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terça, 24 de dezembro de 2024

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IBGE: país tem 2,1 milhões de trabalhadores por aplicativo

IBGE: país tem 2,1 milhões de trabalhadores por aplicativo
25 outubro
20:00 2023

Pnad Contínua sobre trabalho por aplicativo é divulgada pela 1ª vez. Categoria está precarizada, com condutores realizando suas atividades sem segurança jurídica, trabalhando horas para angariar o mínimo de subsistência

A população ocupada de 14 anos ou mais de idade no setor privado – sem incluir empregados no setor público e militares – foi estimada em 87,2 milhões de pessoas no quarto trimestre do ano passado.

Deste total, 2,1 milhões realizavam trabalhos por meio de plataformas digitais, que são os aplicativos de serviços, ou obtinham clientes e vendas por meio de comércio eletrônico, tendo a atividade como ocupação principal. Deste total, 1,5 milhão mil pessoas – ou 1,7% da população ocupada no setor privado – usavam aplicativos de serviços e 628 mil as plataformas de comércio eletrônico.

Os dados fazem parte do módulo Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgados pela primeira vez, nesta quarta-feira (25), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o órgão, “as estatísticas são experimentais, ou seja, estão em fase de teste e sob avaliação”.

“Consideramos fundamental a disponibilização de uma base de dados que possibilite melhor quantificar e compreender o fenômeno da plataformização do trabalho no país. Esse foi o objetivo da introdução do módulo na pesquisa”, afirmou Gustavo Geaquinto, analista do levantamento,

O grupamento das atividades transporte, armazenagem e correio foi o que reuniu mais trabalhadores (67,3%). O grupo abrange tanto o serviço de transporte de passageiros quanto os serviços de entrega, que são os aplicativos mais frequentes. Em seguida, aparece o setor de alojamento e alimentação, com 16,7%. “Aqui é sobretudo por causa dos estabelecimentos de alimentação, que usam as plataformas de entregas para clientes”, disse.

A categoria de emprego mais usada foi a “feita por conta própria” (77,1%). “Empregados com carteira assinada eram apenas 5,9% dos plataformizados, enquanto no setor privado, os empregados com carteira eram 42,2 %. Havia uma forte prevalência dos trabalhadores por conta própria no trabalho plataformizado.”.

O trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros, em ao menos um dos dois tipos analisados de táxi ou excluindo táxi, alcançou 52,2%, ou 778 mil, do total de trabalhadores de plataformas. Nos aplicativos de entrega de comida ou produtos trabalhavam 39,5%, ou 589 mil. Já os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais representavam 13,2% ou 197 mil.

Plataformas

O aplicativo de transporte particular de passageiros foi a plataforma digital mais utilizada pelos usuários (47,2%), seguido do serviço de entrega de comida, produtos, etc (39,5%), do aplicativo de táxi (13,9%) e do aplicativo de prestação de serviços gerais ou profissionais (13,2%).

“Tem sido observado ao longo do tempo o aumento dessa forma de trabalho e esse fenômeno tem levado a importantes transformações nos processos e nas relações de trabalho, com impactos tanto no mercado de trabalho do país, como sobre negócios e preços de setores tradicionais da economia”, afirmou o analista. Ele alertou que pode haver qualquer tipo de sobreposição de uso de aplicativos de táxi pelos trabalhadores e, por isso, a soma ultrapassa 100%.

Regiões

A região com maior percentual foi o Sudeste (2,2%), com 57,9%, ou 862 mil pessoas, do total de trabalhadores plataformizados, conforme denomina o IBGE essa parcela do mercado de trabalho. Segundo o levantamento, nas outras regiões, o percentual de pessoas ocupadas que realizavam trabalho por meio de aplicativos de serviços ficou entre 1,3% e 1,4%.

A maior proporção de pessoas que trabalhavam com aplicativos de transporte particular de passageiros, excluindo os de táxi, estava na região Norte: 61,2%, ou 14 pontos percentuais (p.p.) acima da média nacional.

Características

Os homens (81,3%) eram a maioria dos trabalhadores plataformizados. Segundo o levantamento, o percentual é uma proporção muito maior que a média geral dos trabalhadores ocupados (59,1%). As mulheres eram 18,7% do total desses trabalhadores.

Idade

Na distribuição por idade, quase a metade (48,4%) das pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais de trabalho estavam no grupo de 25 a 39.

Escolaridade

Em termos de nível de instrução, os plataformizados concentravam-se nos níveis intermediários de escolaridade, com preponderância no nível médio completo ou superior incompleto (61,3%), que correspondia a 43,1% do total da população ocupada que não utilizava plataformas.

Rendimentos

Os trabalhadores plataformizados tinham, no 4º trimestre de 2022, rendimento 5,4% maior (R$ 2.645) que o rendimento médio do total de ocupados (R$ 2.513). Na mesma comparação, eram os que trabalhavam mais horas semanais: 46h contra 39,6h.

“Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348)”, apontou o levantamento.

Cor e raça

Gustavo Geaquinto informou que na distribuição por cor e raça, não foram observadas diferenças significativas entre os plataformizados e os que não utilizavam plataformas. Os brancos representavam 44% dos plataformizados contra 43,9%, os pretos eram 12,2% contra 11,5% e os pardos 42,4 contra 43,4%.

Previdência e informalidade

No 4º trimestre de 2022, apenas 35,7% dos plataformizados eram contribuintes da previdência, enquanto entre os ocupados no setor privado eram 60,8%. Na informalidade a proporção de trabalhadores plataformizados (70,1%) era superior à do total de ocupados no setor privado (44,2%). “Aqui esse dado de informalidade se refere exclusivamente ao trabalho principal da pessoa”, concluiu.

Metodologia

A coleta dos dados do módulo inédito Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da PNAD Contínua se refere ao 4º trimestre de 2022 entre a população ocupada de 14 anos ou mais de idade, exclusivamente o setor público e militares. O levantamento foi feito com base no trabalho único ou principal que a pessoa tinha na semana de referência.

O IBGE destacou que conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu em 2021, “as plataformas digitais de trabalho (ou de serviços),viabilizam o trabalho por meio de tecnologias digitais que possibilitam a intermediação entre fornecedores individuais (trabalhadores plataformizados e outras empresas) e clientes”.

Repercussão

Uma das pautas defendidas pelo governo, desde a campanha eleitoral e um dos assuntos mais debatidos durante o ano, a obrigatoriedade do vínculo trabalhista entre empresas de aplicativos como Uber e Ifood e os trabalhadores, parece distante de um desfecho, pelo menos ainda em 2023.

Recentemente a Justiça do Trabalho brasileira determinou que a Uber deve registrar todos os motoristas em regime CLT. Além disso, a empresa foi condenada a R$ 1 bilhão por danos morais coletivos, mas a empresa decidiu não acatar a decisão

A Uber, cujo objetivo é realizar a conexão entre motoristas autônomos e passageiros que buscam transporte individual, se popularizou a partir da crescente adesão da sociedade a esse modelo de negócio, muito popular entre aqueles que buscam uma fonte de renda alternativa ou principal. O principal ponto hoje discutido no país é a falta de garantias e benefícios para o trabalhador cadastrado nesses aplicativos.

“Esse sistema de “pejotização”, que se popularizou no Brasil, traz a ilusão que o trabalhador é dono do seu próprio negócio, quando na verdade precariza e deteriora os princípios do direito trabalhista”, opina Kaique Araújo, advogado no escritório Aparecido Inácio e Pereira.

“Esta categoria está hoje precarizada, com condutores realizando suas atividades sem segurança jurídica, trabalhando horas para angariar o mínimo de subsistência, o que demonstra quase um trabalho análogo à modernidade”, explica Kaique.

Exemplos de outros países podem ser seguidos

Nos últimos anos, decisões em vários países passaram a garantir ao trabalhador alguns direitos trabalhistas, como em Nova York, na qual foram aprovadas seis leis pelo conselho da cidade, que incluem salário mínimo, transparência sobre as gorjetas deixadas pelos clientes e licenças oficiais para trabalhar.

Já no Reino Unido, a Uber perdeu a batalha na Suprema Corte britânica e, após a decisão, passou a conceder salário mínimo, férias remuneradas e um plano de pensões aos mais de 70 mil motoristas do aplicativo. “O mundo se viu obrigado a criar leis e diretrizes para abranger o novo modelo de trabalho”, comenta o advogado.

Aposentadoria de profissionais autônomos preocupa

A falta dos direitos básicos, como salário estabelecido, férias, FGTS e INSS,  influencia diretamente não somente no presente do trabalhador, mas também no futuro. De acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas um a cada quatro motoristas e entregadores autônomos paga contribuição ao INSS.

“Provavelmente esses colaboradores terão que trabalhar até uma idade avançada, e a única forma de garantir os preceitos fundamentais de seguridade social e a conciliação das leis do trabalho, é por meio da CLT, que apesar de ser taxada como “retrógrada”, mostra-se extremamente necessária”, indica o especialista.

Os desdobramentos da situação entre Uber e as diretrizes de trabalho brasileiras ainda devem se estender por algum tempo, e a empresa já sinalizou que pretende oferecer R$ 30 por hora aos motoristas, mas ainda sem vínculo empregatício, o que manteria os profissionais sem as garantias definitivas das leis trabalhistas do país.

 

 

Fotos: Rovena Rosa – Tomaz Silva / Agência Brasil

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