No RS, câncer mata mais do que doenças cardiovasculares
Discussões durante Fórum de Políticas de Saúde em Oncologia apontam gargalos e proposições para setor na região sul
No dia 2 de agosto o Instituto Oncoguia, ONG de apoio a pacientes com câncer, realizou em Porto Alegre o I Fórum Sul de Políticas de Saúde em Oncologia. Reunindo mais de 15 palestrantes e um público de 100 pessoas, foram discutidos ao longo do dia os principais desafios enfrentados pelos pacientes com câncer na região. “Além de problemas, também abordamos vários cases de boas práticas existentes em diferentes cidades na região Sul. Esses exemplos são fundamentais para que possamos ampliar o debate do que pode ser feito em outras regiões e nos mostra que existem soluções possíveis”, ressalta a organizadora do evento e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz.
A oncologista do Instituto do Câncer Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre, Ana Gelatti, apresentou dados de que há 7 anos, na cidade, as mortes por causas cardiovasculares reduziram 5% enquanto as mortes por câncer aumentaram 12%. “Temos dois objetivos. O primeiro é conseguir fazer a prevenção e o diagnóstico precoce. A prevenção primária depende de uma política inicial de orientar a população dos fatores de risco mutáveis como exercício físico, alimentação, tabagismo, pois mortes por câncer são evitáveis. E o segundo é que queremos que os pacientes e a comunidade saibam que um diagnóstico de câncer não significa necessariamente óbito, porque hoje temos muitas alternativas para garantir qualidade de vida.”
Maira Caleffi, mastologista e presidente Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA), reforçou que o número de casos de câncer na cidade não é compatível com a infraestrutura local. “Temos uma medicina de altíssima qualidade desde recursos humanos a equipamentos, mas continua morrendo muita. O desafio é esse, como vamos controlar o câncer?”
Maira aproveitou a oportunidade para apresentar o projeto CCan – City Cancer Challenge Foundation, uma iniciativa que busca priorizar alguns dos principais problemas na oncologia em Porto Alegre a fim de propor soluções que já estão sendo incorporadas e dando certo em outras cidades do mundo, reunindo especialistas e gestores de diferentes áreas.
Principais desafios
A falta de financiamento e a dificuldade de acesso aos tratamentos foram alguns dos principais desafios apontados pelos palestrantes do I Fórum Sul de Políticas de Saúde em Oncologia organizado pelo Oncoguia.
Diego Espíndola, secretário Municipal de Saúde de Piratini-RS e Membro da Diretoria do CONASEMS apontou a demora para o início de alguns tratamentos. “Hoje levamos em torno de 90 dias para iniciar a radioterapia na metade Sul do Estado. Esse prazo deveria ser de 10 a 20 dias”, ressalta. Segundo ele, algumas propostas que poderiam ajudar a melhorar este cenário são a organização da rede de atenção à oncologia com garantia de cuidado integral, a hierarquização dos pontos de atenção em oncologia, protocolos de suspeita oncológica elaborados por especialistas, criação de parâmetros para realização de cirurgias, estabelecimento de mecanismos de acesso efetivo, disponibilização de acesso ao RHC (Registro Hospitalar de Câncer), revisão dos tetos dos municípios e dos estados com serviços habilitados e o monitoramento e avaliação dos serviços periodicamente.
Para Tatiana Breyer, enfermeira executiva da secretaria municipal de saúde de Porto Alegre, as demandas em saúde são infinitas e o recurso é pífio, o que torna a cada dia a sustentabilidade do sistema de saúde mais difícil. “No Rio Grande do Sul temos 11 milhões de habitantes, 26 serviços habilitados para tratar o câncer. Nenhum serviço habilitado além dos de Porto Alegre cumpre o mínimo estabelecido pela portaria – segundo dados do Estado. Ou seja, são serviços que recebem recursos e não fazem o que estão sendo pagos para fazer. Temos que mudar isso.”
Luis Otavio Stedile, analista do Ministério Público da União e assessor jurídico do Núcleo da Saúde da Procuradoria da República do Rio Grande do Sul, apontou que a escassez de recursos gera decisões difíceis em relação ao SUS. “Chegamos a um patamar de judicialização de cerca de 7 bilhões por ano. Precisamos de soluções pro sistema funcionar porque a judicialização mostra que o sistema está desestruturado.”
Para o Deputado Estadual do Rio Grande do Sul, a solução seria a criação de uma previsibilidade para garantir acesso aos tratamentos por parte dos pacientes. “Com a judicialização, o Estado acaba perdendo muito dinheiro. Se tivéssemos uma previsibilidade, esses tratamentos seriam licitados e comprados diretamente da indústria com valores até 20% menores. Assim podemos economizar de 150 a 200 milhões de reais por ano que podem ser utilizados em outras coisas, como em diagnósticos precoces, por exemplo.”
Casos de sucesso
Entre os casos de sucesso que foram apresentados no Fórum Oncoguia está o exemplo de Santa Catarina que conseguiu organizar o acesso dos serviços especializados nos municípios através da criação de uma lei estadual sobre transparência implementando e consolidando a regulamentação em todo o estado. “Implantamos a primeira central de regulação do estado em Florianópolis. Com base nisso, trabalhamos junto com o Cosems para organizar os processos, passamos por uma auditoria da CGU em oncologia e conseguimos que a Assembleia Legislativa aprovasse a lei estadual 17.066/2017 por unanimidade. Em um ano de força-tarefa passamos de 34 centrais de regulação para 200, ou seja, hoje quase 80% dos municípios de Santa Catarina contam com central de regulação implantada”, contou Karin Leopoldo, secretária Municipal de Saúde de São João Batista-SC.
Outro exemplo apresentado no evento foi o da Carta Londrina que criou um encontro paranaense de Cacons e Unacons para aperfeiçoar a assistência aos usuários com base em estatísticas locais. “Conseguimos com a carta trabalhar ações de melhorias de processos, ampliação da oferta para suprir a demanda redução do tempo de espera para início do tratamento, intensificação das ações de conscientização da população, implantação de ações educativas; reivindicações financeiras, liberação de medicamentos e judicialização”, relata Mara Rossival Fernandes, Diretora do Hospital do Câncer de Londrina e vice-presidente da Associação Brasileira de Entidades Filantrópicas de Combate ao Câncer – ABIFICC.