Diário da Manhã

segunda, 29 de abril de 2024

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GOLPE 50 ANOS: No Brasil é preciso ser revolucionário para fazer reformas

13 outubro
17:51 2014

Seminário “1964 – Lembrar para não esquecer” debateu memórias da resistência à ditadura civil-militar

Por Carlos Cogoy

Autor Francisco Blaudes Barros, Gilney Viana, professora  Alessandra Gasparatto (UFPel), e jornalista Alípio Freire CRÉDITO: Cogoy

Autor Francisco Blaudes Barros, Gilney Viana, professora Alessandra Gasparatto (UFPel), e jornalista Alípio Freire
CRÉDITO:
Cogoy

A resistência ao golpe militar de 1964, não se restringiu aos estudantes e intelectuais. Logo após a tomada do poder pelos militares – em conluio com o grande empresariado e capital financeiro -, houve massacre de milhares de camponeses, lideranças sindicais e trabalhadores. Também nas forças armadas ocorreu a perseguição, prisão e expulsão de inúmeros militares.

A abordagem amplia o enfoque que muitas vezes identifica no movimento estudantil, artistas e jornalistas, a contraposição ao assalto ao poder pelos setores conservadores da sociedade brasileira. Afirmações do jornalista baiano Alípio Freire que esteve participando do seminário “1964 – Lembrar para não esquecer – memórias, resistências e permanências da ditadura civil-militar”. Na iniciativa do  Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pelotas e região, Instituto de Estudos Políticos Mário Alves (IMA), Ponto de Cultura “Memórias em movimento – juventude, cultura e política”, Grupo de Trabalho História do Movimento Docente (Adufpel Sindicato/ANDES), Pós-graduação em Política Social da UCPel, Alípio integrou a mesa de abertura “Memórias da resistência à ditadura no Brasil”.

No auditório da UCPel, debate sob a coordenação da professora Alessandra Gasparotto ((UFPel), também contou com o ex-deputado federal Gilney Viana – atualmente assessor na secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República -, e o ex-trabalhador rural Francisco Blaudes Sousa Barros – autor do livro “Japuara: um relato das entranhas do conflito”.

EUA NO GOLPE – Ano passado, Alípio – que integrou a Ala Vermelha e foi preso político entre 1969 e 1974 -, lançou o documentário “1964: um golpe contra o Brasil”. O vídeo com 22 entrevistas e 2h26min de duração, pode ser assistido no “youtube”. Na abertura do documentário, destaque à reflexão do historiador Jacob Gorender: “Num país como o Brasil, até mesmo para se fazer algumas reformas, é necessário ser muito revolucionário”. A frase de Gorender foi reiterada por Alípio no debate de quinta-feira, reportando-se ao ambiente político que culminou com o golpe. Conforme mencionou, o programa do então presidente João Goulart não era revolucionário, mas propunha reformas como a distribuição de renda, mais direitos aos trabalhadores, negociação da dívida externa, regramento em relação à remessa de lucros, política externa independente, reformas urbana, eleitoral, estudantil e agrária. Já o salário mínimo seria calculado com base nas necessidades reais da família do trabalhador. As mudanças foram abortadas e o “golpe foi contra o Brasil”, que estagnou, endividou-se com o “milagre econômico”, e deixou a conta para a população. De acordo com Alípio, o receio pelas reformas remonta à formação do País, cuja trajetória é de espoliação através das elites. Alterar essa história de injustiça e exploração, torna-se revolucionária diante dos segmentos que  temem a perda de regalias e privilégios. O contexto do golpe civil-militar, como frisa o jornalista, transpira na conjunta atual. Afinal, se o documentário comprova a ingerência dos Estados Unidos no golpe – contribuindo para mostrar que o famigerado patriotismo, enfatizado pelos segmentos reacionários, na verdade estava curvado aos EUA -, com a gravação do telefonema entre o presidente Lyndon Johnson e seus asseclas no Brasil; atualmente os americanos também não aceitam a política externa brasileira. E Alípio mencionou a espionagem americana, que levou a presidente Dilma a cancelar visita aos EUA, bem como o repúdio a abertura comercial à China, e a participação nos “Brics” com Índia, China, Rússia e África do Sul.

CRIMES “oficiais” protagonizados pela repressão. “Para mudar é preciso ser sujeito coletivo. E fomos, mas muitos foram assassinados, e os corpos ainda estão desaparecidos. À época da ditadura, o primeiro crime era o ‘sequestro’, pois se era preso sem mandado judicial. Podia estar na escola, cinema ou atravessando a rua. O preso era levado para espaço clandestino, isto é, um segundo crime configurado. O terceiro crime promovido pelos agentes da repressão, com a conivência de cúpulas da segurança, era o interrogatório sob tortura. Já o quarto crime está consagrado no assassinato, e muitos cadáveres sumiram. Há relatos acerca do massacre de camponeses, e os trabalhadores rurais eram jogados vivos em caldeiras. Então, isto não aconteceu como exceção. É a história do Brasil. E hoje nos bairros populares, o morador ao anoitecer fecha a casa pois teme tanto o bandido e a milícia quanto muitas vezes a própria polícia”, disse Alípio.

SOBREVIVENTES – Ex-deputado federal pelo Mato Grosso, Gilney Viana por quase dez anos ficou preso durante a ditadura. Na secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, está ligado ao projeto Direito à Memória e à Verdade. Ele abordou: “Somos sobreviventes de uma guerra. E quando fui convidado pela Maria do Rosário, aceitei pois nossa geração não terá outro tempo. Temos de informar as novas gerações. Muitos de nós já morreram, mas temos o compromisso moral e ético de continuar essa luta. E destaco a interferência americana para o golpe no Brasil. Desde a Segunda Guerra, com a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que militares brasileiros estavam integrados com os EUA para enfrentar o ‘império comunista’. Além disso, o general Walters era amigo de Castelo Branco. Em 1961, a tentativa de golpe. Brizola e a ‘legalidade’ foram decisivos. A 1º de abril de 1964, apesar de  ouvirmos que não houve resistência, é possível dizer que aconteceu porém insuficiente para enfrentar a propaganda e máquina de guerra. É possível que, expandindo-se, possivelmente tivesse sido massacrada. E quem apoiava as reformas, era rotulado de comunista. Uma forma de identificar e massacrar o inimigo. Como resistência, greves, grupos de onze, frações militares e os camponeses”.

VERDADE – Gilney mencionou massacres de indígenas durante a ditadura. Houve episódios esdrúxulos como os oficiais que tiveram a estratégia de jogar panfletos, pedindo a rendição dos indígenas, em aldeias cujos nativos não sabiam ler nem escrever. Também elencou estatísticas acerca do número de vítimas durante o período autoritário. São milhares. E acrescentou: “O impacto da ditadura não se refere apenas às vítimas da repressão policial, mas também econômica. Trata-se do impacto sobre a classe trabalhadora. E houve múltiplas formas de repressão, então com danos à sociedade”.

JAPUARA – Ex-trabalhador rural, Francisco Barros estava na fazenda Japuara em Canindé no Ceará quando, a 2 de janeiro de 1971, houve conflito resultando na morte de delegado, policial e camponeses. Humilde, com fala pausada, desculpando-se por ter cursado apenas até o sétimo ano, relatou que aguardou a aposentadoria para contar o que viu naquele confronto. Comerciante lotou caminhões com jagunços, para expulsar os camponeses. Houve resistência e mortos. O que sobressai do episódio é que a repressão, além dos militares, em especial nos rincões e regiões como o Nordeste, dispunha da “colaboração” de latifundiários e as polícias militares. Emocionado, Francisco lembrou do pai e companheiros que padeceram diante da brutalidade da “pistolagem” – tanto dos jagunços quanto ‘oficial’.

Num país cuja história é a lei do “mais forte”, dono do capital, fortalecido por séquito de remediados bajuladores, pensar em reformas já é “ação revolucionária”.

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