mais acontecerá, ou que a criança estará sempre protegida, ou que nunca mais irá lembrar disso. Deve-se diferenciar a condução do atendimento inicial para as situações agudas do estupro ou outra forma de abuso sexual que são emergenciais e demandam uma sequência de condutas de assistência imediata, tanto à saúde física como emocional, daquelas crônicas e repetitivas, ambas extremamente desastrosas para a criança ou adolescente”.

Procedimentos legais no combate ao abuso

                Nos casos com menos de 72 horas do ocorrido, as medidas legais já devem acompanhar toda assistência inicial de diagnóstico e tratamento. Para fins de processo judicial e comprovação da agressão sexual, bem como a confecção de exames que levem à identificação do agressor, é preciso que os responsáveis façam um boletim de ocorrência em delegacia de polícia, que requisitará o laudo do Instituto Médico Legal. Na recusa dos responsáveis em fazer a denúncia, a hipótese de autoria, conivência ou impotência deve ser levantada, sendo então obrigatória a presença do Conselho Tutelar.

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