Diário da Manhã

segunda, 23 de dezembro de 2024

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Artigo: MEMÓRIA AFETIVA

Artigo: MEMÓRIA AFETIVA
12 fevereiro
10:12 2024

Por Marcus Vinicius Martins Antunes*

Nasci e me criei, até oito anos, na casa da Rua Barão de Santa Tecla, em meio a duas praças, um privilégio em Pelotas. À esquerda de quem saía, a Praça da Caixa d’Água, que estava no centro. Estrutura toda em ferro, importada de Paris, em 1875, que ainda funciona, como outras em diferentes lugares. Num lado da praça, estava, e permanece a Santa Casa, lindíssimo prédio, de quase duzentos anos, hoje. Teria sido construído em função do número de feridos na guerra farroupilha. À direita, a Praça do Pavão, ou dos Enforcados. Algumas execuções se fizeram ali, durante o Império. E ali ocorreram alguns suicídios, pelo mesmo meio. Era margeada pelo Arroio Santa Bárbara, uma divisa urbana, aterrado depois nesse ponto. Na primavera, as painas, vindas das árvores, desciam até nossas “areazinhas” e ao pátio, como neve.

Defronte a casa estava o Tyresolis, onde se consertavam pneus, e provavelmente se vendessem. O prédio tinha dois andares e ocupava mais de metade da quadra. Devia ter sido propriedade de algum personagem importante do tempo das charqueadas. Era azul claro, na minha memória.

Eu sentava às vezes na soleira da porta – era seguro – e ficava observando os mecânicos, de macacões azuis, tisnados aqui e ali de graxa. Fiz um apelo aos pais para ter um. Um dia, foi-me dado um amarelo, que rejeitei de pronto. Mas no dia seguinte, domingo, já tive de vesti-lo. Faltava a graxa e pintá-lo de azul.

Lembro-me de alguns convites e pedidos de um pequeno, menor do que eu, para ir brincar defronte, no prédio. Mas não ia, para preservar a superioridade etária. Se pudesse aceitar hoje…

No Tyresolis, vez por outra, havia também encontros festivos. Num deles, chamaram, meu pai, que tinha algumas práticas pouco comuns, como a hipnose. Foi recebido com algumas homenagens, cânticos e violão. Num deles, já no final, um mecânico alto, forte, cor de telefone antigo, fazia o bordão: “O doutor Ápio é bom nisso, é bom pra aquilo”. E encerrou: “É o doutor Ápio, pra “hinpenotizar””. Choveram as palmas.

*Advogado

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