Artigo: QUANTO MENOS DEUS, MAIS DROGA!
Dom Jacinto Bergmann
Preocupa e ocupa sempre mais a difusão das drogas. O que fazer? Talvez o primeiro passo seja entender melhor o “fenômeno das drogas”.
O tráfico de drogas é uma patologia social de dimensões internacionais, que envolve milhões de usuários e move bilhões de dinheiro. É um “flagelo”, uma “mancha de óleo que invade tudo”, como declaram os Bispos da América Latina e Caribe, no Documento de Aparecida. A devastação em vidas e esperanças, produzida pela droga, atinge as duas pontas de sua rede infernal: os consumidores e os fornecedores. A droga assedia especialmente os jovens, de modo que qualquer deles é visto hoje como seu cliente potencial.
A sociedade pós-moderna se seda com facilidade. Abusa-se do consumo de psicotrópicos, que, ainda que não afetem o cérebro, criam dependências. O uso de drogas lícitas, especialmente analgésicos, tornou-se um fenômeno difuso, generalizado.
A droga é um índice evidente do “mal de viver” que assedia a nossa sociedade contemporânea. Enquanto aniquila conjuntamente corpo e mente, a droga tornou-se hoje o símbolo light do “niilismo ativo”. Na vã tentativa de preencher o vazio voraz de sentido, um mundo dessignificado se enche de drogas e assim se destrói.
Contudo, não é isso que se busca com a droga, mas a “vida”, embora ilusoriamente. Pois, se a vida é “uma droga”, nada parece mais eficaz que a droga para suportar essa vida e, quem sabe, até transfigurá-la. No fundo, a devastação da droga tem uma raiz espiritual: uma alma devastada pelo absurdo, que ela, porém, deseja superar, mas de modo contraproducente. Quanto menos Deus, mais droga!
O êxtase beatifico da alma, que no passado custava penosos esforços ascéticos e longos percursos místicos, ter-se-ia tornado agora acessível de um golpe: bastariam poucas gramas de tóxico. Essas tilintam diante do homem entediado e deprimido as chaves do paraíso.
Enfim, a felicidade à mão: é a grande ilusão de quem corre atrás da droga. Os alucinógenos aparecem assim como os sucedâneos mais acessíveis e sedutores de experiência religiosa. Nas palavras do grande Papa conciliar, Paulo VI, aí “algo substitui Alguém”. No mundo tedioso e sem graça, a droga oferece uma saída encantada. Parecendo negar o absurdo da vida, ela o faz, de fato, da maneira mais ilusória e, finalmente, mais destrutiva possível. Em verdade, os “paraísos enganosos da droga” concedem uma beatitude tão vazia quanto o vazio que pretendem compensar. Pior: a droga transforma as visões do paraíso em visões infernais, desembocando no pavor da morte.
O filósofo Karl Marx esperava que, superada a religião como ópio, lhe sucedesse o compromisso de mudar o mundo. Mas o que veio foi algo de totalmente diferente e pior: o ópio feito religião. Já se sabia da degradação moderna da mística em política. Agora, temos uma degradação pior: a droga feita mística.
Não passaram, ultimamente, intelectuais temerários que legitimaram e exaltaram o poder estático-religioso da droga. Esses “iluminados” não viram que o êxtase propiciado pelos psicotrópicos não passa de uma experiência puramente bioquímica; que sua transcendência é puramente fantástica e seu paraíso, um paraíso psicodélico. Confundiram miseravelmente êxtase químico e êxtase místico, imaginação e transcendência, em suma, psique e espírito.
Aquele que, pelos alucinógenos, pensa se encontrar com Deus, encontra-se de fato consigo mesmo e com sua imagem induzida e alterada. Portanto, droga e religião são realidades de ordens toto coelo diversas, entre as quais só pode haver uma relação de analogia paradoxal. É como confessava um jovem ex-drogado, voltando à fé: “Troquei a droga falsa pela verdadeira: a Eucaristia”.