B.B. King e Lupicínio Rodrigues: Dois mundos que se encontram na música e na dignidade
O que une esses dois mundos tão distintos não é apenas a música, mas a coragem de enfrentar sistemas que os marginalizavam
Marcelo Gonzales*
@celogonzales @vidadevinil
Hoje, 16 de setembro, é daqueles dias que nos fazem perceber como a música consegue atravessar fronteiras e tocar as dores e vitórias da humanidade. Nascidos praticamente na mesma época, B.B. King, em 1925 nos Estados Unidos, e Lupicínio Rodrigues, em 1914 no Brasil, esses dois gigantes carregaram suas histórias e suas lutas para dentro das canções, cada um à sua maneira, mas com um ponto em comum: a força de se expressar diante das adversidades.
B.B. King, o “Rei do Blues”, transformou a dor em nota, a injustiça em melodia. Cresceu em meio ao racismo institucionalizado do sul dos EUA, onde cada acorde era mais que música, era resistência. Seu estilo, marcado por bends expressivos na guitarra e um phrasing vocal que parecia conversar com a alma, refletia não apenas talento, mas a experiência de um povo que precisava encontrar voz e dignidade mesmo quando a sociedade tentava calá-lo.
Lupicínio Rodrigues, por sua vez, trouxe para o Brasil o samba-canção com uma honestidade crua e emocionante. Suas composições, muitas vezes sobre desilusões amorosas, carregavam um pano de fundo social e humano: a vida de um país em transformação, marcada por desigualdades, mas também por paixões profundas e verdadeiras. A sua “dor de amor”, longe de ser frágil ou piegas, é quase um espelho da resistência de B.B. King, cada melodia, cada letra, uma afirmação de existência e sensibilidade.
O que une esses dois mundos tão distintos não é apenas a música, mas a coragem de enfrentar sistemas que os marginalizavam. B.B. King enfrentou o racismo estrutural nos palcos e nos bastidores, enquanto Lupicínio enfrentou a indiferença de uma sociedade que, muitas vezes, só reconhecia a tristeza como espetáculo. Ambos, com seus instrumentos, a guitarra e a palavra, transformaram dor em arte e dor em dignidade.
E não é coincidência que ambos tenham partido deixando legados eternos. B.B. King faleceu em 14 de maio de 2015, aos 89 anos, enquanto Lupicínio Rodrigues nos deixou em 27 de agosto de 1974, aos 59. Em cada despedida, o silêncio que deixaram é preenchido pelo eco de suas vozes, que continuam a falar de resistência, humanidade e beleza. O contraste entre as datas não diminui a proximidade das histórias: um nasceu no calor da segregação americana, outro no coração de um Brasil desigual, mas ambos mostraram que a música é um ato de coragem e um registro de luta justa.
B.B. King e Lupicínio Rodrigues nos lembram que os estilos podem ser distintos, blues e samba-canção, mas a dignidade da luta, a força da emoção e a capacidade de transformar a dor em arte são universais. Em cada nota, em cada verso, eles nos convidam a ouvir, sentir e reconhecer que a música, afinal, é um terreno onde a humanidade se encontra, mesmo quando os mundos parecem distantes.
*Marcelo Gonzales vive entre discos de vinil e muita mídia física, sempre atento à música, à cultura e ao jornalismo, compartilhando histórias que conectam gerações.







