Dia do Compositor Brasileiro, quando o silêncio aprendeu a cantar
Tente imaginar um mundo sem compositores
Marcelo Gonzales*
@celogonzales @vidadevinil
Antes que existissem os discos, os palcos e as vozes, havia o silêncio.
Um silêncio que parecia absoluto, até que alguém, talvez movido por amor, dor ou esperança, decidiu transformá-lo em canção. E foi assim que nasceram os compositores, esses artesãos da emoção, que moldam o som da vida em versos e acordes.
Em 1948, Herivelto Martins, homem de rádio, de bastidores e de poesia, teve o lampejo de criar um dia para celebrar esses criadores anônimos, aqueles que oferecem voz ao sentimento de um povo inteiro. Assim nasceu o Dia do Compositor Brasileiro, celebrado em 7 de outubro, um gesto simbólico de reconhecimento e amor à arte de compor.
Talvez Herivelto, habituado a ver os intérpretes brilharem sob os refletores, tenha sentido que o compositor era como o coração que pulsa no escuro, essencial, mas invisível. E decidiu, então, dar-lhe um dia de luz.
Entre os anos 50 e 80, o Brasil viveu uma era de ouro, e nela, o compositor foi rei.
Os vinis giravam como planetas em torno das vozes de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dolores Duran, Lupicínio Rodrigues, Cartola, Chico Buarque, Gonzaguinha, Caetano, Gil, Bethânia, Djavan, Roberto e Erasmo Carlos.
Cada canção era uma janela aberta para o país, revelando dores, paixões e utopias.
Era o tempo em que o compositor assinava a alma da nação.
E no rastro desse tempo, surgiram outros alquimistas da melodia, a exemplo de Raul Seixas, que compôs como quem filosofava, misturando rock e metafísica, e também Rita Lee com Roberto de Carvalho, casal que transformou a canção em manifesto, liberdade, ironia e amor embalados em refrões que ainda hoje ecoam com juventude.
Raul ensinou que pensar é transgredir; Rita mostrou que amar é resistir. E ambos provaram que compor é, acima de tudo, existir em alto volume.
Nas décadas seguintes, o cenário se ampliou, José Augusto e Paulo Sérgio Valle criaram “Evidências”, eternizada por Chitãozinho & Xororó, uma canção que atravessou gerações e se tornou quase um hino popular.
Cada karaokê cheio é uma celebração inconsciente do ofício do compositor com anônimos que fazem o mundo cantar junto, sem saber quem escreveu a emoção que sai de suas bocas.
Hoje, nomes como Nando Reis, Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Tim Bernardes (entre outros que não caberiam no artigo) continuam o legado, provando que, enquanto houver quem escreva uma canção, haverá quem sinta, quem chore, quem viva.
E se o mundo ficasse mudo?
Tente imaginar um mundo sem compositores.
Não haveria trilhas para os amores, nem canções para as despedidas. As festas seriam ruído, as ruas, cinzentas.
A música é o que dá cor ao tempo. E o compositor, o pintor invisível dessa aquarela sonora.
Sem eles, o mundo seria mudo.
A vida não teria refrão.
E o silêncio voltaria a reinar, triste e sem poesia.
Hoje, celebramos os que fazem o silêncio cantar.
Os que escrevem o que sentimos antes mesmo que saibamos sentir.
Os que transformam o cotidiano em arte e o amor em som.
Feliz Dia do Compositor Brasileiro.
Que nunca faltem canções, nem quem as escreva.
*Marcelo Gonzales é autor do blog Que Dia é Hoje?, vive entre discos de vinil e muita mídia física, sempre atento à música, à cultura e ao jornalismo, compartilhando histórias que conectam gerações.







