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sexta, 29 de março de 2024

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O já polêmico Museu de Pelotas

O já polêmico Museu de Pelotas
06 março
10:35 2015

Entrevista com Isa Ferraz, contratada para criar o Museu

Por NIARA DE OLIVEIRA

Tão logo foi anunciada a contratação da socióloga e cineasta Isa Grinspum Ferraz para projetar o Museu de Pelotas, surgiram questionamentos sobre a transparência do processo e porque a contratação de sua empresa (Texto e Imagem) e não outra.

Isa Ferraz foi a responsável pela criação de outros museus — Museu da Língua Portuguesa (São Paulo), Museu do Pampa (Jaguarão), Museu do Pão (Ilópolis) e Museu Cais do Sertão Luiz Gonzaga (Recife) –, interativos, e esse é o notório saber alegado para justificar a dispensa de licitação para sua contratação, segundo a Prefeitura.

Poucas pessoas sabiam sobre o projeto do Museu Interativo da Cidade até surgirem as notícias sobre a assinatura do contrato entre a Prefeitura de Pelotas e a empresa paulista Texto e Imagem, no dia 5 de fevereiro último. A implantação do “Museu da Cidade de Pelotas (Casa 6)” consta na relação de obras do PAC Cidades Históricas 2 no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), custará R$ 514.207,51 que financiados pelo programa federal e tem previsão de execução de seis meses.

Prefeito Eduardo Leite e Isa Ferraz

Prefeito Eduardo Leite e Isa Ferraz

Os vereadores Ivan Duarte e Marcos Ferreira do PT e Ricardo Santos do PDT questionam a dispensa de licitação e enviaram pedido de informação ao executivo municipal, solicitando cópia dos documentos referentes ao Museu de Pelotas e ainda inquerindo sobre a presença de museólogo no quadro de funcionários e sobre o registro da Texto e Imagem nos conselhos de Museologia. São estes também os principais questionamentos do Curso de Museologia da Universidade Federal de Pelotas, transparência e registro.

Diante de tantas dúvidas e questionamentos, conversamos com Isa Ferraz sobre os detalhes do projeto, informações da empresa e como a Prefeitura de Pelotas chegou até ela. Acompanhem a entrevista.

Como foi o contato inicial da Prefeitura de Pelotas contigo para a criação do Museu Interativo da Cidade?

Estive em Pelotas pela primeira vez no ano de 2009 para dar uma palestra no Instituto Simões Lopes Filho. Fui convidada para falar sobre a obra de Darcy Ribeiro, com quem trabalhei por muitos anos, e para exibir episódios da série de documentários “O Povo Brasileiro”, baseada em livro homônimo de Darcy e realizada por mim. Na época, fui recebida pela atual Vice-Prefeita de Pelotas, Paula  Mascarenhas, então diretora do Instituto, e visitei a cidade guiada por Beatriz Araújo. Me apaixonei pela cidade.

Passados alguns anos, Beatriz, então Secretária de Cultura de Pelotas, me convidou para voltar à cidade. Ela, que já conhecia meu trabalho no Museu do Pampa, em Jaguarão, no Museu do Pão, em Ilópolis, e no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, me chamou para conversarmos sobre uma eventual participação minha na criação do Museu da Cidade. Acompanhada pelo amigo Aldyr Schlee, visitamos a Casa 6. Pouco tempo depois, Giorgio Ronna esteve em São Paulo para conversarmos sobre o Museu. Também o Prefeito Eduardo Leite esteve em São Paulo para conhecer o Museu da Língua Portuguesa, onde fiz a direção de conteúdos. Foram conversas muito ricas.

Em seguida, recebi o convite.

Não é da tua alçada e nem responsabilidade, mas tinhas conhecimento de que o prefeito Eduardo Leite dispensou licitação para contratar a Texto e Imagem?

Sim. O mecanismo de contratação por notória especialização é usual e está previsto em lei. A pedido do secretário (Giorgio Ronna), enviei uma série de atestados comprovando minha experiência nessa área.

O contrato da Prefeitura de Pelotas com a Texto e Imagem é apenas para a criação ou inclui a administração do Museu depois de inaugurado?

É apenas para a criação do Museu.

Na matéria divulgada no site da Prefeitura dizes: “Durante o desenvolvimento do projeto iremos contratar profissionais da cidade, como arqueólogos, sociólogos, historiadores, artistas, fotógrafos entre outros, que irão contribuir com a elaboração de todo o conteúdo“. Isso se refere apenas ao projeto de criação do Museu?

Nesta primeira etapa contratada, estamos falando de projetos: de um Plano Curatorial e de Criação, de um Projeto Museográfico e Museológico. Para isso, já estamos montando a nossa equipe com profissionais de Pelotas. A segunda etapa, de Produção Executiva do Museu e sua implantação a partir do Plano Curatorial, será realizada em um momento posterior. E certamente contará com a participação de diversos profissionais da cidade.

A denúncia de que a Texto e Imagem não possui registro no Conselho Federal de Museologia (COFEM), ou equivalente regional, procede? Precisaria? Existem museólogos e historiadores no quadro de profissionais da empresa?

Em todos os trabalhos que realizo monto minha equipe a partir das demandas específicas do projeto. Cada caso é um caso, e cada projeto tem suas singularidades. Assim, contrato sempre profissionais muito competentes para cada caso específico, e isso varia muito. Em todos os projetos para museus, porém, trabalhamos com museólogos. Em Pelotas não será diferente.

Olhando o site do Museu da Língua Portuguesa e matérias referentes vi que  teu nome aparece apenas como a responsável pela criação, quem o administra é uma Organização Social de Cultura, o IDBrasil. Tens alguma relação com essa OS? Te envolveste com a administração do MLP?

Não tenho nenhum contato com o IDBrasil, nem me envolvi com a administração do Museu. Meu trabalho é o de conceber e botar de pé os museus que concebo, sempre da melhor maneira possível, e em colaboração com as demais equipes, quando solicitado.

A Texto e Imagem já está trabalhando no projeto do Museu de Pelotas?

Assinamos o contrato no dia 5 de fevereiro, e imediatamente demos início a uma primeira rodada de conversas com especialistas e pesquisadores de Pelotas. Estamos estudando muito, lendo muito, pesquisando. Não se pode pensar em um museu sem conhecer a fundo o tema. Isso exige estudo e, antes de tudo, uma equipe de consultores especializados da mais alta qualidade. E muita, muita pesquisa bibliográfica, iconográfica e de campo. Proximamente vamos a Pelotas para outra rodada de trabalho, dessa vez com mais tempo. E assim será até o final.

Quais são as semelhanças com outros projetos teus? Já podes adiantar algum detalhe?

Como disse, cada projeto é único. É sempre um novo desafio. As experiências prévias são sempre matéria para reflexão, mas a ambição é que cada novo projeto seja melhor que os anteriores. O certo é que este será um museu interativo, onde diversas linguagens irão dialogar para criar um espaço interessante, atraente, instigante. Por enquanto, o que posso adiantar sobre o Museu da Cidade de Pelotas é que queremos fazer uma espécie de “arqueologia da cidade”, cavando na sua longa e rica história, sempre com os olhos voltados para o futuro.

Quais as tuas impressões da cidade de Pelotas até aqui?

É uma bela cidade.

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Isa Grinspum Ferraz é socióloga, cineasta e sobrinha do guerrilheiro comunista Carlos Marighella, assassinado numa emboscada durante a ditadura em 1969. É dela o filme “Marighella”, de 2012. Ao não responder diretamente sobre os registros da Texto e Imagem, Ferraz confirma as denúncias dos professores da UFPel e vereadores de que a empresa não é registrada e nem possui no seu quadro fixo de profissionais um museólogo, embora declare que irá contratar para criar o Museu de Pelotas.

Em todos os trabalhos que realizo monto minha equipe a partir das demandas específicas do projeto.

Em todos os trabalhos que realizo monto minha equipe a partir das demandas específicas do projeto.

CONTRAPONTO)

A professora Nóris Leal do curso de Museologia da UFPel questiona também a notória especialização alegada pela Prefeitura de Pelotas ao dispensar licitação na contratação da Texto e Imagem. Segunda ela, existem outras empresas tão qualificadas quanto a de Isa Ferraz e que possuem todos os registros necessários. Leal aproveita a oportunidade para esclarecer que em momento algum a UFPel ou o curso de Museologia disseram que fariam ou se ofereceram para fazer o projeto do Museu de Pelotas gratuitamente.

A Prefeitura de Pelotas entregou nessa terça-feira (3) a documentação solicitada pelos vereadores, que agora estão analisando-a para decidir se tentam uma nova reunião com o secretário de Cultura, Giorgio Ronna, para mais explicações e quais as medidas legais a serem tomadas. Segundo o vereador Ivan Duarte (PT) há grande probabilidade do caso ser enviado ao Ministério Público, e este decidirá se acolherá ou não a denúncia (mais uma) contra o executivo municipal.

O Iphan, responsável pelo PAC Cidades Históricas de onde virá o financiamento para criação do Museu de Pelotas, ainda não se posicionou a respeito e só deverá fazê-lo quando e se o MP e o judiciário se manifestarem sobre o contrato e esclarece que embora os recursos sejam federais, quem contrata (e quem se responsabiliza pelo processo) é a Prefeitura de Pelotas.

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