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quinta, 26 de dezembro de 2024

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Artigo: GANÂNCIA COMO RELIGIÃO IDOLÁTRICA

Artigo: GANÂNCIA COMO RELIGIÃO IDOLÁTRICA
14 julho
15:00 2023

Dom Jacinto Bergmann

Dizer ideologia é também dizer pseudoreligião, na língua alemã “Ersatzreligion” – “o que substitui a religião”. Como se explicita a dimensão pseudoreligiosa da ideologia gananciosa? O caráter religioso da ganância consiste no fato da absolutizar, isto é, idolatrar bens relativos. É de se reconhecer, porém, que a tendência de absolutizar realidades relativas, que se enraíza no desejo primitivo de “ser como Deus”, é um dado antropológico de que a história humana nos dá sobejos exemplos.

Na base da ganância encontramos uma realidade antropológico-moral, a libido possidendi. Ora, esse vício aparece no Novo Testamento bíblico a título de um nec nominetur, ao lado da “impureza” (Ef 5,3). Ademais, a própria ganância é tida como “idolatria” (Ef 5,5; Cl 3,5). O dinheiro, “sacramento” da ganância, é o objeto de severa advertência de Jesus Cristo por causa de sua tendência a se tornar um absoluto, arvorando-se em ídolo e exigindo “serviço” cultual: “Não podeis servir a Deus e Mamon” (Mt 6,24).

Ora, na ganância, até tudo se eleva, para além de uma doutrina ideológica. É a ideologia da “riqueza absoluta” que Jesus vê personificada em “Mamon” (cf Mt 6,24; Lc 16,9.11.13). Desse entendimento de Jesus, São Paulo pode afirmar: “O dinheiro (dinheiro pelo dinheiro) é a raiz de todos os males” (1Tm 6,10). Na mesma linha, assegura Santo Tertuliano, um dos Santos Padres da Igreja Católica: “Sabemos todos que o dinheiro (dinheiro pelo dinheiro) é o autor da injustiça e o senhor do mundo inteiro”. Feita idolatria, a ganância se reveste de todos os traços característicos de uma religião: tem “deuses”, “templos”, ” hierarquia “, “sacramentos”, “dogmas”, “virtudes” e “teologias”.

É por seu caráter idolátrico que a ganância entende oferecer às pessoas um sentido de vida plena. Apresenta-se como um “modo de acúmulo” investido da tarefa redentora de introduzir o ser humano de volta ao “paraíso terrestre”. A ganância, assim, julga-se, às vezes, detentora dos tributos de taumaturga e salvadora, que a tornariam apta a resolver todo e qualquer “problema humano”. Todavia, como todo ídolo, a ganância também tem pés de barro, como se vê por seus frutos: a insatisfação do coração, a decepção e a desesperança. É então que emerge a verdadeira face devastadora da ganância, ou seja, seu potencial niilista.

A alienação gananciosa tem, inclusive, uma alienação espiritual: a alienatio a vita Dei (Ef 4,18), pois ela leva a um destino de fracasso e de morte eterna. É verdade, a ganância não é a origem do niilismo e nem sua forma mais clara, mas sim o ateísmo. Reconhecido isso, no entanto, não deixa de ser certo que a ganância é hoje um dos veículos mais poderosos e massivos do niilismo, porque atinge toda a sociedade, penetrando até a sua alma, através da ideologia do “só ter sempre mais” e da religião do “só poder sempre mais”.

Por isso, é urgente superar o niilismo ganancioso. É preciso travar uma luta ético-espiritual. Pois, se o que move a ganância é o “espírito terreno” chamado pleonexia, só o Espírito Santo poderá exorcizá-lo do corpo humano e do corpo social (cf Mc 9,29). E isso não se fará sem o encontro de fé com Aquele que “venceu o mundo” (Jo 16,28) e seus sistemas alienantes e niilistas. À medida que os horizontes culturais se abrem, especialmente para transcendência, a ganância idolátrica vai perdendo cada vez mais sua aura sagrada.

Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas.

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