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sexta, 22 de novembro de 2024

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Dia Nacional da Adoção, um marco de Avanços e Desafios

Dia Nacional da Adoção, um marco de Avanços e Desafios
27 maio
08:13 2024

Data é importante para a conscientização sobre a Adoção e traz um alerta para o número de crianças maiores, adolescentes, grupos de irmãos e com deficiências, que aguardam por Adoção

O Dia Nacional da Adoção, celebrado em 25 de maio, marca um momento crucial na luta pela Adoção no Brasil. A data surgiu durante o 1º Encontro Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, em 1996, e foi oficializado pela Lei nº 10.447 em 2002. Visa conscientizar e refletir sobre a Adoção de crianças e adolescentes, além de estimular a busca por soluções para os desafios ainda enfrentados pelos que permanecem vivendo em situação de Acolhimento. “A data nos convida a direcionar nossa atenção para crianças e adolescentes que aguardam por famílias, e a pensar coletivamente em maneiras de fortalecer o instituto da Adoção, garantindo o direito às convivências familiar e comunitária para todos os jovens”, afirma Jussara Marra, Presidente da Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção).

De acordo com Jussara, desde a instituição do Dia Nacional da Adoção, pela Lei nº 10.447, de 2002, alterada em 2022 pela Lei nº 14.387, aconteceram algumas mudanças significativas no panorama da Adoção no Brasil. A legislação avançou, estabelecendo foco, critérios e prazos relativos diretamente à proteção de direitos de crianças e adolescentes, seja no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seja em regramentos orientados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Esse movimento ampliou as discussões e as ações, proporcionando uma abordagem mais abrangente e inclusiva sobre o tema”, destaca.

Mitos e Dilemas Persistentes

Apesar dos avanços, ainda existem muitos mitos e dilemas que rondam o imaginário coletivo sobre a Adoção. “Entre os mais comuns estão as preferências por Adoções de bebês e crianças pequenas, sob a premissa equivocada de que seria mais fácil ‘moldar o caráter’”, aponta Jussara. Além disso, há o mito de que a burocracia e a demora injustificada no processo de Adoção sejam um dos entraves que ainda afastam os pretendentes à Adoção. Não há como negar que a Adoção e o sistema Jurídico ainda são vistos como um tabu no Brasil, porém, muitas vezes, isso diz mais sobre a falta de preparação dos adotantes. “É essencial compreender a Adoção do ponto de vista da criança e do adolescente. Para construírem seu futuro de maneira segura, necessitam de um sistema ágil e eficiente de preparação dos futuros pais e mães,”, conclui.

Atuação dos Grupos de Apoio

Os Grupos de Apoio à Adoção (GAAs) desempenham um papel crucial na quebra dessas barreiras. Segundo José Wilson de Souza, Diretor Financeiro e de Relações Institucionais em exercício na Angaad, os GAAs oferecem suporte às famílias adotivas, fornecendo informações, orientações e preparação, além de promoverem trocas de experiências e assistência pós-Adoção. Realizam projetos em áreas específicas, como Psicologia, Serviço Social, Pedagogia e Direito. “Dois importantes desafios para a Adoção no Brasil ainda são a idealização e o imediatismo por parte das famílias, além da falta de estrutura e equipes técnicas especializadas para trabalho exclusivo na solução da situação de crianças e adolescentes acolhidos”, evidencia.

 A Psicologia é uma aliada fundamental no processo de Adoção, ajudando a preparar emocionalmente tanto crianças e adolescentes quanto os futuros pais. O acompanhamento psicológico facilita a superação dos desafios emocionais e ajuda a criar vínculos saudáveis e duradouros | Foto: Divulgação | Pexels

Contribuição da Psicologia para o processo de Adoção

Vários profissionais têm atuação fundamental no processo psicossocial da Adoção. Começam no apoio prévio à família de origem, para evitar a retirada temporária ou definitiva da criança ou do adolescente em risco ou sob violência naquele lar. Passam pelo acompanhamento nos serviços de Acolhimento, pela preparação para o retorno à família biológica ou para o encaminhamento à Adoção. Enfim, a atuação interprofissional chega à preparação e ao acompanhamento da família adotiva.

Um desses importantes profissionais é o Psicólogo. De acordo com Mayra Aiello, Psicóloga, doutoranda em Psicologia pela UNESP Bauru e membro da Diretoria Técnica da Angaad, a Psicologia desempenha um papel essencial no auxílio às pessoas para superarem os desafios relacionados à parentalidade via Adoção. Aqui estão algumas maneiras pelas quais ela pode ser útil:

Apoio Emocional: A Adoção pode envolver uma ampla gama de emoções, incluindo ansiedade, medo, alegria e tristeza. Os Psicólogos fornecem um espaço seguro para que os indivíduos expressem e compreendam essas emoções, ajudando-os a lidar de forma saudável com os desafios emocionais que surgem ao longo do processo de Adoção.

Autoconhecimento: O processo psicoterapêutico realizado por um Psicólogo pode auxiliar cada membro familiar no processo de autoconhecimento no que se refere à sua história de vida, em relação a perdas, mudanças e processos de transição ao longo do ciclo vital. Além disso, o Psicólogo especialista em parentalidade e Adoção pode auxiliar na transição da parentalidade desse indivíduo, compreendendo traumas, marcas, lacunas e frustrações, e ampliando seus recursos emocionais ao lidar com o outro.

Avaliação e Preparação: Antes de iniciar o processo de Adoção, os profissionais de Psicologia ajudam os futuros pais a avaliar suas motivações, suas expectativas, seus lutos, suas frustrações e suas capacidades para exercerem a parentalidade via Adoção. Essa avaliação garante que eles estejam preparados para enfrentarem os desafios que a Adoção pode trazer, ampliando os recursos a serem acionados frente a esses desafios.

Orientação Parental: Durante todo o processo de Adoção, a orientação parental/familiar pode ser benéfica, para garantir que todos os membros da família estejam alinhados, compreendam as necessidades uns dos outros e estejam preparados para as mudanças que a parentalidade e a Adoção trarão ao ambiente familiar.

Preparação para a Criança e o Adolescente Adotivos: Os Psicólogos também ajudam os futuros pais a se prepararem para a chegada do filho ou da filha adotiva, abordando questões relacionadas à Adoção e à história de vida, a como lidar com possíveis marcas ou desafios comportamentais e a como criar um ambiente acolhedor e seguro.

Suporte Contínuo no Pós-Adoção: Mesmo após a Adoção ser finalizada, os desafios podem continuar surgindo, à medida que a família se ajusta à nova dinâmica Interna. O puerpério emocional na Adoção envolve um complexo processo de ajustamento multidimensional. Os Psicólogos oferecem suporte contínuo, com escuta qualificada e ampliação dos recursos emocionais, auxiliando nos conflitos familiares e nas questões de identidade da criança e do adolescente adotivos. Também fornecem estratégias para promover um ambiente adequado para relações familiares positivas e sustentáveis.

Conselhos para Interessados na Adoção

Para aqueles interessados na Adoção que buscam se preparar bem para o processo, Mayra listou alguns conselhos importantes. Considerando que é crucial buscar informações, participar de grupos de apoio e estar aberto ao processo de preparação oferecidos pelos órgãos competentes, ela sugere:

Informe-se nos Órgãos Oficiais e se eduque sobre o Processo Judicial de Adoção: Procure o fórum/comarca da região em que mora, para buscar informações práticas para dar entrada no processo de habilitação à Adoção. Entenda as diferentes etapas do processo de Adoção, os requisitos legais, as expectativas e os prazos envolvidos.

Participe de Grupos de Apoio à Adoção: Junte-se a Grupos de Apoio à Adoção e participe de eventos e reuniões educativas, informativas e reflexivas. Conheça outras pessoas que estão passando pelo mesmo processo, compartilhe experiências e obtenha conselhos valiosos. As rodas de conversa ajudam a diminuir a solidão e a construir uma rede de apoio.

Prepare-se Emocionalmente: A Adoção é um processo emocionalmente intenso. Esteja preparado para lidar com sentimentos como ansiedade, expectativa, medo e alegria. Considere buscar apoio emocional para lidar com motivações, expectativas, lutos anteriores. Busque capacitar-se em letramentos que envolvem questões raciais, culturais e de cuidados com portadores de deficiência, crianças de várias faixas etárias e adolescentes e grupos de irmãos, entre outras que poderão estar presentes na ampliação da família.

Prepare-se para o Puerpério Emocional Adotivo: Enfrente o desafio de se adaptar à nova rotina, às mudanças de humor e à ambivalência. Resgatar suas transições anteriores pode ajudar a acessar os recursos necessários e a investigar novos que precisa adquirir.

Trabalhe a Resiliência Emocional: Paciência de esperar e aprender a lidar com o tempo e as frustrações são fundamentais. Busque parcerias e espaços para ter os sentimentos validados, essenciais para um crescimento individual e familiar saudável.

Conheça as Necessidades da Criança e do Adolescente Adotivos: Eduque-se sobre as necessidades emocionais, físicas e sociais das crianças e dos adolescentes que estão aptos à Adoção. Isso inclui entender possíveis marcas e traumas, histórias de vida e desafios específicos que eles podem enfrentar.

Prepare-se para a Próxima Fase: Busque práticas e ações profundas, que facilitem seu processo de autoconhecimento. Práticas meditativas, psicoterapia, atividades manuais e confecção de um álbum de fotos da gestação afetiva são algumas atividades que possibilitam esse mergulho.

Não Romantize a Adoção: Evite a ideia redentora de Adoção como um ato de caridade. Entenda que quem vai transformar sua vida será seu filho ou sua filha. Desfazer o imaginário coletivo da Adoção associada ao abandono e à caridade é essencial.

Envolva a Família Extensa, os Amigos e os Colegas de Trabalho: Converse abertamente com sua família extensa sobre seu desejo de adotar, formando uma rede de apoio desde os primeiros passos. Envolva-os em cada fase do processo e promova o aprendizado sobre a Adoção contemporânea.

Confie no Processo e na Equipe Técnica Judiciária: Dependendo do perfil escolhido, pode levar mais ou menos tempo para seu filho ou sua filha chegar. Saiba que, na hora certa, ele ou ela estará em seus braços e que o apoio no pré e no pós-Adoção é fundamental para a construção dessa parentalidade e da relação afetiva.

Mudanças no Comportamento e na Consciência

Nos últimos anos, a ANGAAD tem notado um aumento nas chamadas “Adoções prioritárias”, que englobam grupos de irmãos, adolescentes, crianças maiores e aquelas com problemas de saúde. Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2019, o ano anterior à pandemia, houve um total de 3325 adoções, das quais 766 foram de grupos de irmãos, 79 de crianças e adolescentes com problemas de saúde, 429 com mais de 10 anos de idade, 12 de crianças e adolescentes com deficiência intelectual e 6 com deficiência física.

Os números de 2023 representam um aumento significativo. Em comparação com 2019, foram realizadas 5032 adoções em todo o Brasil, representando 51% a mais que em 2019. Foram 2395 de grupos de irmãos (aumento de 126%). Para crianças e adolescentes com problemas de saúde, esse número chegou a 559, um aumento de 607%. Para os que tinham mais de 10 anos de idade, foram 556, representando 29,6% de adoções a mais, enquanto 109 foram de crianças e adolescentes com deficiência intelectual (808% a mais) e 48 com deficiência física (aumento de 700%).

Esse resultado reflete uma série de fatores atrelados à pandemia, mas acontece também devido à maior proximidade e à interação com grupos de apoio, que têm contribuído para a desmistificação da Adoção. A atividade acaba também transformando o perfil dos adotantes, promovendo uma aceitação e uma disposição para adotar crianças e adolescentes com diferentes necessidades. “Os números são positivos. No entanto, em meio ao aumento do número dessas adoções, vemos ainda muita idealização e romantização. É preciso falarmos cada vez mais de Adoção, em todos os espaços, para trabalharmos efetivamente a quebra de tabus”, afirma Jussara.

Celeridade e Eficiência Durante o Período de Acolhimento

A implementação da Lei nº 13.509, em 2017, estipulou em 3 meses o prazo para reavaliação e permanência nos serviços de Acolhimento. Também limitou a permanência nos serviços de acolhimento a 18 meses. É um movimento positivo em direção à maior celeridade dos processos de avaliação da possibilidade de retorno às famílias de origem ou extensa (tios, avós, padrinhos, entre outros) ou o encaminhamento à família adotiva.

“Esses são chamados prazos ‘impróprios’, ou seja, seu descumprimento não gera qualquer sanção, o que faz com que muitas vezes eles não sejam observados, até mesmo em virtude da falta de equipes técnicas especializadas e de Varas de Infância exclusivas, nas Comarcas com população condizente com tal demanda”, destaca Jussara.

Preferência de famílias por crianças mais novas, brancas e sem grupos de irmãos está diminuindo | Foto Divulgação | Pexels

Perfil de Adotantes e Adotados

O perfil dos adotantes e dos filhos adotivos no Brasil evoluiu, mas ainda apresenta grandes discrepâncias. Enquanto muitas crianças maiores, adolescentes, com deficiências e em grupos de irmãos aguardam por Adoção, a preferência dos adotantes geralmente recai sobre bebês, crianças mais novas e sem problemas de saúde. Além disso, problemas como o racismo estrutural, presente na sociedade brasileira, ainda dificultam a Adoção de crianças e adolescentes não-brancos, os quais são maioria nos serviços de Acolhimento.

Segundo o SNA, atualmente, 4.794 crianças e adolescentes aguardam por Adoção. Dessas, 52,6% são pardas, 29,4% são brancas e 16,4% são pretas. Cerca de 58,74% dos acolhidos que aguardam por Adoção são crianças com mais de 10 anos de idade ou são adolescentes. Entre as crianças e os adolescentes com deficiência intelectual, 14,3% estão na lista de espera, enquanto 1,7% têm deficiência física. Além disso, 20% das crianças e dos adolescentes têm problemas de saúde e 49,72% pertencem a grupos de irmãos.

Em 2023, segundo o SNA, 38,3% das crianças e dos adolescentes adotados são brancos, 48,6% são pardos e 11,2% são pretos. Crianças com até 2 anos representaram 45,48% dos adotados no período. A preferência por crianças e adolescentes sem problemas de saúde e sem deficiência foi marcante, representando 96,2% e 88,9%, respectivamente. Além disso, os dados mostram que 52,4% dos adotantes preferiram crianças e adolescentes sem irmãos.

Essa disparidade requer ações contínuas, que começam no apoio da rede de proteção à família de origem, para que a criança e o adolescente possam permanecer em segurança ali. Quando o acolhimento é inevitável, as ações passam pela necessidade de agilizar, de forma equilibrada, a avaliação da situação da criança e do adolescente. Isso evita que eles fiquem muito tempo no serviço de Acolhimento, sem saber para onde vão, ampliando os problemas psicológicos decorrentes da falta de convivência familiar. Por fim, “as ações também passam por promover uma melhor preparação dos adultos pretendentes, para que a Adoção seja inclusiva, segura e para sempre”, conclui Jussara.

As disparidades nos perfis revelam que os obstáculos para garantir que todas as crianças e os adolescentes tenham uma família são diversos, incluindo a falta de equipes técnicas especializadas e Varas da Infância e Juventude.

Sobre a Angaad

A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que congrega e apoia os GAAs. Ela trabalha pela convivência familiar de crianças e adolescentes.

Presente em todas as regiões do Brasil, a ANGAAD atua, desde 1999, de forma voluntária. Segue as diretrizes do ECA e representa os grupos junto aos poderes públicos e às organizações da sociedade civil, em ações que desenvolvem e fortalecem a cultura da Adoção.

A diretoria da ANGAAD, com gestão entre 2023 e 2025, é composta por Jussara Marra (presidente), Antônio Júnior (vice-presidente), Ingrid Mendes (secretária), Gilson Del Carlo (tesoureiro), Francisco Cláudio Medeiros (diretor jurídico), Sara Vargas (diretora de relações públicas), José Wilson de Souza (diretor financeiro), Erika Fernandes (diretora de comunicações), Eneri Albuquerque (diretora técnica) e Hugo Damasceno (diretor de relações institucionais).

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