Artigo: RELIGIÃO E O SENTIDO DA VIDA
Por Dom Jacinto Bergmann, Arcebispo Metropolitano da Igreja Católica de Pelotas
As religiões, por serem as vias de acesso ao Transcendente, são as “instituições do sentido” por excelência. O sentido da vida é sua especialidade, como se exprimiu Jacques Lacan, numa entrevista coletiva: “No que concerne ao sentido, eles (os religiosos) conhecem um bocado. São capazes de dar um sentido realmente a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por exemplo. São formados nisso. Desde o começo tudo que é religião consiste em dar um sentido às coisas”.
Assim o sentido das religiões é dar sentido à vida. Mas elas só o fazem na medida em que elevam a pessoa humana a Deus, pois tal é a primeira e fundamental função da religião. Se, depois, ela confere também sentido, isso acontece apenas indiretamente e como por efeito, mostrando aí, que a “questão Deus” é, em si mesma, prioritária sobre a “questão sentido “. O sentido, fruto que é da fé religiosa, serve de critério para verificar até que ponto uma religião é viva, verdadeira e fecunda. De fato, quando uma religião falha na tarefa de comunicar sentido, reduz-se à mera instituição social, perdendo o interesse das pessoas e a relevância na história. Se quiser recuperar sua função e, daí, sua credibilidade, precisa se renovar, reconectando-se com a questão decisiva do destino último do ser humano que a religião, em sua linguagem, chama de “salvação”. É, pois, da problemática humana mais fundamental que ela tem que partir, se quiser inserir na história a proposta religiosa de sentido.
A “volta da religião” que vivemos na civilização pós-moderna, é um dos fenômenos mais marcantes e ao mesmo tempo mais surpreendentes de nosso tempo. A novidade desse fenômeno não é tanto que a religião volta ao âmbito pessoal e social, depois de seu presumido desaparecimento. Mas, antes, que ela assume novas formas de expressão, ganhe visibilidade pública e se torne objeto de um novo interesse por parte de todos, particularmente, das classes pensantes. Essas, pelo fato de sua opção moderna racionalista, acabaram num estado de profundo depauperamento espiritual. Sentem-se agora sufocados no horizonte do mundo e querem ganhar altura, ou seja, transcender. Mas para onde?
Não se trata de uma “volta religiosa”, estabelecendo um “fundamentalismo”: processo de afirmação identitária de tipo hard; nem criando uma nebulosa mística-esotérica: forma soft de religião, ao contrário da primeira. Trata-se, sim, das “grandes Religiões” em vias de renovação para o essencial.
Os dois primeiros processos representam posições extremas, diametralmente opostos, colocando-se o terceiro numa posição média, enquanto busca conservar o essencial de sua mensagem para o sentido da vida e, ao mesmo tempo, mudar suas formas históricas de expressão.
Que os processos da “volta da religião” não encontrem a entrada da porta do cristianismo, guardião da única proposta capaz de derrotar totalmente o niilismo, é uma questão que, em parte, o próprio cristianismo é e será chamado a responder.
Como cristão que sou, e, comigo tantos outros que se professam cristãos, nós acreditamos que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus encarnado na história, veio para que Nele todas as portas para o sentido da vida se tornem realidade: Ele é o Caminho certo, a Verdade segura e a Vida plena. Sentido à vida não é ter esse Caminho, essa Verdade e essa Vida para o aqui – imanência e para o depois – transcendência?