Maria Bethânia, primeiros anos: pesquisa inédita ilumina a formação de uma das maiores intérpretes do país
“Escrever sobre os primeiros anos de Bethânia é revisitar um Brasil que também buscava se compreender.” Paulo Henrique de Moura
Marcelo Gonzales*
@celogonzales @vidadevinil
O jornalista e pesquisador Paulo Henrique de Moura lança em São Paulo, no dia vinte e dois de novembro, às cinco da tarde, no Museu da Imagem e do Som, o livro Maria Bethânia, primeiros anos – da cena cultural baiana ao teatro musical brasileiro, publicado pela editora Letra e Voz. A obra aprofunda a fase inicial da trajetória da artista e retoma momentos decisivos que moldaram a intérprete antes do reconhecimento nacional.
O estudo nasce de sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo, defendida em dois mil e vinte e quatro, e reforça a importância acadêmica da obra de Bethânia, que ao longo das últimas décadas tem inspirado pesquisas em diversas áreas. Música, poesia, religiosidade e dramaturgia compõem um campo fértil que ajudou a consolidar a artista como referência estética e intelectual, reconhecida com títulos de Doutora Honoris Causa em diferentes instituições.
Moura dedica atenção especial ao momento em que a jovem baiana deixa Salvador e segue para o Rio de Janeiro, no início de mil novecentos e sessenta e cinco, para fazer um teste no espetáculo Opinião. A montagem escrita por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, com direção de Augusto Boal, transformou-se em marco da resistência cultural e política no período de instalação da ditadura militar. Na estreia, ao lado de João do Vale e Zé Kéti, Bethânia surpreendeu o público ao interpretar Carcará com vigor dramático que redefiniu a força simbólica da canção e projetou seu nome no cenário nacional.
O livro também revisita os espetáculos coletivos apresentados no Teatro Vila Velha, em Salvador, no ano anterior. Nós, Por Exemplo e Nova Bossa Velha, Velha Bossa Nova, citados como antecessores da Tropicália, ajudam a delinear um ambiente artístico efervescente que já revelava a capacidade de Bethânia de integrar música, palavra e gesto em uma proposta de cena. Moura teve acesso ao acervo documental do Teatro Vila Velha e recuperou registros raros, entre eles a crítica de Carlos Coqueijo no Jornal da Bahia, que exaltava o talento da jovem cantora em apresentação considerada memorável.
A participação de Bethânia em Arena Canta Bahia e Tempo de Guerra, ambos dirigidos por Boal, ocupa um capítulo importante da pesquisa. As montagens combinavam questionamento social, experimentação estética e engajamento político, e evidenciam a presença ativa da artista no ambiente teatral brasileiro. Tempo de Guerra, escrito especialmente para ela e inspirado em textos de Bertolt Brecht, reforça a atenção do autor à relação entre a intérprete e o teatro político do período.
O espetáculo Mora na Filosofia, dirigido por Caetano Veloso em mil novecentos e sessenta e quatro, é reconstituído como peça chave para compreender a construção cênica de Bethânia. A cenografia oriunda da montagem de Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, integrou o show e adicionou camadas dramáticas à apresentação, reforçando o diálogo entre dramaturgia e música que já marcava a trajetória da artista desde Salvador.
A pesquisa de Moura reúne depoimentos inéditos de Rodrigo Velloso, Gilberto Gil, Jards Macalé, Djalma Corrêa, Roberto Santana, Thereza Eugênia, Edy Star e da própria Maria Bethânia. Os testemunhos ajudam a recompor processos criativos, ensaios e bastidores de produções das quais não restam registros audiovisuais completos. O autor também localizou documentos que comprovam a vigilância exercida pelos órgãos de repressão da ditadura militar sobre a cantora, então associada a obras de teor político e a causas sociais.
Mesmo sob esse monitoramento, Bethânia preservou sua independência artística. Após o impacto de Carcará, afastou-se temporariamente da interpretação da canção para evitar rótulos, mas continuou desenvolvendo projetos nos quais a palavra, o corpo e a música se articulavam como expressão das inquietações brasileiras.
O livro reafirma a permanência dessa trajetória. Moura sustenta que revisitar os primeiros anos de Bethânia significa também retornar a um Brasil em transformação, no qual linguagem, política e arte se entrelaçavam com intensidade singular. Para o autor, antes de alcançar popularidade, Bethânia já se afirmava como artista de visão ampla, capaz de compreender o peso simbólico do gesto e do texto no palco.
Paulo Henrique de Moura reúne mais de duas décadas de experiência em jornalismo cultural, assessoria de imprensa e docência. Mestre em Estudos Culturais pela USP e especialista pelo CELACC, atua como assessor de artistas como Alaíde Costa, Benito Di Paula, Claudette Soares, Eliana Pittman e Maria Alcina, além de dirigir o selo fonográfico Companhia de Discos do Brasil. Sua vivência no cenário musical e acadêmico sustenta o rigor documental e a sensibilidade que marcam o livro.
Maria Bethânia, primeiros anos – da cena cultural baiana ao teatro musical brasileiro apresenta duzentas e seis páginas, integra o catálogo da editora Letra e Voz e chega ao público pelo valor de sessenta e oito reais. O lançamento no MIS terá entrada gratuita.
Lançamento do livro:
Data: 22 de novembro de 2025 (sábado), às 17h
Local: Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP)
Endereço: Avenida Europa, 158 – Jardim Europa, São Paulo/SP
Entrada gratuita
*Marcelo Gonzales é autor do blog Que Dia é Hoje?, vive entre discos de vinil e muita mídia física, sempre atento à música, à cultura e ao jornalismo, compartilhando histórias que conectam gerações.
Imagem: Heitor Moura Neto







