Diário da Manhã

quarta, 24 de abril de 2024

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POVO DE MATRIZ AFRICANA : Avanços democráticos ameaçados pelo conservadorismo

17 abril
09:41 2015

Coordenador do Griô Centro Pedagógico de Reterritorialização nos anos noventa, Edson Nogueira avalia a negritude no século 21

Por Carlos Cogoy

O revanchismo é século 19. Desvendar a trajetória dos antepassados, desde a fazenda na qual foram escravizados, é desafio no século 21. Resistência tem a ver com o século 19. Reconhecer-se pertencente aos povos tradicionais de matriz africana, é conquista do século 21. De imediato, episódio como a imagem queimada de Iemanjá, remete à polêmica no varejo, mas a contemporaneidade impõe o debate na conjuntura “macro”. Observações de Edson Nogueira que, nos anos noventa, foi um dos idealizadores e coordenadores do espaço “Griô”. A Organização Não-governamental desenvolveu projetos e promoveu diferentes eventos, destacando-se através do fomento de atividades educativas, culturais e políticas da comunidade negra. Nesta semana, Edson esteve na cidade para visitar familiares e reencontrar amigos. Radicado em São Paulo, ele é o coordenador de articulação política do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Ao DM, mencionou sobre o legado da experiência com o “Griô” em Pelotas, enfatizou as questões que marcam a negritude no século 21, e analisou o risco de retrocesso aos avanços democráticos do País.

Edson Nogueira é coordenador político do Fórum de Segurança Alimentar

Edson Nogueira é coordenador político do Fórum de Segurança Alimentar

GRIÔ – Acerca da ONG que, considerando-se o embate contra o preconceito e discriminação racial, fez a diferença em Pelotas, Nogueira pondera: “O que realizamos correspondeu à exigência daquele momento. Então contribuímos à assinatura da resistência do movimento negro. Com outras organizações, definimos políticas que embasaram a posição de muitas pessoas. Produziu-se na cidade, pensamento cuja credibilidade até hoje está presente. Talvez alguns não tenham simpatia pelas pessoas que estavam à frente das lutas, mas as ideias foram importantes e ainda são respeitadas”. Além de Edson, o Griô também foi idealizado pela então esposa, médica pelotense Regina Barros Goulart. À época, o grupo agregou jovens lideranças como a psicóloga Ceci Silva Souza, Giovane Lessa, Jair ‘Brown’ e Marco da Silva Jr.

DEBATE contemporâneo implica no reconhecimento como povo. Edson exemplifica que a “imagem do indígena denota o conceito de povo. O cigano quando avistado, também é identificado como povo. Já alguém trajando as vestes da religião afro, geralmente é rotulado como ‘macumbeiro’”. Para ele, o crucial é detectar e desvendar o percurso da opressão. O sobrenome Nogueira, como menciona, não se refere à origem africana, mas é herança da designação escravocrata. “Meu sobrenome é amarra à fazenda na qual meus antepassados foram escravizados. Então temos discutido sobre a escravidão, ainda sendo ‘escravos’. São quatrocentos anos de escravidão no Brasil, e quarenta mil anos de povos escravizados. Ogum na África é agricultor, no Brasil tem espada pois é espaço de guerra. Quando alguém se identifica como banto ou yorubá, tem de saber que não se trata de religião. Então é necessário conhecer a geografia pré-colonização e também neocolonial. Para entendermos, o conceito de povo implica em elementos como: visão de mundo; valor civilizatório; cultura e compreensão; língua; sabedoria alimentar”. Edson acrescenta que o Fórum de Segurança Alimentar é “instância para a transição conceitual que chega ao século 21”.

ETAPAS que demarcaram avanços desde os anos noventa: acatando mobilizações como a Marcha Zumbi 300 anos, FHC foi signatário da Conferência Mundial contra o Racismo de Durban na África do Sul; escravidão tipificada como crime contra a humanidade; edições do Fórum Social Mundial; criação no governo Lula da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que dinamizou políticas como as cotas, Lei 10.639 – história e cultura afrobrasileira na escolas -, comunidades tradicionais com a discussão sobre quilombolas e religião de matriz africana.

CONSERVADORES de plantão tentaram acender o “estopim” na mobilização de 15 de março. Conforme Edson, no governo Getúlio Vargas houve “faísca” conservadora, em 1964 também. No governo Dilma, conservadorismo está procurando a “faísca” para o retrocesso. Ele avalia: “O capital está enfraquecido, e o retrocesso se oxigena no caos. Os anos de crescimento democrático, afetaram a perspectiva do capital. Então a ‘crise’ é possibilidade de interrupção dos avanços qualificados. O PMDB tem receita conservadora e, acerca da corrupção na Petrobras, a mídia opta pelo ângulo que mais lhe interessa. Assim, pouco se fala que 95% dos presos são vinculados a empreiteiras. E o segmento está ‘operando’ desde a construção de Brasília. As empreiteiras colocaram dinheiro nas campanhas de todos os presidenciáveis ano passado. Mas a manchete é vincular com o PT. No entanto, jamais um governo federal foi tão empenhado para a apuração dos desmandos”.

 

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