Diário da Manhã

segunda, 29 de abril de 2024

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Exemplo e desafio na “Jornada cultural”

09 dezembro
18:03 2013
Escritora Loiva Hartmann

Escritora Loiva Hartmann

Sábado às 20h na Academia Pelotense de Letras – Parque Dom Antônio Zattera 500 -, posse de Loiva Hartmann. Professora estadual, universitária, pesquisadora, ensaísta, cronista e poetisa, ela será empossada na cadeira 34, cujo patrono é Mozart Victor Russomano. Como paraninfo, escritor Sérgio Cruz Lima. Na trajetória de Loiva Hartmann, destaque à Jornada Cultural. A iniciativa visava aproximar autores e leitores, instigando a leitura. Ao DM, ela concedeu a entrevista:

P – Em Pelotas sua contribuição marcante foi a Jornada, quantas edições, em quais anos?

R – Foram oito jornadas: seis com autores de postura internacional: Luis Antonio de Assis Brasil, Moacyr Scliar, Lygia Bojunga e Mara Rösler, Lya Luft e novamente o Luis Antonio de Assis Brasil, Mozart Russomano, Hilda Simões Costa, professor Wallney Hammes e outros. Em todas elas, as instituições culturais de Pelotas foram convidadas e participaram dos debates. O setor cultural , sem dúvida, foi revitalizado, o que era um dos objetivos. Houve duas jornadinhas, de grande comparecimento. De 2003 a 2008, trabalhou-se muito. De fato, a Jornada Cultural de Pelotas já era uma mini-empresa, com parceiros certos.

P –  Qual era o principal objetivo da Jornada, fomentar leitura na escola?

R – Revitalizar o setor cultural, incitar a sociedade a participar mais desse setor e, em particular, melhorar o nível de leitura e interpretação em todos os níveis do setor educacional. As boas escolas atestaram, por escrito, o grande significado desse movimento que, após troca de governo e, por conta de problemas de saúde, foi estacionando. Não digo acabou pois, com as pesquisas mostrando o desnível educacional brasileiro, em todos os Graus, tenho a esperança de que a Jornada ressurja com força. Passo Fundo é exemplo de que, com determinação e um bom projeto, tudo é possível. O projeto está aí.

P – A iniciativa foi inspirada em Passo Fundo. Pois bem, lá é sucesso e aqui por que não se consagrou, tornando-se periódica?

R – Não foi por causa de dinheiro. Todos os parceiros, já na primeira reunião, assumiram sua parte: recebiam o valor direto em seus e-mails e pagavam corretamente: pastas, almoços com convidados e autoridades, blocos, passeios pela cidade. Passagem do convidado especial era com a 5ª CRE. Menos para Lya Luft, que veio dirigindo seu carro! A hospedagem teve a colaboração do Hotel Manta, Cury Palace. Há bem mais detalhes, como alguns colegas da 5ª Coordenadoria que me auxiliavam nos dias de Jornada. E o apoio incondicional da então Coordenadora, Zoila Mendes. Após a gestão da prof.ª Zoila, houve uma grande Jornada, na qual estiveram Luis Antonio de Assis Brasil, e, nossa expressão cultural maior, Dr. Mozart Victor Russomano. Ele compareceu com grande dificuldade, acompanhado de seu médico, enfermeiro e familiares. Foi o último evento público a que compareceu, dando-nos exemplo inigualável de determinação, dedicação à cultura e competência. Quem dera houvesse 1% dessa determinação entre educadores e alunos. Nossa realidade seria outra. Havia também os cinegrafistas da querida UCPEL e dois particulares. Estes últimos eu pagava. E muitas corridas para conseguir os apoios também eram por minha conta. Mas valeu!

P – Quem foram os principais parceiros ao projeto da Jornada em Pelotas?

R – Renata Schlee comparecia de início pela Atlântico Sul e depois Anhanguera. Parceiros perfeitos. A então Insight enviava o preço das mil pastas, geralmente, direto a ela. A CDL, de início fornecia sessenta almoços. Nunca abusamos, usando todos. O Colégio São José pagando os lay outs e xerox das capas dos DVDs. A Câmara de Vereadores, aprovando o projeto e, também, as cidadanias para o Ir. Elvo Clemente, Luis Antonio de Assis Brasil e Lygia Bojunga (Cidadã Emérita). O CEFET, hoje IF-SUL, com mil blocos com o “logo” da Jornada. S. Francisco e Lucinda Ziebell, com condução e passeios pela cidade. Parceiros nota mil

P – A senhora reconhece que houve limitações, falhas, o que mudaria para dar certo?

R – A primeira grande falha foi não ter sido enviado o projeto à Secretaria da Educação. Assim, seria institucionalizado. A segunda, acredito, foi não haver sido formado um grupo de trabalho, além dos colaboradores. Ou seja: a institucionalização, a qual permitiria que pessoas fossem alocadas para esse fim. Falamos em Passo Fundo: lá, a UPF assumiu a jornada, estendendo-se à Prefeitura, Estado e federação. Alguém imagina isso por aqui? Mesmo com sérios problemas de saúde da mentora, prof.ª Tânia Rösing, lá o projeto avança cada vez mais, mantido por essas entidades e um precioso e dedicado grupo de trabalho, absolutamente independente de questões políticas. Orgulho-me de dizer que estive na 1ª Jornada de Passo Fundo. Não foi diferente da nossa. A nossa foi muito boa, em 2003, num lotadíssimo Auditório da Católica. Devemos muitíssimo à Católica e ao então Reitor Proença. Grande figura. E aos muito queridos prof. Hammes e prof.ª Clotilde Victória. Chamo-os de anjos da guarda das jornadas culturais.

P – Transcorridos alguns anos, será que a cidade já comportaria um grande evento dedicado à literatura?

R – Tenho a mais absoluta convicção disso. Mas, como disse, não pode ser sobre um único responsável. Todos, quero dizer todos: sociedade, setor educacional, instituições. Todos dividindo encargos. Ou o resultado será o mesmo: a exaustão do responsável. O prof. Hammes (falecido) e a prof.ª Clotilde Victória, me encaminharam, na época, correspondência com sugestões importantíssimas. Diversificar o projeto, envolvendo todas as artes e setores da cidade. Tais como audições musicais, passeios, visitas aos Casarões, teatro etc. Perfeito. Para que isso se concretize, voltamos ao início: formar um grupo institucionalizado de trabalho e ir, aos poucos, tornando a jornada estadual e federal. Paraty está fazendo isso! Uma cidadezinha de poucos mil habitantes. E nós?!

P – A senhora ainda mantém a motivação, estaria à frente de uma possível retomada da Jornada?

R – Nas condições acima citadas, sim! Emprestaria meu nome e conhecimento do assunto com a maior boa vontade, abençoando quem tivesse essa ousadia.

P – Para o ‘projeto’ ter identidade local, perfil legítimo, distinguindo-se da fórmula que deu certo em Passo Fundo, o que lhe parece que poderia ser oportuno, apropriado, necessário?

R – Pelotas não necessita copiar ninguém. O que temos aqui em matéria de cultura, ninguém mais tem. Talvez por isso sejamos tão acomodados. Alguém acha que Passo Fundo tem casarões, teatros seculares, é uma cidade plana ou que seus ancestrais fossem muito cultos? Não. O que têm é força de vontade de avançar em todos os sentidos. E eu garanto: irão muito mais longe. Talvez o grande problema de Pelotas seja aquele que o prof. Augusto Fischer sinalizou em palestra no Instituto João Simões Lopes Neto. Ele disse: Um homem guardava dois cestos. Um com tampa, o outro sem. O visitante chegando, perguntou: por que esse tem tampa e o outro não? A resposta veio prontamente: o sem tampa é de caranguejos gaúchos: se um tenta sair, os outros puxam para baixo. O cesto com tampa é de paulistas: se um consegue subir, os outros sobem um sobre o outro e acabam saindo.

P – Pelotas destaca-se pela amplitude e qualidade em várias áreas e setores artísticos, por que a literatura ainda não ampliou seu espaço? Seria fenômeno mais amplo, de queda na leitura em decorrência dos meios eletrônicos?

R – De forma alguma. Ninguém vai desbancar o livro de papel. A delícia que é marcar uma página interessante, o cheiro, o prazer de acordar cedo e procurar tal livro na estante, é inigualável! Eu mesma leio muito e-book. O avanço tecnológico é inarredável. Mas, como tudo, o exagero, a falta de uma educação de equilíbrio, em todos os sentidos, está levando a sociedade global ao caos. Isso é facilmente verificável. Aos pais, que têm a obrigação de orientar seus filhos, cabe essa tarefa. A escola está se tornando um depósito de problemas sociais. E essa não é sua finalidade.

P – Com sua experiência na área da educação, quais dicas, caminhos, para instigar as novas gerações à leitura e escrita?

R – Acho que o exemplo é que arrasta. Pais que têm, mesmo que seja pequena, estante de livros em casa, e que lêem, estão convencendo a criança do prazer e dos benefícios da leitura. A leitura amplia a visão de mundo do ser humano em geral. A fórmula é simples e perfeita: professores de língua não devem aceitar redações e trabalhos copiados da internet! Professor deve exigir o trabalho manuscrito. Quem lê escreve muito melhor. Ou já esquecemos o ridículo de algumas provas de nível superior, as quais antigamente não passariam da 5ª série? Menos conversa e teorias. Que cada profissional assuma sua responsabilidade. E que as direções tenham a competência de apoiá-los. Isso mudaria o quadro.

P – O significado da posse na Academia, o que representa pra senhora, qual a satisfação?

R – Na verdade, eu deveria ter assumido há um ano atrás. E assumiria na cadeira cujo Patrono é Simões Lopes Neto. Mas, problemas de saúde impediram. Hoje, bem melhor, preparo-me para assumir a Cadeira 34, cujo Patrono é nossa expressão maior em todos os sentidos: Mozart Victor Russomano. Difícil colocar em palavras a honra e a emoção que me tomam. Como citei acima, tive o privilégio de privar com a grandeza de Mozart Victor Russomano. É uma marca indelével na vida da pessoa. Tudo farei para honrar e, certamente, vou dedicar-me mais ainda aos meus escritos e pesquisas, lembrando sempre de quem inspirou tantos brasileiros e não brasileiros, a dedicar-se ao seu métier, a ser um cidadão exemplar, um profissional ético e competente.

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