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sábado, 18 de maio de 2024

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ARQUIPÉLAGO CASA ATELIER : A arte existe porque a vida não basta

29 março
08:49 2017

Nesta quarta às 19h, abertura da mostra “Uma poética do deslocamento”, cujo processo artístico enfoca pessoas em situação de rua

Por Carlos Cogoy

Gravuras, esculturas, objetos e livros de artista. Criações que estarão na exposição “Pontos de Vista sobre Pessoas em Situação de Rua – uma poética do deslocamento”, autoria de Mariane D’Avila, cuja abertura acontecerá às 19h desta quarta no Arquipélago Casa/Atelier – rua 3 de Maio 765. A mostra abrirá a temporada, e a artista foi convidada pelo coletivo que coordena o espaço: Francis Silva; Cláu Paranhos; Mario Schuster e Rejane Brayer Pereira. No dia 20, Mariane apresentou seu trabalho de conclusão de curso no Arquipélago. Orientada pela professora Duda Gonçalves (UFPel), sua pesquisa sobre a “poética do deslocamento”, foi a etapa final do bacharelado em artes visuais. Na banca também participaram as docentes Helene Sacco e Alice Monsel.

“Bloqueio expressivo”

“Bloqueio expressivo”

SITUAÇÃO DE ARTE – Engenheira agrônoma, com a formação em artes visuais, Mariane está realizando sonho. Na trajetória, já expôs “Corpo Resistente” na Ocupação Coletiva de Arteirxs (OCA), e “Mendigo Contemporâneo” na Sociedade Sigmund Freud. Também participou do Ocuparte, e Bienal de Arte e Cidadania da UFPel. Como processo artístico, fotografias em preto e branco que, há cinco anos, têm documentado o cotidiano dos moradores de rua. Conforme Mariane, as fotos estão divididas nos grupos: “CorpoNoite”; “CorpoCasa”; “CorpoNinho”. As definições, explica, decorrem dos acúmulos “ao redor, durante o pernoite, das pessoas em situação de rua”. A artista menciona: “Participo do grupo de pesquisa ‘Deslocamentos, observâncias e cartografias contemporâneas’, coordenado pela Dra. Eduarda Azevedo Gonçalves, e vincuclado ao CNPq. Meu trabalho corresponde a uma longa e reflexiva pesquisa em poéticas visuais. Há cinco anos, entre 7h e 7h30min, durante meu deslocamento no perímetro urbano central, tenho observado pessoas que dormem no espaço público. O foco de atenção que direciono a essas pessoas faz com que eu as fotografe e observe particularidades, como por exemplo, onde pernoitam e o que carregam durante o deslocamento. Conversando com professores do Centro de Artes, ligados diretamente ao conteúdo de História da Arte e Iconologia da Arte questionei, sem conhecimento algum, se existiam e quais eram os artistas que incluíam a representação dos mendigos em suas obras, abrangendo a História da Arte até a contemporaneidade. Recebi muitas e valiosas informações e, a partir daí, intensifiquei minha pesquisa e elaborei uma série de trabalhos com a temática ‘Pessoas em Situação de Rua’ (PSR). Muito me chamou a atenção que, apesar da nacionalidade ou da regionalidade, a estética mendiga pouco foi sendo alterada ao longo da linha da História da Arte. Então, a partir desse momento, amigos, alunos e professores do Centro de Artes, começaram a relacionar minha pesquisa as PSR, e passaram a comentar e descrever sobre o que também estavam observando. Percebi que estava despertando o interesse e, de alguma forma, chamando a atenção para essa problemática”.

Trabalho de Mariane que estará em exposição no “Arquipélago”

Trabalho de Mariane que estará em exposição no “Arquipélago”

ARTISTA-CIDADÃO – Conforme Mariane, a postura é de “artista-cidadã”, considerando que a arte pode auxiliar nas questões sociais. “A temática é muito delicada. É crescente o número de pessoas em situação de rua, e consequentemente vai aumentar. É notório observar as áreas urbanas dos municípios que tenho percorrido. Há uma preocupação em termos de descaso da sociedade com a própria sociedade. Vivemos um momento de medo e insegurança, principalmente com as pessoas que estão sob vulnerabilidade social e marginalizadas. Não podemos fechar os olhos e utilizar a arte apenas como algo lindo e colorido. Tenho certeza de que, olhando os trabalhos referentes à exposição, algumas pessoas poderão pensar em como ajudar a minimizar essas questões sociais. Então, que não sejam apenas imagens coladas a uma parede. Me emociono em poder mostrar ao público que frequenta os espaços de arte, aquilo que despreza no espaço urbano. Devolvo à sociedade através do viés da arte, o que é desprezado nas ruas e ambientes públicos e privados, ou seja, corpos jogados a céu aberto, independente da época do ano, corpos que estão envoltos pelo material pobre que recolhem dos estabelecimentos comerciais”. No cenário de desmantelamento dos direitos sociais, inclusive com a perspectiva de ameaça ao ensino de arte nas escolas, Mariane avalia: “Utilizo a expressão de Ferreira Gullar, para explicar meu posicionamento artístico: ‘A arte existe porque a vida não basta’”.

Duda Gonçalves, Alice Monsel, Helene Sacco e Mariane D’Avila (em pé)

Duda Gonçalves, Alice Monsel, Helene Sacco e Mariane D’Avila (em pé)

 

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