Diário da Manhã

sábado, 04 de maio de 2024

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NEGROS E NEGRAS : A retomada da Frente Negra Pelotense

17 março
09:54 2015

Sexta-feira  e sábado na Câmara Municipal, realização do 1º Congresso de Negros e Negras de Pelotas 

Por Carlos Cogoy

Anos trinta do século 20.  Primeiras décadas pós-Abolição, e a comunidade negra alijada do acesso à educação, oportunidades profissionais e condições dignas de moradia. No País constitui-se a Frente Negra Brasileira (FNB), como instância para organizar e reivindicar melhorias e mudanças. Em 1933, dois anos após a criação da FNB, Pelotas protagonizou um dos seus inúmeros pioneirismos. A reboque da mobilização em âmbito nacional, foi organizada a Frente Negra Pelotense (FNP). Na cidade, a Frente congregou representantes dos clubes sociais negros, à época “Depois da Chuva”, “Chove não Molha”, “Fica Ahí Pra Ir Dizendo”, “Está tudo certo” e “Quem ri de nós tem paixão”, bem como do antológico jornal “A Alvorada”. A FNP manteve-se em atividade até 1937. Em período recente, há três anos, houve a retomada da Frente Negra Pelotense. A iniciativa é “informal”, comunica-se através das redes sociais, e está à frente de atividades como o 1º Congresso de Negros e Negras de Pelotas, programado para dias 20 e 21 deste mês no Legislativo municipal. Como reorganizadores da FNP, numa versão contemporânea, Denilson Dias (RastaSul), Rafael Mesquita (RastaSul), Adilson “Rasta”, Geovane Lessa (CRIAS/BGV), e Cláudio Rodrigues. Servidor público que também se desdobra em atividades autônomas como a pintura e fotografia, pelotense Cláudio Rodrigues busca novas perspectivas. Assim, está cursando o segundo semestre do curso de Serviço Social. Ao DM, ele abordou sobre a Frente Negra, preconceito, eixos para o debate no Congresso que acontecerá nesta semana.

Pintor, fotógrafo e servidor público Cláudio Rodrigues

Pintor, fotógrafo e servidor público Cláudio Rodrigues

FNP – Cláudio menciona sobre a militância e o ressurgimento da Frente Negra Pelotense: “Minha trajetória no movimento negro, já que trabalhava num salão de beleza afro, começou através da discussão sobre a estética negra. Como militante, fui delegado em conferências municipal e estadual. O eixo temático que debati foi relacionado à saúde, em especial a questão das drogas. Afinal, trata-se principalmente do problema de saúde e não meramente caso de polícia. Atualmente represento a Frente Negra Pelotense, rearticulação que estive à frente. Nas conversas com o Giovane, sentíamos a necessidade de alguém ou esfera, que comentasse, relatasse e explicitasse os problemas e soluções à vida do povo da periferia. Outro aspecto é a questão da cultura. Então, a Frente Negra está buscando novos espaços, como a possibilidade de jornal impresso e também um programa ou canal de tevê. Os projetos tem sido apresentados a alguns empresários que poderão ser parceiros nas iniciativas”. Na Internet: frentenegrapelotense.blogspot.com.br

PRECONCEITO – Na infância, episódio marcou a vida de Cláudio. “Sou do tempo no qual havia dois elevadores nos prédios pelotenses. Então me perguntava o porquê, se somos todos iguais. Na década de setenta, minha mãe trabalhava como doméstica para ‘tradicional’ família pelotense. Numa ocasião, ao chegar da escola, entrei no elevador ‘social’. O porteiro então me advertiu que os empregados não usavam aquele elevador. Mesmo assim continuei e, ao chegar no terceiro andar, uma madame que estava com seu cachorrinho, deu um grito e disse que ali não era local para um negrinho do meu ‘estilo’ e, se eu quisesse pedir, que fosse pela escada ou elevador dos empregados. Aquele elevador era apenas para pessoas decentes. Eu estava com dez anos, e fiquei sem entender o motivo daquele griteiro. Afinal, não havia feito nada e também não estava pedindo, pois minha mãe trabalhava como doméstica e morava no serviço. Foi a primeira situação na qual me deparei com o preconceito. Mas poderia enumerar inúmeras, pois ocorrem quase semanalmente”, relata.

PELOTAS – Aos negros, a “capital do doce” tem sabor amargo. Cláudio opina: “Pelotas ainda traz os resquícios da escravidão, desde a mão de obra dos negros que, para a grande maioria serve apenas à construção civil, até a universidade onde muitos ainda questionam o que um negro está fazendo na faculdade ao invés de trabalhar. Na política pelotense como no Estado e País, não vi avanço nenhum ou muito pouco. Por exemplo, Pelotas é uma cidade com mais de trezentos mil habitantes e não temos um negro secretário. Temos no segundo escalão, mas no primeiro escalão do governo não há nenhum. Será que não temos negros competentes para assumir tais cargos? Quem fizer o teste do ‘pescoço’ e olhar para dentro das lojas, verá que 90% dos funcionários são brancos. Nos anúncios de jornais locais e outdoors, também não vemos os negros. Será que negro não vende? É necessário faculdade para trabalhar numa loja?”.

Cláudio e a filha Lara Rodrigues na torcida pela recuperação do “rubro-negro”

Cláudio e a filha Lara Rodrigues na torcida pela recuperação do “rubro-negro”

BRASIL – Em relação à nação do “Lava Jato”: “O país avançou um pouco graças à luta dos movimentos negros espalhados pelo Brasil. Mesmo alguns capitaneados por partidos políticos, podemos perceber alguns avanços. A exemplo, na última década houve acréscimo de 200% em relação aos negros que chegaram ao ensino superior. Isso acirra uma parte do ódio que a classe dominante tem dos governos de esquerda. Mas ainda falta muito, pois não temos um ministro, temos uma secretaria nacional com status de ministério, mas não é de fato. E queremos estar na saúde, educação, discutindo trabalho e renda, bem como investimentos para o País. A nação cresce e o racismo também, só que maquiado, com outra roupa, misturado à luta de classes. Antigamente era só ter o 2º grau pra arranjar um trabalho, hoje eles inventaram que, além da formação, também é necessária a carteira de habilitação. Com o custo de R$1.500,00, não é assim para o povo providenciar. E muitas vezes é solicitada a carteira, mas o trabalho é como empacotador em loja. Então são estratégias para dificultar o acesso do povo”.

CONGRESSO conforme Cláudio, debaterá questões como saúde, segurança, cultura, geração de trabalho e renda. Para ele, segurança será tema fundamental, pois implica desde as abordagens na rua, até o modo como os inquéritos são instaurados. Outro tema relevante, avalia, será o debate sobre a participação dos negros nos partidos. E Cláudio alerta para os “afroconvenientes”, que se beneficiam da militância para avanços pessoais. “Eles se enxergam negros apenas quando convém”, arremata. Cláudio estará registrando o evento em fotos e vídeo, e a ideia é divulgar aos contatos no País e exterior. “Estou entusiasmado com o congresso, pois a iniciativa não é governamental nem de negros ‘chapa branca’. Mas negros e negras de várias ideologias, religiões e partidos, o que legitima nosso debate. Afinal houve debates sobre negritude, impostos de cima para baixo, com o governo mandando e os negros obedecendo determinada linha que não poderia ser mudada. Agora será diferente, não temos cadernos prontos para a discussão”, conclui.

FOTOGRAFIAS e pinturas, serviços prestados pelo Cláudio, contatos no fone/ WhatsApp: 9142.6114.

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