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A Flauta Mágica, Mozart e o Eterno Som da Luz

A Flauta Mágica, Mozart e o Eterno Som da Luz
30 setembro
08:32 2025

No palco do tempo, a flauta ainda canta entre luz e sombras

Marcelo Gonzales*

@celogonzales @vidadevinil

Há dias em que eu acordo com a sensação de que a música já estava escrita antes de nós. Como se certas melodias fossem apenas portais, portas abertas para que atravessássemos juntos, conduzidos pela mão invisível de um compositor que nunca conhecemos. Assim é quando penso em A Flauta Mágica de Mozart, estreada num 30 de setembro… lá em 1791.

Imagino Viena naquela noite. O teatro pequeno, as luzes tênues, Mozart regendo ao cravo com o corpo já enfraquecido, mas a alma ainda em chamas. Schikaneder no palco como Papageno, arrancando risos da plateia popular, enquanto a orquestra faz soar aqueles três acordes solenes da abertura, quase um rito de iniciação. Eu fecho os olhos e escuto luz e sombra em diálogo, filosofia e humor de mãos dadas.

A história é simples e complexa como a própria vida. Tamino, o príncipe em busca de amor e iluminação. Pamina, a pureza que se oferece como guia. A Rainha da Noite, furiosa, vingativa, lançando sua ária cortante como um punhal que atravessa o coração, e quem nunca se arrepiou ao ouvir aquelas notas agudíssimas que parecem nascer de outro mundo? Do outro lado, Sarastro, grave e profundo, como se carregasse nos tons baixos toda a sabedoria do Iluminismo. E no meio de tudo, Papageno, esse homem comum que só quer vinho, comida, pássaros e uma companheira para dividir a vida. Eu sorrio sempre que penso nele, porque é nele que nós todos nos reconhecemos.

E a música… ah, a música não é só bela. É também símbolo. São provas, iniciações, a travessia do silêncio, a coragem de atravessar fogo e água. É a maçonaria de Mozart disfarçada em poesia popular, é a filosofia traduzida em canções que qualquer pessoa poderia assobiar ao sair do teatro. Talvez esteja aí a genialidade aflorada na ópera mais profunda do século XVIII é também a mais próxima da rua.

O que me toca em A Flauta Mágica não é apenas a perfeição musical, mas a forma como ela fala de nós. Somos Tamino e Pamina buscando sentido, somos Papageno fugindo das responsabilidades, somos também Rainha da Noite quando a vingança ferve em nosso coração. E talvez um pouco de Sarastro, tentando cultivar sabedoria em meio ao caos.

Mozart morreu poucos meses depois dessa estreia. Não viu o quanto sua flauta ecoaria pelo mundo. Mas cada vez que essa ópera é montada, seja numa encenação clássica, seja numa versão moderna, até em desenhos animados, eu sinto que ele nos deixou um mapa. Um convite para não esquecermos que, no fim, o que vence não é a vingança, não é a escuridão, mas a luz, o amor, a música.

Hoje, séculos depois, quando o mundo insiste em nos lançar sombras, talvez ainda sejamos todos iniciados em silêncio. Talvez cada um de nós carregue, invisível, a sua própria flauta mágica.

E quando ela toca, o caminho se ilumina.

*Marcelo Gonzales é autor do blog Que Dia é Hoje?, vive entre discos de vinil e muita mídia física, sempre atento à música, à cultura e ao jornalismo, compartilhando histórias que conectam gerações.

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