Diário da Manhã

quinta, 28 de março de 2024

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“CASO FALCONI”: Ação do Ministério Público é julgada procedente

“CASO FALCONI”: Ação do Ministério Público é julgada procedente
23 janeiro
15:24 2015

Decisão judicial declara anulado o contrato

Nesta quinta-feira, 22, o Ministério Público (MP) foi intimado da sentença prolatada pelo juiz da 4ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Pelotas, Dr. Bento Fernandes de Barros Júnior, que declarou anulado o contrato celebrado entre o Município de Pelotas e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A. em fevereiro de 2014, cujo objeto era o de a empresa auxiliar na melhora do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) local.

Conforme a sentença, não está justificada a contratação sob a modalidade de inexigibilidade de licitação, com ratificação dos argumentos expostos na decisão que determinou a suspensão liminar do contrato pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Portanto, restaram acatados os fundamentos apresentados pelo Ministério Público na ação civil pública proposta, a partir do entendimento de que era necessária a realização de licitação prévia à referida contratação. Dentre outros, sustentou que a empresa possui notório saber em área diversa da que foi contratada, bem como não estava presente a singularidade do serviço. Também houve citação à forte insatisfação da comunidade escolar a esta contratação, conforme matérias jornalísticas e audiência pública realizada na Câmara.

Cumpre frisar que ainda cabe recurso da decisão.

A sentença completa, com 28 páginas, pode obtida no endereço: www.tjrs.jus.br na aba “Acompanhamento Processual”. (Leia o texto ao final da matéria)

 

RELEMBRE:

O trabalho da consultoria seria desenvolvido ao longo de 12 meses, e consistia em definir as metas para as escolas; implantar os modelos de gestão escolar; elaborar os planos de ação para alcançar os resultados e implementar o sistema de acompanhamento de resultados em todos os níveis da rede educacional – incluindo capacitações para a direção das escolas e para os servidores que atuariam como replicadores no processo. O valor do contrato sem licitação: R$ 2.148.000,00.

 

Vereador Marcus Cunha fala na Tribuna

Vereador Marcus Cunha fala na Tribuna

Desde o início do contrato entre a Prefeitura e a empresa Falconi, a Câmara de Vereadores se posicionou contrariamente, por entender que recursos públicos estavam sendo utilizados indevidamente. Em uma audiência, que lotou o plenário, o Legislativo questionou o governo a respeito da empresa, e mostrou que, em Pelotas, existem outras instituições capazes de executar o mesmo tipo de consultoria contratada, como as universidades Católica e Federal e o IFSul.

 

A Promotoria Pública de Pelotas entrou com liminar, pedindo a suspensão imediata do contrato, mas o juiz da 4ª Vara Fazendária de Pelotas, Bento Fernandes de Barros Júnior, indeferiu o pedido, que foi aceito, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça do Estado.

Agora, a decisão de mérito anula o contrato.

 

NOTA OFICIAL DA PREFEITURA DE PELOTAS

Os aspectos jurídicos da decisão serão analisados pela Procuradoria Geral do Município, uma vez que se trata de sentença recorrível aos tribunais superiores, os quais, conforme o procurador geral Carlos Diniz, vêm adotando soluções contrárias ao mérito da decisão anulatória deste tipo de contrato administrativo.

O Município recorrerá da sentença a partir do momento em que for intimado oficialmente.

A prefeitura considera que a melhoria dos índices de IDEB, notoriamente baixos e não condizentes com a importância de uma cidade como Pelotas, passa pelos investimentos em infraestrutura das escolas, que estão sendo realizados.

Igualmente, pela incorporação de novas tecnologias ao ambiente escolar, o que também está sendo promovido, pela valorização de seus professores, o que está sendo buscado com a discussão de um plano de carreira, e, sobretudo, por uma estratégia clara de integração entre todas essas ações, com um processo de gestão eficiente capaz de fazê-las repercutirem efetivamente no processo de ensino.

Para o que o projeto de consultoria contratado ajudaria decisivamente.

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SENTENÇA:

Comarca de Pelotas

4ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública

Av. Ferreira Viana, 1134

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Processo nº:  022/1.14.0003101-8 (CNJ:.0005625-02.2014.8.21.0022)
Natureza: Ação Civil Pública
Autor: Ministério Público
Réu: Município de PelotasInstituto de Desenvolvimento Gerencial SA
Juiz Prolator: Juiz de Direito – Dr. Bento Fernandes de Barros Júnior
Data: 14/01/2015

 

Recebi em 16.12.14.

Vistos etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ajuizou a presente em face de MUNICÍPIO DE PELOTAS e INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL S/A, também ali qualificados, dizendo: em 04.02.14 o Município réu firmou contrado com a demandada, com o objeto de ¨auxiliar a Prefeitura de Pelotas a melhorar seu indicador de Rendimento na Educação¨, observados parâmetros de proposta; a Prefeitura pagaria R$ 2.148.124,15 pelos serviços, executados em doze meses; a meta seria elevar o indicador de rendimento do Município em 2014 para os anos iniciais e finais do ensino fundamental com vistas ao ¨ranking¨ do IDEB; o pacto restou celebrado, tendo-se por inexigível prévia licitação; referiu legislação, doutrina, súmula, voto, e ementas; ilegal a avença direta; exigível era a licitação; a inexigilibidade repousaria em inviabilidade de competição, singularidade do objeto do contrato, notória especialização do profissional, e tratar-se de serviço necessário à consecução do interesse público; no ralativo à notória especialização da requerida verifica-se que pactos, supostamente similares, firmados com outras Prefeituras não guardam relação com o objeto da avença impugnada; a ré realizou a maioria das consultorias na área de gestão empresarial e, em menor parcela, na gestão pública de modo genérico e geralmente voltadas à modernização de fluxos de trabalho e a equilíbrio financeiro; apenas dois por cento da atuação da demandada deu-se em área de ensino, inexistindo comprovação de que o serviço em tela seja especialidade da empresa; os atestados de capacitação técnica reforçam tais conclusões; ausente ainda a singularidade do serviço; simples consulta à ¨internet¨ e busca por consultorias em gestão educacional fazem ver que existe um grande número de empresas aptas a prestá-la; no caso concreto inocorria singularidade excludente de competição;  a regra na contratação de dado serviço técnico é a licitação; a pactuação direta de empresa de consultoria causou absoluro repúdio na comunidade escolar; audiência pública na Câmara Municipal deixou patente a inconformidade, eis, por exemplo, a existência de instituições locais de ensino superior com ampla capacidade de auxiliar na tarefa a Prefeitura; não aconteceu consulta ao Conselho Municipal de Educação acerca da decisão administrativa; o preço a ser pago é alto e não restou devidamente justificado; a avença atenta à razoabilidade e à economicidade; passível de anulação o contrato por ofender regramento legal; imperiosa a concessão de liminar; hipótese semelhante já foi analisada pelo TCU; necessário evitar o dano irreparável, sendo iminentes os pagamentos; não se detectam prejuízos ao Município. Requereu: notificação; liminar; citação; e procedência. Protestou por provas. Deu o valor de R$ 2.148.124,15. Juntou documentação. Ordenou-se a notificação do Município. Este, notificado, aduziu: incabível a concessão de liminar; o ato impugnado reveste-se da mais absoluta e plena legalidade; a demandada possui notória especialização em Gestão Pública; necessária e urgente a tomada de medidas eficientes para reversão do quadro de alarmantes índices indicadores de baixíssima qualidade no rendimento das escolas municipais de ensino fundamental; a requerida tem ¨expertise¨ em educação com resultados efetivos; fez-se regular processo administrativo; representantes da Secretaria Municipal de Educação efetivaram justificativa técnica; parecer jurídica da PGM concluiu por possibilidade de contratação direta, inexigindo-se licitação; ao fim, com absoluta transparência e publicidade, assinou-se o pacto administrativo; parecer de Assessoria Jurídica da SEEDUC do Rio de Janeiro trata de tema idêntico; cumpridos os requisitos indispensáveis; embasou-se em abalizadas opiniões doutrinárias e jurisprudência hoje pacificada no TCU; referiu legislação e votos; o valor da avença corresponde a menos de 1,5% do orçamento da educação; a inicial confunde singularidade do serviço com a singularidade da contratada; ultrapassada a linha de que, se várias empresas prestadoras são capazes de realizar o serviço, impositiva a licitação; a requerida foi quem assessou o M.P.E. na implementação de projetos de qualificação de gestão, que alavancaram a instituição; o TCU, quando julgou reclamações sobre contratos na área pública com a ré sempre ficou favorável à inexigibilidade de licitação; trata-se de serviço técnico especializado, já prestados às Secretarias Estaduais de Educação do Rio de Janeiro e de Alagoas; singular a natureza dos serviços pactuados; a implementação exige metodologia específica e cientificamente embasada; impossível selecionar as diversas alternativas para a execução das metas pretendidas segundo um critério objetivo, como seria, por exemplo, a aquisição de serviços de limpeza, segurança, e obras públicas; singularidade vem a ser o binômio complexidade e especificidade; o administrador escolhe em quem confia para a execução de política de governo; a demandada é especializada, notória e reconhecidamente, na área de gestão pública administrativa; a requerida obteve já significativos e efetivos resultados na área de educação básica em vários projetos desenvolvidos; o risco de dano irreparável é dos alunos, pois liminar suspenderia a execução de programa que objetiva significativa melhoria nos índices de aproveitamento escolar nas escolas públicas municipais já para prova em 2015; o programa acha-se em curso, com seis consultores em plena atividade. Acostou procuração e documentos. Negou-se a liminar. Expediram-se mandado e carta precatória. O M.P. opôs agravo de instrumento e cumpriu o art. 526, do CPC. O Egrégio Segundo Grau deixou de dar efeito suspensivo. Citado, o MUNICÍPIO DE PELOTAS contestou: presentes os requisitos legais para a contratação de serviços técnicos a serem prestados por profissionais de notória especialização; equivocadamente o autor exige fornecedor exclusivo; imperiosa a distinção entre unicidade do prestador de serviço e a singularidade do serviço prestado; ausente prova objetiva de abusividade na interpretação do art. 25, da Lei nº 8.666/93; indemonstrada a excessivade do valor exigido pela consultoria em prejuízo aos cofres públicos; incomprovada a inadequação da avença administrativa; ausente até mesmo relatório de conclusão de inquérito civil; notícias de jornal reproduzem a opinião de desafetos do governo municipal; o objeto contratual situa-se entre os serviços técnicos especializados; a ré já prestou idênticos serviços técnicos visando ao aperfeiçoamento da gestão pública, inclusive plano de melhorias na área de educação; aluziu à legislação, à doutrina, e a votos; a notória especialização pode ser aferida pelas experiências pregressas, conceito angariado pela demandada perante os contratantes e dados sobre a consultoria efetivada; mesmo existindo vários consultores na área de gestão educacional, ainda assim haverá margem ao administrador eleger o que tem o melhor perfil para o trabalho; a requerida é especializada, notória e reconhecidamente, na área de gestão pública administrativa e o serviço buscado diz com gestão na área educacional; tem reconhecimento nacional a ré; singular é o serviço capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido por critérios objetivos de qualificação inerentes a certame licitatório; o poder de aferição quanto às reais necessidades da Administração Pública recai sobre o Executivo e não, sobre o M.P.; a situação impunha notória especialização e confiança; ausente elemento a apontar notória especialização em gestão escolar em instituições de ensino locais; o custo, no cotejo com outras avenças, resta adequado à população municipal; o demandante deixou de trazer orçamentos. Pleiteou indeferimento da liminar e improcedência. Protestou por provas. Juntou procuração. O requerente noticiou o provimento do agravo de instrumento e pediu a imediata intimação do Município por mandado. Acostou peça. Retornou a precatória citatória. INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL S/A (INDG – FALCONI), qualificada à fl. 429, contestou: a demanda não passa de aventura jurídica; a verdade fático-probatória não foi trazida pelo autor; a avença atendeu os requisitos legais e morais; o objeto é nobre, lídimo e social, qual seja, auxílio à Prefeitura na gestão e melhoria do sistema de educação; originou-se, na década de 80, na Fundação Cristiano Ottoni, na UFMG, com o movimento Qualidade Total, com ajuda de japoneses; em 1998, ante necessidade de ampliar a atuação e atender enorme demanda de empresas, criou-se a Fundação de Desenvolvimento Gerencial; a partir de 2003 se fundou a peticionária, que se tornou líder em consultoria de gestão com foco em resultados; atende clientes da iniciativa privada e esfera pública, no País e Exterior; no ramo da educação pública apoia e contribui na melhoria da realidade do ensino público brasileiro; é tão especialista no assunto que lançou obra, ¨Gestão para Resultados na Educação¨, de autoria de consultoras, professoras mestras e doutoras; presta serviço técnico e especializado, de natureza singular e executado por profissional de notória especialização; o requerido, com pauta em ¨Eixo Boa Escola para Todos¨, idealizou três programas: Esporte e Lazer, Infraestrutura e Suportes às Escolas, e Qualificação do Ensino e Aprendizagem; vendo urgência, o demandado conheceu a peticionária e pediu-lhe proposta; assim fez; inocorrente qualquer ilegalidade na pactuação; transcreveu legislação, doutrina, ementas, súmula, e votos; alerta aos Atestados de capacidade técnica de fls. 490/554; vem assessorando o requerido com método que contempla aspectos estratégicos, pedagógicos e gerenciais; desenvolveu e atua com um sistema desenvolvido por consultores especialistas chamado GIDE – Gestão Integrada da Escola -, trabalho embasado na LDB; já entreteve com outros entes públicos pactuação semelhante; o demandante indemonstrou que outras entidades teriam notória especialização no assunto, ¨expertise¨ para tanto, ou que já tivessem laborado em assuntos similares; o valor da avença está conforme, e até é menor, ao mercado; inexistindo violação à lei, ilícito adentrar no julgamento do mérito administrativo dos atos do Executivo. Pediu improcedência. Protestou por provas. Trouxe procuração e documentos. O demandante requereu diligências cartorárias (fl. 1.861). Certificou-se. O demandante replicou: os argumentos dos demandados, com volumosa documentação, nata trouxeram de novo quanto à inaugural; o contrato é ilegal; inocorreu a devida justificativa com provas objetivas, em procedimento administrativo, instruído com a razão da escolha do fornecedor; ausente, também, justificativa do preço; outras empresas igualmente se acham aptas a realizar os serviços pactuados com a mesma eficiência e capacidade; necessária a prova de que o objeto é singular; incomprovada a inviabilidade da competição; a maioria das consultorias da ré situa-se na área de gestão empresarial e, em menor parcela, na gestão pública de modo genérico; apenas 2% de atuação da demandada ter-se-ia dado na área de ensino; a licitação visa a garantir primordialmente a isonomia; a regra é licitar; atentou-se ainda contra a razoabilidade e economicidade; elevado e injustificado o preço. Instaram-se sobre novas provas. O requerente peticionou: junta mais documentos a roborar a procedência; cita várias empresas que, teoricamente, poderiam realizar o serviço avençado com a mesma competência da requerida; dias atrás, Coordenador de Estratégia e Gestão da Prefeitura declarou, em depoimento na Câmara Municipal, que a Falconi não é a única alternativa para melhorar o índice de educação das escolas municipais. O Município pleiteou sentença. A ré, acostando substabelecimento, pediu decisão. Ordenou-se e vieram cópias de acórdãos. É o relatório.

Impõe-se o julgamento antecipado, pois somente de direito a matéria.

Às fls. 08/10, 24/33, e 57 acha-se matéria jornalística a propósito.

Eminente Procurador da República encaminhou (fls. 12/18) ao M.P.E., em 11.02.14, material: ¨… envio-lhe representação sobre supostas irregularidades em contratação da Prefeitura Municipal de Pelotas, praticada com inexigibilidade de licitação, a fim de que Vossa Excelência adote as providências que julgar cabíveis … Por meio da referida inexigibilidade de licitação, com fundamento no art. 25, II da Lei n. 8.666/93( É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no artigo 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; ), o município de Pelotas contratou o Instituto de Desenvolvimento Gerencial A/A, no valor de R$ 2.148.124,15, tendo como objeto a execução do projeto ‘auxiliar a Prefeitura de Pelotas a melhorar seu indicador de rendimento na Educação’. O autor da representação ainda fez ilações sobre possível envolvimento do referido instituto, em nível nacional, com o Partido da Social Democracia Brasileira(PSDB), ao qual é filiado o prefeito de Pelotas. Para tanto, junta notícia do site ‘Correio do Brasil’, que faz referência a outra notícia publicada no jornal ‘Estado de São Paulo’, na qual é mostrada a contratação do INDG/Instituto Falconi por governantes vinculados ao PSDB nos estados de Minas Gerais e São Paulo, além das possíveis irregularidades cometidas por essa entidade, incluindo o falseamento de dados e a fraude fiscal. Entretanto, consta também da notícia o aparente apartidarismo do Instituto, que oferece seus serviços a várias administrações. Mas, apenas da referência às contribuições de grandes grupos empresariais à entidade contratada, em Pelotas o contrato celebrado vai exigir quantia significativa de recursos públicos destinados à educação … Desta forma, cabendo ao membro do Ministério Público da União adotar as providencias cabíveis em face das irregularidades de que tiver conhecimento ou que ocorrerem no servços a seu cargo(art. 236, VII da LC 75/93), passa-se a uma breve análise dos fatos narrados sobre a inexigibilidade de licitação, para fins de encaminhamento aos órgãos competentes. No ponto, tem-se que levar em conta, numa análise sobre o fundamento legal invocado para a inexibilidade da licitação, o disposto na súmula n. 264 do TCU … Mais do que isso, o TCU já se debruçou sobre situação específica em que ocorreu a contratação do INDG pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, ocasião em que asseverou … No caso da contratação pela Prefeitura Municipal de Pelotas, sobressai o fato de que a empresa contratada sequer é especializada em gestão da Educação Pública, mas em gestão empresarial, ou mesmo em gestão pública de um modo geral, como demonstra o próprio acórdão do TCU, de forma que se torna difícil encontrar, em tese, justificativa para a aplicação pura e simples da hipótese de inexigibilidade de licitação aplicada. Ora, se, como referido pelo TCU, uma simples consulta à internet permite se chegar à várias outras empresas que têm o mesmo objeto, com mais forte razão se estranha o fato de se aplicar a inexigibilidade de licitação em questão afeta à área especializada da gestão educacional. A partir destes fatos, tem-se como cabível a investigação dos fatos por órgão do Ministério Público. Em se tratando de irregularidade praticada no âmbito da Prefeitura Municipal, atribuição para a investigação cível em princípio recai sobre o Ministério Público Estadual, mesmo em se tratando de verbas originárias do FUNDEB, como decidido pelo STF(informativo 643) … determino o envio da presente representação ao Ministério Público Estadual de Pelotas, para as providências que entender cabíveis, com cópias ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (representação de Pelotas) e ao Tribunal de Contas da União (representação no Rio Grande do Sul) …¨.

Manifestação de conceituado advogado local, com matérias jornalísticas, aportou no M.P.E. (fls. 19/21). em 17.02.14.

Cópia de mídia de audiência pública na Câmara Municipal encontra-se à fl. 34.

Às fls. 58/81, 83/92, e 94 está material da ré sobre sua experiência em projetos de Educação.

Às fls. 95/107 acham-se acórdãos do TCU.

Às fls. 108/218 encontram-se contratos de prestação de serviços entre a demandada e Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, projeto; e proposta.

Às fls. 220/242  estão pacto de prestação de serviços entre a requerida e a Secretaria Estadual da Educação e do Desporto de Alagoas e Anexo Único – Termo de Referência.

No trabalho ¨Gestão para Resultados na Educação¨ (fls. 481/519), no prefácio, aduziu-se: ¨… Para que o Brasil se torne um país realmente desenvolvido, todos concordam que é definitivamente imperioso melhorar a qualidade da educação. Mas, infelizmente, isto é um falso consenso, já que há uma interminável divergência sobre os meios para chegar a esse fim. E o triste resultado disso é, ressalvadas as boas exceções, um histórico de atraso e paralisia. Por trás dessa inércia, há quase sempre pouco apetite dos governos para enfrentar o custo das mudanças necessárias. De outro lado, há muita disposição daqueles que se beneficiam de privilégios corporativos para se mobilizar contra a meritocracia ou qualquer espécie de reforma que represente ameaça aos seus interesses. Essa alta capacidade de mobilização de minorias barulhentas que representam a vanguarda do atraso tem tornado ainda mais difícil a tarefa de reformar a educação … A obra que o leitor tem em mãos representa um caminho objetivo para romper essa estagnação. Fala da experiência concreta de aplicação de método gerencial (PDCA) para melhoria dos resultados na educação. Não trata de questões filosóficas ou ideológicas. A filosofia do método gerencial é a melhoria contínua. E a ideologia é a meta, que é base do sistema gerencial. Mais do que teorizar, o livro propõe como vencer a batalha da educação por meio da boa gestão, baseado no que já foi comprovado com sucesso por experiências concretas da FALCONI Consultores de Resultado … não há como melhorar a educação sem metas, sem planos de ação, sem avaliações de desempenho e sem meritocracia. Da teoria e da prática, a conclusão é certeira: com a utilização disciplinada do método gerencial é possível qualificar substancialmente os resultados do ensino no Brasil. E isso não decorre necessariamente do aumento de recursos para o setor, mas especialmente da eficiência na aplicação de tais verbas. As diversas ilhas de excelência que existem só comprovam essa constatação: com o mesmo dinheiro, algumas escolas fazem bem mais e melhor do que outras. E esse avanço é detectado até mesmo em periferias e regiões que, apesar de muito pobres, apresentam IDEB (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica) com níveis extraordinários. Para além das cifras, há fartas evidências empíricas de que o que efetivamente importa é a formação dos professores, a capacitação dos gestores, a padronização de currículos e o uso efetivo do tempo em sala de aula. E, claro, para colocar tudo isso de pé, é necessário um bom sistema de gestão …¨.

O contrato ora em discussão acha-se às fls. 573/583.

Cópia do procedimento administrativo encontra-se às fls. 733/1.012, 1.013/1.257, 1.258/1.497, 1.498/1.731, e 1.734/1.859.

Conclua-se.

Este magistrado, ao início do feito, manifestou, em interlocutória, ser contrário à concessão de liminar suspensiva do contrato.

Em sede de Agravo de Instrumento manejado pelo requerente, o Colendo TJRGS houve por bem cassar a interlocutória e conceder a liminar, em caráter unânime, adentrando para fundamentar o ¨decisum¨, e tal não poderia ser diferente, na discussão de mérito, desacolhendo-se Embargos Declaratórios opostos pelos réus.

.Inconformados, os demandados opuseram Recurso Especial, por óbvio sem efeito suspensivo, ora em tramitação.

Resta, em homenagem ao princípio do duplo grau de jurisdição e por reconhecer-se a excelência dos argumentos do Egrégio Segundo Grau e a bagagem dos eminentes Desembargadores componentes da Câmara competente, exarar o veredito de primeiro grau em consonância com o já decidido na Corte Estadual, realçando que a discussão envolve matéria de direito exclusivamente.

No recurso epigrafado os ínclitos Desembargadores lecionaram (fls. 1.896/1.905:

¨AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS CONFIGURADOS.

1. A licitação caracteriza-se como processo administrativo pelo qual um ente público, abre a todos os interessados, em condições de igualdade, a possibilidade de participarem da Administração, mediante oferta de bens e serviços, com o fim de atender as necessidades públicas de modo mais vantajoso, sendo que a dispensa e inexigibilidade de licitação devem ser sempre excepcionais.

2. No caso, não restou justificada a contratação sob a modalidade de inexigibilidade de licitação, prevista no artigo 25 da Lei nº 8.666/93.

3. Presentes os requisitos caracterizadores da antecipação de tutela, a teor do que disciplina o art. 273 do CPC, deve ser reformada a decisão que indeferiu o pleito antecipatório.

RECURSO PROVIDO.

 

Agravo de Instrumento 

Primeira Câmara Cível

Nº 70059062505 (N° CNJ: 0098813-67.2014.8.21.7000) 

Comarca de Pelotas

MINISTERIO PUBLICO 

AGRAVANTE

MUNICIPIO DE PELOTAS 

AGRAVADO

INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL SA 

AGRAVADO

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao agravo de instrumento.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Irineu Mariani (Presidente) e Des. Newton Luís Medeiros Fabrício.

Porto Alegre, 09 de julho de 2014.

 

 

DES. SÉRGIO LUIZ GRASSI BECK,

Relator.

 

RELATÓRIO

Des. Sérgio Luiz Grassi Beck (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MINISTERIO PUBLICO em face da decisão que, nos autos da ação civil pública proposta contra o MUNICIPIO DE PELOTAS e o INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO GERENCIAL SA, indeferiu o pleito liminar. Em suas razões recursais, o agravante narra que o Município de Pelotas firmou contrato com o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A, a fim de auxiliar a Prefeitura a melhorar seu indicador de rendimento na educação, mediante a observação dos parâmetros da proposta nº1453/13. Diz que a meta a ser atingida, através da consultoria, é elevar o indicador de rendimento da municipalidade no ano de 2014, para os anos iniciais e finais do ensino fundamental, melhorando o posicionamento do ranking do IDEB. Alega que a Prefeitura pagará a quantia de R$2.148.124,15 (dois milhões cento e quarenta e oito mil e cento e vinte e quatro reais e quinze centavos) para realização dos serviços a serem executados no prazo de doze meses. Argui que a contratação foi realizada sob a modalidade de inexigibilidade de licitação, com base no art. 25, inc. II, e §1º, e art. 13, incs. I e II, da Lei nº 8.666/93. Invoca o art. 37, inc. XXI, da CF. Sustenta que não restou demonstrada a inviabilidade da competição, motivo pelo qual se faz necessária a realização da contratação mediante processo licitatório. Aduz que existe no mercado inúmeros profissionais com ampla capacidade para auxiliar o Município de Pelotas na melhoria da gestão escolar. Salienta que o valor do contrato é excessivo e contraria os princípios da razoabilidade e economicidade. Afirma que o contrato realização entre o Município de Pelotas e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial é ilegal. Pede pela concessão do efeito suspensivo. Ao final, postula pelo provimento do recurso (fls. 02-08). Indeferido o pedido liminar e dispensada a intimação da parte agravada para contrarrazões por ainda não ter ingressado na relação processual (fl. 69). O Ministério Público apresenta parecer opinando pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 73-78). Vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório.

VOTOS

Des. Sérgio Luiz Grassi Beck (RELATOR)

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Eminentes colegas. A presente discussão versa sobre a suspensão dos efeitos do contrato administrativo firmado entre o Município de Pelotas e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A, sem prévio procedimento licitatório.

A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, consoante previsto no art. 37, inc. XXI, da CF, e caracteriza-se como processo administrativo pelo qual um ente público, abre a todos os interessados, em condições de igualdade, a possibilidade de participarem da Administração, mediante oferta de bens e serviços, com o fim de atender as necessidades públicas de modo mais vantajoso, sendo que a dispensa e inexigibilidade de licitação devem ser sempre excepcionais.

 O recurso merece provimento, e para tanto peço vênia para adotar o exímio parecer de lavra do eminente Procurador de Justiça Júlio César Pereira da Silva, pois analisou os fatos, as provas e interpretou-as adequadamente, dando correta solução ao recurso, razão pela qual adoto como razões de decidir (fls. 73-78):

No caso em tela, tem-se situação em que o Município de Pelotas, alegando notória capacidade e conhecimento, declarou a inexigibilidade de licitação e contratou de forma direta uma empresa de porte nacional para prestar consultoria durante doze meses, objetivando auxiliar o Município a melhorar seus indicadores de aproveitamento escolar – ou seja, galgar posições anuais medidas pelo IDEB -, ao custo de R$ 2.148.124,15 (dois milhões e cento e quarenta e oito mil, cento e vinte e quatro reais e quinze centavos).

No caso dos autos, tem-se que a contratação ocorreu de forma direta e sem procedimento licitatório prévio, sob o permissivo da inexigibilidade de licitação.

A inexigibilidade de licitação vem prevista no artigo 25 da lei n.º 8.666/93, estando assim redigida na parte que importa ao caso dos autos:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

II- para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

§1º Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ 2º Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

 

Por seu turno, diz o referido artigo 13:

 

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

I- estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;

II – pareceres, perícias e avaliações em geral;

III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras;

III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico.

VIII – (Vetado). (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)

§ 1º Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.

§ 2º Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.

§ 3º A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.

 

No caso telado, parece não estar justificada a inexigibilidade de licitação.

É notório que a empresa contratada, IDG S.A. – também conhecida como FALCONI Consultores de Resultado ou Instituto Falconi – é uma das maiores empresas de consultoria empresarial do país, já tendo também prestado serviços aos Governos dos Estados de Minas Gerais e da Bahia e dos Municípios de Natal (RN) e Mossoró (BA) nas áreas de otimização de processos de gestão e aumento de resultados de arrecadação e financeiros, razão pela qual não há dúvidas sobre sua capacidade e qualidade de serviços.

Porém, como a empresa contratada, existem no país centenas, talvez milhares, de outras empresas e fundações públicas e privadas especializadas em consultoria em educação, mormente em pesquisa e adequação de métodos de gerenciamento para modernizar e capacitar processos de gestão na área de educação.

Inclusive, é possível verificar no site da empresa em questão que sua especialização é nitidamente ligada ao mundo empresarial e tendo como objetivo maior o aumento de ganhos empresariais – lucratividade, mas suas atividades em consultoria em ensino correspondem a tão somente 2% de suas atividades (vide fl. 64).

Tal leitura põe sob fundada dúvida a sua ‘notória especialização’ em gestão de ensino público com vistas ao incremento de resultados de aprendizado, pois a empresa contratada na forma direta deve ser especializada no objeto da contratação e não em consultoria em matéria diversa.

Relembre-se que a regra é que a contratação pública deve submeter-se à ampla concorrência a fim de obterem-se as melhores condições e preço, sempre objetivando preservar o erário, sendo que a dispensa e inexigibilidade de licitação devem ser SEMPRE excepcionais.

Daí porque, s.m.j., parece que não seria caso de declarar inexigível a licitação para contratar empresa que destina apenas 2% de sua capacidade para o desenvolvimento da área que é objeto da contratação, mas deveria ter sido estabelecido o certame para possibilitar a ampla concorrência e colher propostas de outras empresas, talvez não tão poderosas e afamadas como a contratada, mas, talvez, com maior especialização em ensino público.

Daí porque, parece ser caso de acolher-se a argumentação trazida pelo DD. Promotor de Justiça JAIME NUDILEMON CHATKIN, que vão aqui transcritas como parte integrante deste parecer:

 

3. DA INCONFORMIDADE DO AGRAVANTE.

Conforme demonstrado na petição inicial e nos documentos que a instruem, o Município de Pelotas firmou contrato com o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A, em 04 de fevereiro de 2014, com o propósito de ‘auxiliar a Prefeitura de Pelotas a melhorar seu indicador de rendimento na educação, mediante a observação dos parâmetros da proposta nº 1453/13’ (fls. 30/71 do EA).

 A meta a ser atingida pela Prefeitura Municipal, através da Consultoria, é elevar o indicador de rendimento do Município de Pelotas, no ano de 2014, para os anos iniciais e finais do ensino fundamental, melhorando o posicionamento do ranking do IDEB – de 33º para 27º nos anos iniciais e de 37º para 29º nos anos finais (fls. 33/34 do EA).

 De acordo com o avençado, a Prefeitura pagará a quantia de R$ 2.148.124,15 (cláusula terceira), pela realização dos serviços a serem executados, no prazo de 12 meses (cláusula quarta).

 Conforme parecer da Procuradoria do Município às fls. 12/17 do EA, dita contratação foi realizada sob a modalidade de inexigibilidade de licitação, com base nos artigos 25, inciso II e § 1º, e 13, incisos I e II, da Lei 8.666/93. 

Contudo, entende o Ministério Público tratar-se de contrato ilegal, tendo em vista que a contratação do Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A pelo Município de Pelotas, sem prévio procedimento licitatório, não se enquadra na hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no artigo 25, II, da Lei 8.666/93.

 A inexigibilidade de licitação para contratação da empresa Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A não foi devidamente justificada com provas objetivas, em procedimento administrativo, instruído com a razão da escolha do fornecedor. Também não houve justificativa do preço, nos termos do artigo 26, caput e parágrafo único, II e III, da Lei 8.666/93.

  Cumpre destacar que a inexigibilidade de licitação ocorre quando há inviabilidade de competição, melhor dizendo, quando é impossível promover-se a competição, tendo em vista que um dos contendores reúne qualidades tais que o tornam único, exclusivo, sui generis, inibindo os demais pretensos participantes, o que não é o caso em análise.

No caso, o fato de o demandado Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A demonstrar que possui grande capacidade técnica na área de gerenciamento de projetos, não significa que outras empresas não estejam aptas a realizar os serviços contratados com a mesma eficiência e capacidade. Não basta afirmar que o objeto é singular, precisa ser comprovado por quem o afirma.

O Instituto de Desenvolvimento Gerencial pode até ser uma das principais empresas de consultoria na área de gerenciamento de projetos, mas isto não afasta a possibilidade da existência de outras empresas aptas a prestar ditos serviços.

A vingar a tese do Município, o Instituto poderia ser contratado sem licitação por todos os órgãos públicos do país, o que não se afigura harmônico com a norma constitucional que impõe como regra o dever de licitar à Administração (artigo 37, XXI).

A propósito, os julgados que fazem parte da decisão recorrida, apontam para outras instituições que, em princípio, poderiam prestar os serviços ora discutidos, e são tão ou mais qualificadas que a empresa contratada pelo Município de Pelotas, a exemplo da Fundação Getulio Vargas, de renome nacional.

 Na verdade, não foi demonstrada a inviabilidade da competição, ou seja, de que somente a empresa demandada tinha condições de prestar o serviço contratado.

 Os documentos apresentados pela empresa demandada para comprovar a notória especialização (fls. 150/242 e 268/489) demonstram que os contratos, supostamente similares que foram firmados com outras prefeituras, na realidade, não guardam relação com o objeto da contratação realizada com o Município de Pelotas.

Analisados os referidos documentos verifica-se que o contrato firmado com a Prefeitura de Mossoró (modernização da gestão publica), tinha como meta reduzir as despesas correntes de custeio (fl. 163); com a Prefeitura de Natal o objetivo era o de ‘auxiliar a Prefeitura na melhoria dos seus resultados de receitas e despesas’ (fl. 186); e com DESENBAHIA – Agência de Fomento do Estado da Bahia, a meta era melhorar os resultados operacionais da agência (fl. 219).

A robusta documentação apresentada pela empresa contratada demonstra que a maioria das consultorias realizadas se situam na área da gestão empresarial, e em menor parcela na gestão pública de modo genérico, estas geralmente voltadas à modernização de fluxos de trabalho e ao equilíbrio financeiro (fls. 269/295).

Apenas 2% da atuação da empresa contratada se daria na área de ensino (fl. 295), e não existe qualquer demonstração de que o serviço contratado pela Prefeitura, em Educação Pública, seja especialidade da empresa.

A meta a ser alcançada pelo Município de Pelotas de melhorar os indicadores de rendimento no ensino fundamental, ou seja, a médica harmônica da taxa de aprovação de cada ano (fl. 77), é bem diferente das consultorias que a contratada está acostumada a prestar e pelas quais se tornou conhecida nacionalmente.

 Os atestados de capacidade técnica apresentados para o Município de Pelotas às fls.490/554 reforçam tais conclusões.

 A licitação, por força da Constituição Federal, é a forma impositiva de seleção dos futuros contratantes, e tem por objetivo fundamental a garantia do princípio da isonomia. A lei infraconstitucional só pode permitir ao administrador público afastar-se do procedimento licitatório quando buscar harmonizar o princípio da isonomia (art. 37, XXI, da CF) com outra questão igualmente relevante, ou seja, quando existir um motivo fundado e lógico para não realizar uma concorrência pública.

 Em outras palavras, a regra é sempre licitar. O administrador deve ter em mente que o dever de eficiência não lhe permite submeter-se às expressões literais, sem verificar se a contratação atenderá ao interesse público, seu real objetivo, favorecendo indiscriminadamente ou injustificadamente determinadas empresas.

 No caso concreto, mostra-se absolutamente viável a realização do certame entre técnicos da área no intuito de selecionar um profissional para realizar os serviços contratados com o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A, tendo em vista que as atividades realizadas por tal empresa não estão marcadas pela singularidade ou notória especialização, inclusive instituições locais de ensino superior como a UFPEL e o IFSUL.

Conforme já referido anteriormente, existem no mercado inúmeros profissionais com ampla capacidade para auxiliar o Município de Pelotas na melhoria da gestão escolar.

Por outro lado, a necessidade da realização da consultoria contratada para alegada consecução do interesse publico é por demais duvidosa e pouco razoável, quando haveria outras alternativas mais presentes no cotidiano do ensino municipal e bem menos onerosas aos cofres públicos.

O contrato firmado entre os requeridos também atenta contra os princípios da razoabilidade e da economicidade.

Contrariamente ao que concluiu o douto Magistrado, há nos autos elementos suficientes para demonstrar, em sede de liminar, que o preço avençado para realização dos serviços contratados pelo Município de Pelotas, no valor de R$ 2.148.124,15, é alto e não foi devidamente justificado pelo ente público, conforme determina o artigo 26, parágrafo único, II e III, da Lei 8.666/93.

Os valores pagos pela Prefeitura de Mossoró, pela Prefeitura de Natal e pela Agência de Fomento do Estado da Bahia (fl. 10), utilizados como parâmetros para justificar o preço contratado, não servem para demonstrar a adequação do preço praticado pelo Município de Pelotas no contrato firmado com a empresa contratada, posto que os referidos contratos tem pouca ou nenhuma semelhança com aquele que é objeto da presente ação.

 Veja-se que a Prefeitura entendeu adequado ao princípio da economicidade pagar R$ 2.148.124,15 pela consultoria para aumentar os índices de aprovação escolar, porque a Prefeitura de Natal pagou mais de três milhões por uma consultoria que visava melhorar os resultados de receitas e despesas. Tal comparação é imprestável.

 A prevalecer tal entendimento estar-se-á não só concedendo ao Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A privilégios além daqueles que pretendeu o legislador, mas dando-se, também, uma interpretação alargada ao artigo 25 da Lei de Licitação

 Colaciona-se, nesse sentido, decisão do Tribunal de Contas da União ao analisar a contratação do INDG, julgando pela necessidade de prévia licitação e consolidando seu entendimento sobre o assunto:

 

‘GRUPO II – CLASSE I – Primeira Câmara

TC 013.157/2012-4

Natureza(s): Pedido de reexame em representação

Órgãos/Entidades: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT/MG), Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais

Recorrente: Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG)

Advogado constituído nos autos: não há

SUMÁRIO: CONTRATAÇÃO DIRETA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. NÃO CONFIGURADA A SINGULARIDADE DO OBJETO. CIÊNCIA AOS ÓRGÃOS/ENTIDADES CONTRATANTES. RECURSO. CONHECIMENTO. SINGULARIDADE NÃO SE CONFUNDE COM A IDÉIA DE UNICIDADE. PROVIMENTO. INSUBSISTÊNCIA DA CIÊNCIA AO RECORRENTE .

RELATÓRIO

 Trata-se de representação efetuada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e no bojo da qual são apontadas irregularidades em diversas contratações efetuadas pela administração pública, por inexigibilidade de licitação, do Instituto de Desenvolvimento Gerencial S.A. (INDG). (peça1, p. 1-31)

2. Segundo o representante, a contratação por inexigibilidade de licitação estaria a ocorrer sem que estivessem preenchidos os requisitos previstos no art. 25 da Lei 8.666/1993.

3. Mediante o Acórdão 2821/2013 – 1ª Câmara (Relação 12/2013 – TCU – 1ª Câmara, Peça 53), a representação foi considerada parcialmente procedente e foi dada ciência aos órgão/entidades jurisdicionados que:  ‘foi constatada a seguinte falha nos presentes autos: contratação direta, por inexigibilidade de licitação, do Instituto de Desenvolvimento Gerencial S.A. (INDG), sem que estivesse configurada a singularidade do objeto e a inviabilidade de competição, contrariando o art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993.’

4. Inconformado, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG) ingressou com pedido de reexame contra o referido acórdão com o objetivo de afastar a caracterização de ‘falha’ na contratação formalizada com a empresa INDG.

5. A unidade técnica assim se manifestou quanto ao mérito do recurso:

Seguem os argumentos apresentados pelo recorrente, acompanhados da devida análise de mérito:

Argumentos.

Expõe que o ‘cerne da questão gravita em torno do entendimento a ser conferido à expressão ‘serviço singular’ inserta no inciso II do art. 26 da Lei 8.666/1993, que induz à caracterização de situação que afasta a disputa entre os possíveis interessados na execução de determinada atividade’ (peça 65, p. 3). Nesse sentido, explica o que seria ‘a natureza singular dos serviços contratados (peça 65, p. 4):

(…)

O serviço poderá ser considerado como singular quando envolver um grau acentuado de complexidade para sua execução, exigindo do autor um nível de capacitação diferenciado dos demais profissionais existentes no mercado. A singularidade concerne à invulgaridade do objeto, especialidade, especificidade, tratando-se de uma situação anômala, incomum e que não pode ser enfrentada satisfatoriamente por qualquer profissional que seja especializado. Não se espera apenas o mero conhecimento técnico, mas é imperioso que o prestador do serviço detenha inúmeros recursos técnicos, habilidades, criatividade, engenhosidade e experiência anterior que o tornem capaz de realizar aquela atividade.

A descrição do objeto contida na Cláusula Primeira do Contrato nº 38/2012 não deixa dúvidas quanto à singularidade dos serviços executados pela INDG S.A. As várias etapas contempladas no escopo dos serviços demonstram, à saciedade, que se trata de atividades complexas, que pressupõem um grau de capacitação superior do seu executor.

(…)

Análise do 1º Argumento.

Na visão do recorrente, o objeto do Contrato nº 38/2012 não deixaria dúvidas quanto à ‘singularidade’ e que esta decorre da invulgaridade do objeto, especialidade, especificidade. Além disso, tratava-se de uma situação anômala, incomum e que não poderia ser enfrentada satisfatoriamente por qualquer profissional que não fosse especializado. Esse fato, na visão do recorrente, demonstraria, à saciedade, que se tratava de atividades complexas que exigia um grau de capacitação superior do seu executor.

Ressalte-se que esses argumentos foram detidamente examinados na instrução de mérito da Unidade Técnica (Peça 50). O entendimento firmado naquela Peça, assentada na jurisprudência desta Casa, esclareceu que para que houvesse a contratação de serviços com base na hipótese de inexigibilidade, duas condições deveriam ocorrer: ‘inviabilidade de competição’ e natureza ‘singular’ do serviço. Nesse sentido, trouxe a colação trecho do Voto que fundamentou o Acórdão 1247/2008 – Plenário, como segue:

12. Passo agora ao exame das contratações por inexigibilidade de licitação do Instituto de Desenvolvimento Gerencial Ltda. – INDG, do escritório Arzua e Kohler Advogados Associados S/C e do arquiteto Jaime Bernardo de Carvalho Pusch.

13. Tratando da exceção à regra geral de licitar, o art. 25, caput e inciso II, da Lei n. 8.666/1993 preconiza que, além da inviabilidade de competição, a contratação de serviços com base na hipótese de inexigibilidade de licitação, depende do preenchimento dos seguintes pressupostos:

a) que sua natureza seja singular, impedindo o estabelecimento de requisitos objetivos de competição entre os prestadores, salientando-se, nesse tocante, que serviço de natureza singular é aquele caracterizado por marca pessoal ou coletiva (quando realizado por equipe), que o individualiza em relação aos demais;

b) que o executor possua notória especialização.

14. Por sua vez, o art. 25, § 1º, da Lei n. 8.666/1993 oferece os elementos hábeis para que a Administração verifique e comprove que o profissional possui notória especialização, quais sejam: desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou outros requisitos relacionados às suas atividades.

15. Em suma, não sendo atendido algum desses pressupostos, revela-se incabível a contratação direta com fulcro no aludido dispositivo legal.

Correto, portanto, o posicionamento da Unidade Técnica ao concluir que ‘o INDG pode ser a principal empresa de consultoria na área de gerenciamento de projetos, mas isto não afasta a possibilidade da existência de outras empresas aptas a prestar os serviços contratados.’

Portanto, não devem ser acolhidos os argumentos do recorrente, considerando que não ficou demonstrada a inviabilidade de competição.

 Argumentos.

 Segundo o recorrente (peça 65, p. 6), ‘o entendimento esposado pelo TCU por meio do Acórdão nº 2831/2013/TCU carece de revisão, por se afastar da ontologia do instituto da inexigibilidade de licitação. O item 12 do voto proferido pelo Min. Relator incide em equívoco, com o redobrado respeito, ao asseverar que:’

 ’12. Observa-se que a rejeição dos esclarecimentos prestados centra-se na possibilidade da existência de outras empresas aptas a prestar os serviços contratados, não estando caracterizada a singularidade do objeto contratado e a inviabilidade de competição, devendo, então, ter sido realizado o certame licitatório pertinente.’

 Análise do 2º Argumento.

 Nota-se claramente, que o entendimento defendido pelo recorrente é no sentido de que o conceito de singularidade de que trata o art. 25, inciso lI, da Lei 8.666/1993 não está vinculado à ideia de unicidade, mas de complexidade e especificidade. Portanto, a sua tese é de que a natureza singular não deve ser compreendida como ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado.

 Todavia, conforme já exposto nos itens 9 a 14 desta instrução, a jurisprudência predominante deste Tribunal entende de modo diverso. Para o TCU, conforme mencionado do nos itens 12 a 15 do voto que fundamentou o Acórdão 1247/2008 – Plenário, a contratação de serviços com base na hipótese de inexigibilidade deve observar duas condições: a natureza ‘singular’ do serviço e a ‘inviabilidade de competição’.

 Não basta que o objeto seja complexo e que o sujeito tenha notória especialização. É necessário mais do que isso: tem que existir uma superioridade de adequação, assegurada por uma singularidade na natureza do serviço, existente na relação de trabalho em que o serviço nasce entre o sujeito prestador e o objeto contratado. Daí porque a licitação ser inviável, pois, evidentemente, somente um sujeito estaria em condições de prestá-lo. Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Prietro, ‘nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, pois só existe um objeto ou uma pessoa que atenda as necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável.’

 Por essa razão, considerando a jurisprudência desta Casa, não se deve acolher as alegações do recorrente, especialmente porque não ficou demonstrado que o objeto do Contrato nº 38/2012 somente pudesse ser executado pelo INDG.

CONCLUSÃO

 Diante do exposto, propõe-se que o Tribunal de Contas da União:

 a) conheça do presente pedido de reexame interposto pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG) contra o Acórdão 2821/2013 – 1ª Câmara, nos termos do art. 48 da Lei 8.443/1992, para, no mérito, negar-lhe provimento;

 b) dar ciência ao recorrente e aos demais interessados do acórdão que for prolatado.

 

Concluindo, o contrato realizado entre o Município de Pelotas e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial mostra-se ilegal, por ofender os regramentos do diploma licitatório. Existem inúmeras empresas particulares, fundações públicas e privadas habilitadas para realizar o serviço contratado pelo Município de Pelotas, não havendo nenhuma singularidade no trabalho realizado pela empresa demandada.

 Também não houve justificativa aceitável para o preço que será pago pelo Município.

 Por fim, a contratada não comprovou em nenhum instante que tivesse notória especialização na prestação dos serviços contratados, objetivamente considerados, na área de gestão educacional.

Necessário, portanto, o provimento liminar, visto que o deslinde do processo judicial certamente se dará após a execução integral do contrato, quando o dano já terá assumido a característica de irreparabilidade.

  Desse modo, necessária a concessão de medida liminar, para que se suspenda a execução do contrato, de mais de dois milhões de reais, cujo pagamento inicial poderá ser realizado nos próximos dias, conforme cronograma (fl. 22).

  Destaque-se, por oportuno, que, contrariamente ao que decidiu o Juízo a quo, a concessão de liminar não acarretará qualquer prejuízo ao Município, visto que, em sendo efetivamente necessário, poderá lançar mão de diversos meios lícitos que estão ao seu dispor para contratação de uma consultoria de gestão educacional.

 E mesmo que a ação seja julgada improcedente, o que não se acredita em razão das fortes provas apresentadas, a Prefeitura poderá retomar o contrato posteriormente, de modo que o risco de haver dano irreparável existe apenas na hipótese de ausência do pedido liminar.

 Destarte, presentes no caso concreto todos os requisitos elencados no art. 273 do CPC, impõe-se a reforma da decisão agravada para conceder ao agravante a antecipação de tutela, para que seja imediatamente suspenso o contrato firmado entre o Município de Pelotas e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A.

 

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, concedendo-se a medida liminar postulada na ação civil pública, a fim de suspender os efeitos do contrato firmado entre o Município de Pelotas e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial S/A …¨.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE a ação e, ante a necessidade de licitação, DECLARO ANULADO o contrato em tela. Custas e despesas processuais, em igual proporção, pelos requeridos. Sem condenação em honorários advocatícios.

Com atraso em face de acúmulo de feitos para decisão e recesso judiciário de final de ano.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Pelotas, 14 de janeiro de 2015.

Bento Fernandes de Barros Júnior,

Juiz de Direito

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