ESPIRITISMO: O preconceito é forma de dominação
A legislação contribui mas os preconceitos serão superados através da educação. Observação do promotor José Olavo Passos
►Por Carlos Cogoy
Na sala de espera do consultório médico, quatro poltronas estão colocadas. Numa delas, acomoda-se jovem indiano. Casal e a filha chegam para consulta, e ocupam as outras poltronas. A menina senta-se ao lado do desconhecido. A mãe observa o jovem e, num olhar de reprovação à filha, chama a menina para o seu lado. Uma poltrona permanece vaga ao lado do indiano. Enquanto aguardam pelo atendimento, persiste o silêncio na sala. A família então é chamada para entrar, e o trio é recebido pelo médico. Eles demonstram satisfação e cumprimentam. Logo após, o médico convida ao indiano para que entre na sala. A família não entende e se retrai. O jovem também, constrangido, mantém-se inibido. O médico então apresenta o jovem, como o doador de medula que salvou a menina. Teor do vídeo exibido na programação de encerramento da sétima edição do projeto “Luz para todos” no Centro Espírita Jesus – Praça José Bonifácio 52. O vídeo foi apresentado pelo promotor José Olavo Passos, e integrou sua palestra “Preconceito e a exclusão social”. Neste ano, a temática do “Luz para Todos”, abordou sobre “Preconceitos”.
PRECONCEITO – Descontraído, promotor José Olavo foi elencando episódios que denotam preconceito e discriminação. Ele discorreu sobre o preconceito de gênero, orientação sexual, étnico, status social e religioso. Conforme salientou, o “preconceito não tem idade, e está presente no adolescente, jovem, adulto e velho. Todos temos preconceitos, ou então poderíamos dizer para Deus: por que vim para cá? O bom espírito não é aquele que não tem preconceito, mas o que sempre está tentando melhorar”.
EDUCAÇÃO – O palestrante mencionou episódio da telenovela “Que rei sou eu?”. Conforme explanou, o rei é comunicado sobre a fome que se intensifica entre os súditos. Consultando conselheiro, houve sugestão para o combate à fome. A ideia é a edição de decreto. Com isso, é divulgado decreto que estabelece: “Não tem mais fome no reino”. A alegoria exemplifica o quanto a legislação é restrita, diante das urgências e complexidades do cotidiano. “A legislação não vai acabar com o preconceito, somente com educação é possível superar. Ao professor é fundamental que dedique alguns minutos na sala de aula, e aborde sobre os preconceitos”, disse o promotor.
ETNIA – Trabalho acadêmico na área da assistência social no Rio de Janeiro, narrou sobre racismo. Conforme o palestrante, uma “madame que estava na praia, começou a gritar alegando que havia sido furtada. Jovem negro que descia do morro, de imediato foi apontado pela vítima como autor. Agredido, foi praticamente linchado. Numa entrevista sobre o caso, delegado expressou: ‘Pau que nasce torto, morre torto'”. O fato, de acordo com José Olavo, tanto exemplifica o “preconceito racial, mais odioso de todos”, quanto o despreparo no setor público, que reproduz as tolices do senso comum. Outra questão mencionada, ocorreu no Ministério Público. Senhora que aguardava atendimento foi tratada como “afro-descendente” pelo servidor. Ela sentiu-se ofendida, alegou preconceito racial, e ingressou com ação civil. Para o promotor, o funcionário não agiu errado, mas as relações dependem também de bom senso. E observou que, se o tratamento fosse “negra”, talvez pudesse soar como exacerbado. O palestrante refletiu que o preconceito acontece quando implica em restrição, repulsa e rejeição. “Sentimentos de desgosto e repúdio, não são aceitáveis, mas nem tudo é manifestação de preconceito”, salientou.
LEGISLAÇÃO – Há menos de duzentos, a escravidão era oficial no Brasil. O Rio Grande do Sul foi o Estado mais violento em relação aos escravos. No Nordeste, o escravo que fugia e era capturado, vinha para atividade no local mais temido: charqueadas de Pelotas. Na dor das chibatadas, era adicionado sal para agravar o sofrimento. Em fase recente, num anúncio, família de elite pelotense colocou: “Precisa-se de empregado, branco…”. Houve processo e a alegação dos envolvidos, é que ocorreu erro de português. As situações foram mencionadas pelo promotor, que ressaltou a necessidade de etapas jurídicas. E exemplificou com a realidade norte-americana. Nos Estados do sul, negros e brancos não dividiam a mesma calçada, nem frequentavam os mesmos restaurantes e universidades. Somente com o estabelecimento de cotas, é que foi sendo estimulado o convívio. No Brasil, a política de cotas garante vagas e contribui para minorar a falta de acesso à formação superior. Uma questão, pontuou o palestrante, é como determinar quem é negro. Nos EUA, a quantidade de melanina é o que define. Mas no Brasil, opinou, se for realizada árvore genealógica, percentual elevado pode ser considerado como negro. No concurso da FAU, candidato branco alegou ser negro. Mas foi impugnada sua pretensão de acesso à cota – prevista em concurso. Conforme o promotor, o “caso está em juízo”.
MULHER – Por que a mulher não tem frieira? Porque os pés permanecem aquecidos sob o fogão. A brincadeira foi mencionada na palestra, para ilustrar o preconceito de gênero. O sistema patriarcal demarcou privilégios. A exemplo, mencionou o promotor, anúncio dos anos cinquenta que indicava à mulher, manter-se receptiva ao marido que chegasse tarde em casa. Em relação à família, durante bom tempo prevaleceu a designação “pátrio poder”. Assim, em caso de controvérsia em relação ao filho, a decisão caberia ao pai. Atualmente a decisão cabe ao juiz. De acordo com José Olavo, o sentimento de superioridade do homem, não se impôs pelo verbo mas pela força física. Outro aspecto é o econômico pois a mulher, em muitas atividades profissionais, embora exercendo a mesma função, ainda recebe salário inferior ao homem. “A mulher é mais sentimental e também mais inteligente, pois estabelece mais sinapses entre os hemisférios do cérebro. Como é cuidadosa quando vai reagir, a mulher é mais lenta ao pensar sobre a melhor decisão. Daí o homem é mais rápido, grita, e consegue se impor. Mas na vida primitiva, ao homem cabia o empenho na caça e o combate na guerra. À mulher, o comando da tribo, com a organização e julgamento. Mesmo assim, homem determinou superioridade através do físico” disse José Olavo.
HOMOSSEXUALIDADE – José Olavo ainda guarda carta de advogado, que o criticou sobre decisão favorável à adoção de criança por casal de homossexuais. Entre as menções, ameaça insinuando que o promotor seria “punido pela religião”. Ele acrescentou: “É forte o preconceito com o homossexual. Está entranhado e é violento. No Judiciário, o conservadorismo é gigantesco. Em determinadas instâncias, casos como adoção, são indeferidos por mero preconceito. Num País que se diz laico, curiosamente acontece resistência a qualquer alternação que fira dogmas religiosos. Ora, se o homossexual fere princípios cristãos, então irá para o inferno?”, ironizou.
SATANÁS – O preconceito acontece em todas as classes sociais. Num caso, negro levou em casa a namorada branca. Dos familiares, ouviu que era absurdo chegar com a “loirosa na residência da família”. Apóstolos questionaram Jesus devido à proximidade com Zaqueu, homem rico da época. No entanto, observou José Olavo, Zaqueu a muitos ajudava com o seu dinheiro. E essa, mencionou, é a responsabilidade do rico, o que faz com a fortuna. O promotor também comentou sobre aluna no curso de direito que, descontente com a turma de colegas, afirmou que eles estariam “movidos por Satanás”. Ora, Satanás é uma imagem de quadro da idade média, cuja figura do mal era representada por “chifrudo”. E o promotor concluiu observando que, subjugando vítimas, o “preconceito é forma de dominação”.