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Coluna de Cinema – Edição 24

Coluna de Cinema – Edição 24
21 março
15:50 2025

Mickey 17: futuro sombrio

Bong Joon-ho, o aclamado cineasta sul-coreano que conquistou o mundo com Parasita (2019), filme vencedor do Oscar de Melhor Filme e Melhor Diretor, é conhecido por sua capacidade de mesclar gêneros e criticar de forma incisiva as estruturas sociais e políticas. Seus filmes, como O Hospedeiro (2006), Expresso do Amanhã (2013) e Okja (2015), são marcados por uma visão pessimista e satírica da humanidade, frequentemente explorando temas como desigualdade, exploração e o colapso moral sob o capitalismo. Com Mickey 17 Bong retorna ao território da ficção científica, adaptando o romance “Mickey7” (2022) de Edward Ashton. No entanto, embora o filme mantenha elementos da assinatura do diretor, ele luta para equilibrar suas ambições narrativas e temáticas.

Mickey 17 se passa em um futuro sombrio, onde a humanidade busca colonizar planetas distantes para escapar de uma Terra em colapso. O protagonista, Mickey (Robert Pattinson), é um “recrutável”, um indivíduo descartável cuja função é realizar tarefas perigosas em uma colônia alienígena. Graças a uma tecnologia de clonagem, cada vez que Mickey morre, uma nova versão é criada com suas memórias intactas. No entanto, quando Mickey 17 descobre que seu predecessor, Mickey 16, ainda está vivo, ele se vê em uma crise existencial e moral, questionando o valor da vida humana em um sistema que trata indivíduos como peças substituíveis.

A mudança na data de lançamento de Mickey 17, inicialmente prevista para março de 2024, gerou especulações sobre possíveis problemas na produção. Embora o filme não atinja o nível elevado de Parasita, ele ainda é uma experiência divertida e visualmente impressionante. No entanto, suas ambições frequentemente se chocam, resultando em um filme que, embora tenha momentos brilhantes, não consegue sustentar seu impacto inicial.

O design de produção é um dos pontos altos do filme. As cenas na Terra, particularmente no prédio de recrutamento do projeto de colonização, evocam a estética clássica de Metropolis (1927), de Fritz Lang, com sua arquitetura grandiosa e opressiva. Esses visuais ajudam a estabelecer o tom de uma sociedade desumanizada, onde o indivíduo é sacrificado em prol do progresso coletivo.

No entanto, o filme perde o foco quando tenta equilibrar suas múltiplas camadas temáticas. A sátira política, a crítica à mentalidade de culto e a alegoria sobre colonização são apresentadas de forma tão pesada que acabam sufocando a narrativa. Em vez de permitir que o espectador reflita sobre essas questões, o filme parece gritar suas mensagens, perdendo a sutileza que poderia torná-las mais impactantes. A comédia trágica sobre o valor da vida humana, que é o cerne da história, acaba sendo ofuscada por subtramas desnecessárias, como um triângulo amoroso, conflitos com agiotas e amizades rompidas. Esses elementos, embora interessantes, distraem do núcleo emocional e filosófico do filme.

Bong Joon-ho é um cineasta visionário, e há momentos em Mickey 17 que lembram por que ele é tão reverenciado. Sua visão pessimista do futuro da humanidade está presente, assim como sua habilidade de criar piadas amargas e situações absurdas que refletem a absurdidade do mundo real. No entanto, o enredo excessiva e desnecessariamente intrincado e a falta de foco impedem que o filme atinja todo o seu potencial. Em vez de uma declaração forte sobre o valor da vida ou os perigos do capitalismo desenfreado, Mickey 17 acaba sendo uma sátira suave, que não é suficientemente engraçada, comovente ou afiada como desejava ser.

Mickey 17 é um filme que promete muito, mas entrega apenas parcialmente. Embora tenha momentos de brilhantismo visual e narrativo, ele não consegue equilibrar suas múltiplas ambições. Para os fãs de Bong Joon-ho, o filme oferece uma visão fascinante de seu universo distópico, mas não alcança a profundidade e o impacto de seus trabalhos anteriores. Apesar de apresentar diversos méritos em suas partes, na soma final Mickey 17 deixa a sensação de que poderia ter sido muito mais.

Jorge Ghiorzi

jghiorzi@gmail.com

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