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sábado, 23 de novembro de 2024

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Coluna de Cinema – Edição 05

Coluna de Cinema – Edição 05
25 outubro
16:31 2024

Sorria 2: o horror que ri por último

Lançado em 2022, o thriller de horror “Sorria” foi uma das boas surpresas da temporada no gênero que costuma repetir fórmulas, sem grandes novidades. Encontrou ressonância entre o público, que garantiu boas bilheterias em todo o mundo, e também junto à crítica, merecendo de modo geral resenhas positivas. Por ser aquele um ano ainda marcado pelos efeitos da quarentena pandêmica, o filme dirigido por Parker Finn foi considerado por muita gente uma analogia ao pânico vivido naquele momento pela ameaça de contaminação da Covid. A relação, neste caso, ainda que possível, foi meramente incidental e involuntária, pois o conceito do longa-metragem é uma expansão do tema já desenvolvido em 2019 (portanto, anterior à pandemia mundial) no curta-metragem de 11 minutos Laura Hasn’t Slept, (“Laura não dormiu”) do próprio Parker Finn, lançado apenas no fatídico ano de 2020, no qual o primeiro Sorria foi inspirado.

Para evitar uma semelhança com a ideia central de “A Hora do Pesadelo”, onde o vilão Freddy Kruger surge somente durante os sonhos, a proposta original que deu origem à “Sorria” foi alterada. Desta vez o Mal surge em alucinações e delírios despertos, não dependendo dos sonhos dos infectados pela maldição apresentada no primeiro filme. O sinal da contaminação, como já sabemos, está na cara: um largo, assustador e inusitado sorriso estampado na face.

Há uma curiosa e esperta ligação simbólica que “contamina” todos os filmes. A personagem central do curta-metragem reaparece no primeiro longa-metragem como a paciente zero que se consulta com a doutora protagonista. Para dar continuidade na saga, um dos personagens finais, testemunha da maldição no primeiro filme, ressurge desta vez no impactante prólogo que abre este “Sorria 2” (Smile 2, 2024), ainda sob a direção de Parker Finn.

A “contaminação”, vale relembrar para os desavisados, ocorre quando a vítima é testemunha do suicídio de alguém (já contaminado). Após a morte consumada o “Mal” passa a habitar o novo corpo, como um parasita que invade um hospedeiro. A partir de então a nova vítima contaminada passa a ter alucinações, enxergando sorrisos macabros em rostos de familiares ou conhecidos, até que, em um delírio extremo de loucura, acaba cometendo suicídio, em frente a alguém que passa então a ser o novo hospedeiro da maldição de origem sobrenatural.

Em “Sorria 2” a vítima da vez é a cantora pop Skye Riley (a ótima Naomi Scott), que está retomando a carreira após um trágico acidente ocorrido um ano atrás. Ao testemunhar o pavoroso suicídio de um fornecedor de drogas, Skye incorpora a “entidade maligna” e passa a viver momentos perturbadores, com alucinações e delírios. Sem distinguir o que é real do que é perturbação mental, a jovem cantora enfrenta seus fantasmas internos em busca de respostas antes de chegar ao limite da insanidade e consequente morte.

A pressão da fama, os compromissos de agenda e a constante necessidade de superar limites no universo competitivo do mundo artístico já são razões suficientes para exigir o máximo da saúde física e mental de Skye, ainda em recuperação do acidente sofrido. Os primeiros sinais da manifestação do Mal que tomou conta de seu corpo inicialmente foram atribuídos às exigências estressantes da sua atividade profissional. Mas logo a coisas fogem do controle. Há algo mais profundo e perturbador tomando o controle da sua vida.

“Sorria 2” faz uma mistura bem temperada que reúne terror, gore, suspense psicológico e slasher, transitando por todos os estilos com a habilidade reconhecida do realizador Parker Finn. Ainda assim, o filme por vezes comete o pecado da utilização pouco inspirada da técnica do jump scare (o famoso susto repentino), um truque um tanto clichê que costuma ser uma cilada quando utilizado em demasia ou de forma gratuita. Aqui ficamos no limite do tolerável para uma produção que demonstra uma clara intenção de buscar renovação do gênero com a inserção de elementos psicológicos.

O filme apresenta situações e momentos realmente perturbadores na espiral de loucura, que transforma a vida de Skye em uma jornada rumo à insanidade suicida. Os conflitos interiores manifestados pela protagonista conduzem a narrativa para uma abordagem de temas complexos como traumas, culpas e vivência do luto, por um passado que ainda assombra seu presente.

Contribui decisivamente para a verossimilhança deste sombrio mergulho vertiginoso rumo à mais completa alucinação o desempenho realmente diferenciado da atriz protagonista, Naomi Scott. Sua entrega ao papel é intensa, transmitindo com vigor toda a angústia da cantora pop assombrada por delírios persecutórios. De origem britânica, Naomi é conhecida pelo papel da princesa Jasmine em “Aladdin”, a versão live-action dirigida por Guy Ritchie em 2019, protagonizada por Will Smith no papel-título. Além de mostrar sua capacidade de atuação, em “Sorria 2” a atriz também teve oportunidade de exibir seu talento no canto e na dança em alguns números musicais ao longo da trama (não, o filme não é musical!), cujo estilo das canções e interpretação lembram a performance teatral de Lady Gaga.

Frequentemente nos deparamos nas redes sociais com memes e listagens que apontam sequências de filmes que superam o original. “O Exterminador do Futuro 2” e “Star Wars – O Império Contra-Ataca” são dois exemplos sempre lembrados. Pois então, no gênero horror surgiu um novo postulante a este título. “Sorria 2” supera o “Sorria” original, que, a propósito, é um bom filme. Nesta continuação foi expandido o conceito original introduzindo novas camadas, sem a necessidade de dar explicações sobre a origem do fenômeno. A experiência aterradora da vítima é a grande matéria prima trabalhada por Parker Finn com apuro técnico e visual caprichado. “Sorria 2” é um horror que dialoga com a inteligência e a sensibilidade do público, que sai da sala de exibição com um sorriso no rosto. Não por estarem “contaminados”, mas pelo prazer de assistir um filme de horror que não deixa ninguém indiferente.

Jorge Ghiorzi

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