HISTÓRIA EM QUADRINHOS: Super-herói com ancestralidade afro
Autor pelotense Alessandro Flores divulga a HQ de estreia “Daren”, com protagonista negro em Pelotas
Por Carlos Cogoy
Ação e subjetividade, combate e reflexão, golpes certeiros e cultura afro. Algumas das abordagens na História em Quadrinhos (HQ) “Daren”, autoria do pelotense Alessandro Flores. O protagonista é super-herói negro, e vive em Pelotas. A HQ é publicação independente, e o personagem foi criado há dois anos. O nome do protagonista já sinaliza para tema destaque na história: ancestralidade. Daren na cultura nigeriana significa “nascido na noite”, e a trama de Alessandro também aborda sobre uma forma de renascimento. Afinal, o super-herói vai ao encontro de legado da cultura afro. A HQ, conforme Alessandro, que está cursando artes visuais na UFPel, ainda não teve lançamento oficial, mas tem sido divulgada em eventos como o Mercado de Pulgas, que foi promovido neste mês, pela revistaria São Francisco e sebo Montecristo. O autor menciona que os interessados em adquirir a HQ, podem fazer contato através do email: [email protected]
DAREN – Livros sobre a cultura africana, são uma fonte para a criatividade de Alessandro. Em especial a obra do pesquisador, professor e escritor norte-americano Clyde Ford. Sobre a HQ, Alessandro observa: “Daren é um jovem negro marcado pela violência do país. É um personagem que vive aqui em Pelotas. Após a morte de seu pai, Daren descobre suas origens, e tem de arcar com responsabilidades sobre elas. Sua personalidade é de um rapaz tranquilo, sensível e gentil, porém, como é treinado em lutas marciais, não desiste de um desafio. Essa marca das responsabilidades e obrigações, está presente nos cultos de matriz africana”.
ANCESTRALIDADE – O autor acrescenta: “A ancestralidade é algo especial nas nações e povos pois, em geral, a cultura trabalha com concepções de linhagens familiares e ofícios. No caso do Daren, ele faz parte de um grupo fictício que detém superpoderes a partir do contato com seus familiares que já viveram na Terra. O culto aos ancestrais é comum nos povos Bantu e Igbo na África, e os orixás também são ancestrais divinizados. A ancestralidade é superimportante pois, para nós, negros em diáspora, não sabemos quem veio antes. Precisamos do resgate, pois historicamente nos foram negadas as informações. Há uma história do povo negro muito antes da escravidão e nosso povo precisa conhecê-la”.
NEGRITUDE – Influenciado por mangás da década de oitenta, e publicações da Marvel e DC Comics, Alessandro criou personagens brancos. Porém, em 2017, como explica, nasceu seu primeiro filho. “Abandonei todos meus personagens anteriores, na maioria caucasianos, para me dedicar a criações que possam ter experiências em comum, com quem está mal representado ou ainda invisível. Após observar minha própria produção, a questão racial começou despontar, pois notei que havia poucas pessoas negras nelas, algo que hoje se tornou maioria. O olhar autocrítico surgiu quando comecei a ler sobre as questões raciais, e como o negro se situa politicamente numa sociedade que, em âmbito mundial, não faz uma real reflexão sobre estas tensões, fragilizando nossa existência de todas as formas. Por exemplo, sair de um lugar para outro, a qualquer hora, é bem mais complicado quando você tem uma vida marcada pela violência do racismo. Sair do armário e deixar de ser ‘moreno’, ‘cafuçu’, ‘mulato’ e se tornar negro, é um ato político e isto influencia de forma aguda, não só a minha arte, como no meu jeito de ser. Minha arte sou eu”.
TRAJETÓRIA – Aos três anos de idade, diz Alessandro, para os primeiros desenhos, lembra que improvisava a perna da mãe como prancheta. Em 2000, com doze anos, participou de curso de extensão oferecido pela UFPel. Na Escola Estadual Nossa Senhora de Fátima da Cohab Fragata, durante três semestres, Alessandro teve módulos de HQ, desenho de observação e modelo vivo. Entre as influências, além de HQs e mangás, animes no estilo “shounen”. Como estudante de artes visuais, contatos com pesquisadores, negras e negros, de Pelotas e outros locais. Ele salienta: “Tive grande influência do professor Carlos Magalhães que, na sua graduação, ministrou curso na minha escola, no Fragata. E destaco pois se observa o quanto é importante gerar projeto nas comunidades, estimulando criatividade à juventude”. Em 2017, Alessandro participou de exposição na Secult, organizada por Jonas Fernando Martins Santos. O contato proporcionou convite, e Alessandro tem participado de projetos de Jonas, como a sequência da HQ “Espírito Livre”. Como projetos, divulga que, em outubro, haverá lançamento de “Daren” – criação ocorreu no primeiro semestre deste ano -, cuja segunda edição também já está pronta. “A minha grande maturidade artística acontece com a consciência racial, ou seja, como é ser um homem negro e homossexual, e como ele pode escrever Histórias em Quadrinhos. E publicar uma HQ é um sonho realizado”.