Artigo: Introdução ao Brasil
Marcus Vinicius Martins Antunes
Advogado
Com 18 anos, em 1970, vestibular feito no verão, e aluno da Faculdade de Direito, fui pela primeira vez sozinho ao Rio de Janeiro. Em julho, de ônibus direto, partindo do inverno de Pelotas. Vinte e quatro horas depois, com roupas de lã ainda, senti os olhares cariocas, divertidos ou incrédulos ao redor.
Ia-se ao Rio de Janeiro por ele e para ele próprio, mas também para espiar, ter uma fresta da Europa. Ali viviam muitos europeus. E os cariocas viajavam regularmente para lá, ou tinha contatos permanentes com a Europa. Brigitte Bardot, por exemplo, estivera pouco antes no Rio e depois em Búzios, com Bob Zagury, o namorado, para uma temporada.
Então, Copacabana era ainda um lugar sem gente dormindo e vivendo nas calçadas, ou na areia da praia. E ali havia também, não só para Vinicius, muitas garotas de Ipanema. Todas bronzeadas. A desigualdade estava geograficamente localizada, nas favelas e periferias. E a transgressão ainda não era organizada, nem integrada com milícias e polícia, o tóxico recém chegando.
Fiquei alguns dias, e depois, com mais três, entre eles um primo, fomos pegando caronas, durante quatro dias até Salvador, onde ficamos uns cinco dias, dormindo no chão, sobre caixas de papelão dobradas, há poucos metros da Baixa do Sapateiro. A sala foi emprestada sem custo, após uma caminhada com o proprietário, que retirou o preço de aluguel, parecendo interessado em nossa história.
Dentro de um imenso sobrado de ladeira do início do século dezenove, com escadaria para subir, tivemos a compaixão e o café da manhã de vizinhas, todas enfermeiras, se bem me lembro. Na esquina, em baixo, conhecemos o significado prático da expressão “quente”, para comida, usada em Salvador. Não preciso falar do mar, que nunca vira azul ou verde. Nem das igrejas, que sussurravam o tempo.
Retornamos em caronas, de novo, eu com sensação de anestesia do irreal. Voltamos ao Rio, e nunca mais nos encontramos.
Foi o deslumbramento, meu primeiro contato com o Brasil. Ali, a pele branca era bem rara. Em lugar do nosso modo quase brusco de falar, uma fala mansa, pausada, quase musical. E aquela arquitetura colonial ainda não restaurada. Logo passei a ler Jorge Amado.
Saído da terra do São Gonçalo, das geadas e dos hábitos da pequena urbe do extremo sul, quase pampeana, me deparei com outro mundo, bastante gentil.
Foi minha introdução ao Brasil.