ARTIGO: Por um pacto social na crise
Em momentos excepcionais é necessário unir a Sociedade em nome da sobrevivência, mas também da boa convivência
A função dos Governos não é de tutelar as pessoas e impor-lhes o que deve ser feito, mas orientar e estabelecer regras capazes de proteger a vida social, sem que isto signifique tirar a liberdade individual.
Sei que este equilíbrio não é fácil de encontrar e que a boa-fé na busca dele pode trazer muitas consequências indesejáveis.
OS DILEMAS E AS INÚMERAS DÚVIDAS DO PRESENTE
É admissível – em um período de “guerra convencional” contra um “inimigo visível” – estabelecer medidas como o “toque de recolher”, “zonas de exclusão” ou outras restrições nos contatos, nas comunicações e nos deslocamentos.
E numa “guerra contra o inimigo invisível” – como esta fase que estamos atravessando – o que Governos podem fazer para seu enfrentamento? Podem usar a tecnologia para saber qual o nível de isolamento em uma comunidade a partir dos dados dos celulares (ou outros aspectos da vida das pessoas)? Podem obrigar as pessoas a não trabalharem ou proibir a realização de algumas atividades, enquanto outras podem? Podem impedir as pessoas de se deslocarem e até impor multas se o fizerem?
Na China – onde surgiu o Coronavírus e não é nenhum exemplo de Democracia – houve o isolamento, por cerca de 2 meses, da região onde ele se originou. Muitos citam isto como exemplo de eficiência, mas também pode ser visto como uma confissão de culpa e a admissão de erro (até porque esconderam a então epidemia do resto do mundo por um bom tempo até agirem desta forma extremada).
E aqui no Brasil, quem está certo? É o Presidente, que quer flexibilizar (assim como muitos outros o estão fazendo, de Prefeitos a Governadores), ou as autoridades que estão impondo isolamentos parciais e até praticamente totais (como anunciados recentemente em algumas cidades e até estados)?
Temos que continuar focando nossas atenções no debate entre Saúde e Economia, para discutir passionalmente o que é mais importante? E quem define o que é uma atividade Essencial e outras não? Aliás, o termo essencial estaria correto (pois ele varia de pessoa para pessoa) ou se deveria usar a distinção entre o que é prioridade neste momento e o que pode esperar?
Como sabemos, a saúde, a segurança, a produção de alimentos, os supermercados, a coleta de lixo, o funcionamento dos sistemas de água e esgoto, entre outros, não pararam, por serem vistos, corretamente, como prioridade para a própria sobrevivência comum.
Aí cabe perguntar se todos os outros setores deixaram de ser essenciais, ou apenas não foram considerados prioritários neste momento?
Enfim, estamos sendo “bombardeados” por informações e estamos confusos…
Afinal, qual o limite para as ações do Poder Público, em uma situação tão inusitada e anormal em relação ao que estávamos acostumados? Têm os Governos o poder e o direito de nos proteger contra nossos próprios interesses? A questão crucial é: quem governa sabe mais do que nós, os governados?
A REALIDADE E OS FATOS
Para um catador de resíduos, um camelô, um prestador de serviços autônomo (ou empregado neste setor), um dono de boteco ou de uma loja e um industrial dos mais diversos segmentos, a sua atividade é fundamental para ele (e para uma parte da sociedade, que demanda seus bens ou serviços, por mais “supérfluos” que possam parecer a outros), pois dela depende para sobreviver.
Em um País onde metade da classe trabalhadora está no “mercado informal”, poder trabalhar é poder comer, cuidar da família e pagar suas contas básicas (aluguel, luz, etc.), sem depender de auxílios ou da benemerência e solidariedade de outros (embora isto seja importante e deva ser saudado).
Na outra metade – os “formais”, ou também os “autônomos” legalizados (dentistas, advogados, médicos de várias especialidades, construtores, academias de ginástica e de artes marciais, cabeleireiros, manicures, pedreiros, para citar alguns) – boa parte também depende de poder operar para continuar existindo.
A verdade é que vivemos em uma sociedade com múltiplos relacionamentos e, quando paramos de utilizar alguns serviços ou de comprar alguns produtos, criamos um “Efeito Dominó” que se reflete em toda a economia.
Se as pessoas não produzem e consomem, tampouco vão pagar impostos e aí tem o “Efeito Bumerangue” nos Governos, pois começa a faltar dinheiro para o próprio combate à doença e para os demais serviços que presta (agora não considerados “essenciais”), inclusive para os salários dos seus servidores. Isto já está acontecendo, com perdas expressivas de arrecadação em todos os níveis (municipal, estadual e federal).
No início, o nome disto é recessão. Quando dura por um período mais longo, passa a se chamar de depressão, em termos econômicos.
OS GOVERNOS E A SOCIEDADE
Neste ponto, muitos dirão que a vida é mais importante do que o bolso e terão razão, em parte.
No entanto, as pessoas não terão Saúde se não comerem, ou comerem mal… O Desemprego (ou o medo de perder seu “ganha-pão”) e a Ansiedade causadas por todas estas restrições, tem reflexos profundos e duradouros na saúde física e mental da maioria da população (ou da sua quase totalidade, se formos somando os informais, os formais e, por último, os que têm estabilidade e, ainda, salários garantidos).
Neste momento são os Governos que estão decidindo quem pode ou deve parar, até quando isto deve acontecer e debatem se o isolamento deve ser Horizontal, Vertical, Seletivo ou não deve ocorrer (como na Suécia e em alguns outros países, por exemplo).
Se fosse fácil encontrar saída para estes dilemas e superar nossas dúvidas, não estaríamos assistindo a tantos debates acalorados, tensões e dúvidas. Mas podemos – e devemos – discutir os LIMITES da atuação do Poder Público e a sua capacidade de nos impor a sua concepção de como a crise deve ser enfrentada (mesmo que isto seja orientado por alguns “especialistas”).
Salvo engano, creio que a melhor saída para estes impasses é o diálogo e o envolvimento da sociedade na discussão das soluções e não dos problemas. Focar no “fogo” e não na “fumaça”, que atrapalha a visão, nossa e de quem nos governa.
UM PACTO SOCIAL
Nossos governantes – em todos os níveis – precisam entender que devem usar sua capacidade de convocar – e mobilizar – a Sociedade para esta discussão, bem como ter a coragem de ouvir as pessoas e dividir as decisões. Necessitam superar seu medo de perder o controle (e a capacidade de responder a estes enormes desafios) e ter a humildade e a sabedoria de reconhecer que as pessoas tem discernimento e são responsáveis (em sua maioria, pelo menos) para tomar suas próprias decisões.
Hoje, parece que muitos estão deslumbrados com o imenso poder que assumiram em nossas vidas e a possibilidade de decidir em nosso nome, mas isto não é exatamente uma postura democrática… embora certamente tentadora (ainda mais em ano eleitoral!).
Penso que, ao contrário, se decidissem continuar ouvindo os especialistas, mas também tentassem entender a “maioria silenciosa”, teriam maiores possibilidades de êxito e menores chances de errar.
Mas sobreviveremos a tudo isto. Seu custo será maior ou menor, dependendo da postura e das atitudes de quem tem que enfrentar um momento sério e desafiador como este. Se, ao invés de impor medidas duras, chamassem a sociedade para participar das soluções e medidas e repassassem a responsabilidade das ações para as pessoas se cuidarem, creio que os resultados seriam melhores e de efeitos mais rápidos, diminuindo os danos colaterais e perversos que estamos sentindo e ainda sofreremos no futuro.
Precisamos, na verdade, de um PACTO SOCIAL entre Governantes e Governados e não de “chefes iluminados” que queiram pensar e agir por nós, por pretensamente saberem mais do que a gente. Ainda há tempo para minimizar ou reduzir os problemas. Basta compreender o momento, ter bom senso, humildade e capacidade de ouvir, bem como empatia para entender a todos e não apenas alguns.
ADOLFO ANTONIO FETTER JUNIOR
Ex-prefeito de Pelotas