Artigo: O “BRASILEIRO CORDIAL”
Marcus Vinícius Martins Antunes
Nenhuma característica cultural ou antropológica pode impedir que um povo se alce a patamares superiores. No entanto, algumas podem ser entrave, e por isso tendem a retardar o avanço. É muito conhecida a expressão “homem cordial”, atribuída por Sérgio Buarque de Holanda ao brasileiro, e frequentemente mal compreendida.
Abaixo, reproduzo a introdução do grande Antonio Candido, em 1967 – “O significado de “Raízes do Brasil”, introduzindo a obra do igualmente grande autor citado acima (Companhia das Letras, 1995). Note-se a atualidade da obra, publicada em 1936, num Brasil recém-saído dos embroglios da Revolução de 30, e do país puramente agrário e oligárquico, às vésperas do Estado Novo. E nos ajuda a entender o momento por que passamos. Sobretudo a questão do individualismo patológico.
“E a essa altura, Sérgio Buarque de Holanda emprega, penso que pela primeira vez no Brasil, os conceitos de “patrimonialismo” e “burocracia”, devidos a Max Weber, a fim de elucidar o problema e dar um fundamento sociológico à caracterização do “homem cordial”, expressão tomada a Ribeiro Couto.
O “homem cordial” não pressupõe bondade, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem aos ritualismos da polidez. O “homem cordial” é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem da posição e da função do indivíduo, e não da sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários.
(…)
“Ao que se poderia chamar “mentalidade cordial” estão ligados vários traços importantes, como a sociabilidade apenas aparente, que na verdade não se impõe ao indivíduo e não exerce efeito positivo na estruturação de uma ordem coletiva. Decorre deste fato o individualismo, que aparece aqui focalizado de outro ângulo e se manifesta como relutância em face da lei que o contrarie. Ligada a ele, a falta de capacidade para aplicar-se a um objetivo exterior.”.
Basta olhar o conteúdo extenso das “redes sociais”, o trânsito, os estádios de futebol, as filas de espetáculo, quando não o próprio espetáculo para atestar o quanto Sérgio Buarque anteviu.
O grande Stefan Zweig, em dimensão oposta, mais ou menos na mesma época, intitulou um livro “Brasil, o país do futuro”, supondo imediato, creio. Quanto a isso, tenho o pessimismo da razão e o otimismo da vontade, como se atribui a Gramsci dizer.
* Advogado ([email protected])