Incra e UFPel formam quarta turma de Medicina Veterinária pelo Pronera
A formatura da quarta turma especial de Medicina Veterinária promovida pelo Incra – via Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) – em aliança com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ocorre nesta terça-feira (15)
Será a primeira colação de grau conjunta do curso – com 46 formandos do programa e 23 das demais formas de ingresso. A cerimônia está marcada para as 17 horas, no auditório da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, no campus Capão do Leão.
O assegurador do Pronera no Incra/RS, Walter Aragão, destaca que a parceria com a UFPel conduziu 143 médicos veterinários ao mercado de trabalho em três edições. “É um curso de abrangência nacional pelo qual o Rio Grande do Sul tem dado apoio para a melhoria substantiva de cooperativas em todo o país. Muitas careciam, e carecem, de técnico para responder pelas agroindústrias e pela pecuária”, observa. Segundo o servidor, as próximas tarefas são concluir a quinta turma em 2026 e implantar a sexta no próximo ano.
Os atuais formandos são de 14 estados. Eles iniciaram a graduação em 2018 seguindo a Pedagogia da Alternância – metodologia adotada pelo Pronera, que divide a formação entre tempo escola e tempo comunidade no sentido de facilitar a combinação entre afazeres acadêmicos e agrícolas. “Em 2020, o período presencial iniciou em uma semana e na outra a universidade fechou as portas por causa da Covid-19. Foram nove meses sem aulas e mais um ano remoto”, lembra Luiz Filipe Schuch, coordenador do curso e paraninfo da turma.
“O maior desafio foi conciliar estudos com as demais atividades do cotidiano”, afirma Welliton Saraiva Ferreira, do assentamento 1º de Março, em São João do Araguaia (PA). Pai de uma menina de nove anos e titular de um lote de 29 hectares, onde cultiva frutas tropicais em sistema agroflorestal, o agricultor precisou exercitar a disciplina para cumprir os compromissos acadêmicos.
Segundo ele, alguns professores adaptaram os conteúdos com criatividade. Na cadeira de Economia Rural, por exemplo, o trabalho final exigiu levantamento sobre a estrutura produtiva do assentamento de cada educando, apresentada em formato de maquete. “Foi um jeito de dialogar com o nosso momento histórico”, reflete o estudante.
Conforme a integrante da comissão pedagógica, Cátia Gonçalves, o programa de ensino encontrou resposta dos graduandos. “A turma levou à sério o desafio de “ninguém soltar a mão de ninguém”. Mantiveram a coletividade mesmo à distância. Tiveram a preocupação de que ninguém desistisse ou rodasse”, conta.
A estratégia para evitar desistências englobou monitorias, grupos de estudo, trocas de informação e coleguismo. Nesta lógica, os estudantes mais avançados ajudavam os demais. Gonçalves destaca que o conjunto de práticas faz parte da sistemática de aprendizado de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
Lana, Olga e Pietro (da esquerda para direita) acompanharam a mãe, Rosemary, na graduação
“Enquanto as turmas estão vivendo o processo de formação, a gente vai percebendo a importância do método, de reforçar a coletividade e lembrar que juntos eles vão conseguir (alcançar os objetivos) no estudo, no trabalho, no projeto produtivo que estamos desenvolvendo. Esta turma se forma, assim como outras, porque existe intencionalidade no método e eles foram muito dispostos considera”, considera.
Rosemary Dias, do assentamento Companheira Roseli Nunes, em Amaporã (PR), reforça esta percepção. Após a pandemia, a agricultora precisou deixar o lote aos cuidados do pai, José, para morar em uma casa próxima à UFPel com os três filhos menores de idade. “É difícil estudar por vídeo chamada uma coisa que muitas vezes é prática. A idade também foi um desafio porque fazia tempo que saí do ensino médio. Mas tive bastante incentivo do movimento (MST), da coordenação pedagógica e dos colegas. Meu grupo de estudos foi maravilhoso. Tiveram paciência comigo e consegui”, comemora.
Processo formativo
Mesmo cumprindo calendário adaptado à sazonalidade rural, os estudantes do Pronera seguem a grade curricular normal de Medicina Veterinária. No caso da Turma Especial IV a formação foi fortalecida por pesquisas, estudos e viagens, como à Universidade Nacional de Rosário (na Argentina). A maior parte dos estágios de conclusão do grupo abordou a bovinocultura de leite e alguns educandos foram confirmados nos empregos.
Laura Carolina Cristofoli Müller é uma das contratadas. Filha de agricultores do assentamento São Joaquim, em Santana do Livramento (RS), ela já começou a prestar serviços à Cooperativa Regional dos Assentados da Fronteira Oeste (Cooperforte). “Estou na parte administrativa enquanto espero o diploma. Mas vou trabalhar no entreposto de recebimento de leite depois que estiver regularizada”, comemora.
Müller estagiou por três meses na Universidade da República do Uruguai (Udelar). “Foi intenso e desafiador, quando cheguei. Não conseguia me comunicar por causa do idioma”, revela. No país vizinho, aprendeu espanhol e internalizou uma nova lógica profissional. “É uma forma diferente, com mais calma e serenidade. Eles te colocam para fazer as coisas e têm paciência de explicar”. Entre as experiências marcantes, está o atendimento a pequenos animais em duas clínicas na periferia de Montevideo, onde ajudou a combater zoonoses, que afetavam principalmente crianças.
Focada na carreira acadêmica quando entrou na universidade, a educanda foi seduzida pela atuação junto às famílias. “Fui moldando meu caráter durante o processo. A turma formou um espírito coletivo muito forte pela convivência e pelas dificuldades”.
Embora não comente, Laura foi uma das estudantes que auxiliaram os colegas. Para ela, a maior lição nesta trajetória foi escutar os outros e aceitar necessidades divergentes. “Vai me ajudar muito a deixar (os agricultores) expressarem o que estão sentindo e construirmos juntos a solução”, programa.
Projeto
Jaime Carvalho defende a Medicina Veterinária baseada na agroecologia e na organização social
Ao invés de emprego fixo, Jaime Roque Monteiro Carvalho utiliza os conhecimentos adquiridos na universidade para criar o próprio trabalho no lote da mãe, no assentamento Dezenove de Setembro, em Guaíba (RS).
Ele escolheu a Medicina Veterinária por inclinação pessoal e vontade de superar os gargalos da produção animal nos assentamentos. “A maioria dos animais não têm valor agregado para pagar o serviço de um profissional para fazer cesárea, por exemplo. Sem contar as dificuldades ligadas à legislação sanitária”, relata. O estágio final junto ao Núcleo de Suporte à Produção Orgânica da Superintendência do Ministério da Agricultura e Pecuária no Rio Grande do Sul, foi uma decorrência da agroecologia praticada por sua família.
A primeira incumbência do estagiário foi estudar a legislação e auxiliar os servidores do setor a responderem dúvidas sobre agricultura orgânica enviadas pelo público. Um mês depois, em maio, o Rio Grande do Sul foi assolado por uma enchente e o estudante passou a filtrar e organizar dados para ações de apoio aos agricultores. “Conheci os principais produtores, o mercado e toda a estrutura pública do setor”, relata.
De volta do assentamento, Carvalho cultiva hortaliças, mantém criações e planeja um empreendimento coletivo. Enquanto articula a proposta, ele orienta os vizinhos sobre a importância do aprimoramento genético e clínica animal. Sugere combater parasitas com folhas de bananeira, alho, hortelã e manejo do ambiente, no lugar dos remédios comprados.
Além disso, o formando defende a produção animal artesanal e pecuária camponesa. Esses conceitos transmitem “a valorização da cultura, forma de vida e meio ambiente em contraponto ao lucro simples” sinaliza.