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Encontro levanta polêmica acerca do uso excessivo de estatina

Encontro levanta polêmica acerca do uso excessivo de estatina
28 setembro
14:44 2013

Sociedade Brasileira de Cardiologia aumentou o rigor do controle do colesterol. Novos parâmetros reduzem de 100 para 70 miligramas por decilitro o limite considerado saudável de LDL

 

As novas diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) para o tratamento de colesterol – que entraram em vigor no sábado (28) durante o 68º Congresso Brasileiro de Cardiologia, no Riocentro – alimentam uma polêmica acerca da melhor forma de tratamento. Os novos parâmetros reduzem para 70 miligramas por decilitro o limite considerado saudável de colesterol ruim (LDL) para pacientes com alto risco de doenças cardiovasculares (os que apresentam histórico familiar ou são fumantes, por exemplo). Até então, esta taxa era de 100 miligramas.

Parte dos especialistas acredita que a norma aumentará o uso de remédios, sobretudo de estatina. O problema é que há efeitos colaterais associados à droga, explica Claudio Gil Araújo, diretor da Clínica de Medicina do Exercício. Ele cita um artigo publicado em setembro no periódico “Current Opinion in Cardiology” no qual os pesquisadores relataram aumento de 18% da incidência de diabetes em pessoas que usaram a estatina. Por outro lado, médicos que defendem as mudanças propostas pela SBC ressaltam que o medicamento é a maneira mais eficaz de preservar vidas nos casos críticos. Apenas no Brasil há 344 mil mortes evitáveis a cada ano por doenças cardiovasculares, informa a Sociedade Brasileira de Cardiologia.

– As doenças cardiovasculares continuam sendo uma preocupação, as pessoas morrem de doenças coronarianas – afirma Araújo. – A abordagem mais lógica é tentar prevenir. Existem várias estratégias para isto, geralmente controlando os fatores de risco coronariano, como colesterol alto, pressão arterial, tabagismo, sedentarismo e história familiar. Infelizmente, o empenho maior tem sido nas questões que levam à medicação, em vez de mudança de etilo de vida. Já há propaganda de chicletes com estatina direcionada às crianças. Isto segue a lógica: já que é gorda, vamos dar estatina. Mas a gordura pode ser revertida, especialmente em crianças.

Outros problemas relacionados à estatina são as dores musculares, que acometem cerca de 5% dos pacientes, de acordo com Araújo. A lista de efeitos colaterais também inclui problemas hepáticos e interferência na ação da mitocôndria, responsável por gerar a energia das células.

– Quando uma pessoa toma estatina pode ter suas atividades físicas prejudicadas – comenta Araújo. – Neste caso, o paciente não treina mais porque toma estatina. Por não treinar precisa de mais estatina. O medicamento alimenta outra lógica perversa. As pessoas pensam que podem comer uma picanha porque estão tomando o medicamento, e tendem a ficar menos cuidadosas com a dieta e com os exercícios. Isto é uma inversão.

Para Nelson Souza e Silva, professor titular de cardiologia da UFRJ, o uso abusivo de medicamentos, como a estatina, é um problema mundial. De acordo com ele, muitas pessoas acabam cobrando dos médicos uma medicação, quando, muitas vezes, a orientação teria resultados mais efetivos.

– Nos EUA, 7% dos atendimentos de emergência são associados a efeitos colaterais de drogas. É uma incidência altíssima – comenta Souza e Silva. – A droga só deve ser usada quando realmente for necessária. Fora disso, as condições de vida são muito mais importantes do que qualquer outra coisa. Isto não significa que eu seja contrário aos medicamentos. Eu os receito aos meus pacientes, mas dentro de um comportamento conservador, principalmente se forem remédios novos.

O congresso no Riocentro também enfocou a importância do estilo de vida saudável para prevenir as doenças coronárias, conforme o cardiologista Roberto Esporcatte, que presidiu o evento. Entretanto, ele minimiza os efeitos colaterais associados à estatina, e defende o medicamento.

– Nos últimos 15 anos, o desenvolvimento das estatinas fez com que a medicação ficasse com mais potência e menos efeitos colaterais – diz. – Observamos um percentual baixo de cansaço ou alteração dos músculos, eventualmente ocorre algo sobre o fígado.

Já o presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC, Hermes Xavier, é ainda mais enfático. Ele é o editor da nova diretriz, que aumenta o rigor do controle do colesterol, e acaba por elevar o número de casos nos quais o medicamento é recomendado:

– Perdemos tempo com esta discussão. Existem resultados incontestes sobre o uso das estatinas, que mudaram a história do combate à doença coronária. Há benefícios comprovados em todos os subgrupos de pacientes, desde a prevenção primária até o tratamento após o infarto. Sempre tentam falar de problemas colaterais associados à estatina. Primeiro foi a cegueira, mas caiu por terra. Depois, o câncer, tudo contestado com o tempo. Agora, fala-se em diabetes. Argumentam interesses patrocinados pelos laboratórios, mas a estatina é oferecida gratuitamente em muitos estados.

Para refutar as críticas contra as estatinas, Xavier também cita pesquisas. Uma delas, feita com 170 mil pacientes, mostrou um acréscimo de 9% do diabetes. O problema, entretanto, estaria mais relacionado ao perfil dos pacientes, em geral obesos, sedentários e tabagistas, do que à droga, afirma.

– Estes pacientes eram obesos, tinham idade média de 63 anos, 70% apresentavam hipertensão, 16% eram fumantes, 40% tinham síndrome metabólica. Então, naturalmente iriam desenvolver diabetes. Ou seja, temos que ir devagar com esta análise. O mesmo pode ser dito em relação ao câncer. Quem vive mais terá mais câncer. Mas, se esta pessoa morrer de infarto aos 40 anos, não.

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