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domingo, 17 de novembro de 2024

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Pesquisa inédita no Brasil mostra quais as dores dos moradores em situação de rua

Pesquisa inédita no Brasil mostra quais as dores dos moradores em situação de rua
29 março
14:44 2018

Para 82,6% a dor é rotina. Dados mostram ainda que 73,8% das queixas são referentes a dor em músculos, tendões, ligamentos, articulações e ossos

Pés inchados e com feridas. Mãos calejadas. Dor constante nas costas e braços. Morador das ruas da cidade de São Paulo há mais de 30 anos, José Roberto da Silva Cirilo, de 47 anos, percorre diariamente a região central puxando uma carroça. Dorme, na maioria das vezes, no frio das calçadas e sob marquises que nem sempre o protegem do sereno. Estudo inédito realizado pela enfermeira Ariane Graças de Campos e coordenado pela pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (IIEP), Eliseth Ribeiro Leão, mostra que a dor física sentida constantemente por José Roberto é também rotina na vida de 82,6% dos 69 moradores de rua entrevistados para o trabalho realizado na capital paulista, sendo que as musculoesqueléticas representam 73,8% das queixas – elas  ocorrem em músculos, tendões, ligamentos, articulações e ossos.

Levantamento divulgado em 2015 pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) a pedido da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social mostrou naquele ano 15.905 pessoas vivendo em situação de rua na capital. No país, o número estimado no mesmo ano era de 101.854. A pesquisa “A dor do morador de rua” mostra que, em média, os moradores de rua convivem por 8 anos com a dor e que a percepção é menor para quem está há mais tempo nessa condição. Desde que foi expulso de casa pela ex-mulher há três meses, o vendedor Antônio Onofre da Silva Júnior, de 36 anos, perambula no entorno da Praça da Sé. Algumas vezes consegue vaga em algum dos albergues da cidade e diz sentir muita dor pelo corpo. “Ainda não me acostumei com essa vida de dormir no chão duro e sem conforto. Acordo arrebentado, mas dizem que depois a gente esquece”, contou.

Mais alarmantes são as informações de que 69% dos entrevistados sentem dor todos os dias e que, em grande parte dos casos, a duração é de horas (para 39,1%) ou dias (40,6%) seguidos. “A dor faz parte do viver dessas pessoas. Eles convivem por tanto tempo com ela que se acostumam, se acomodam e na maioria das vezes não procuram ajuda”, explica Ariane que, entre 2009 e 2017, trabalhou no atendimento dessa população.  Esse comportamento é o mesmo para graus leves e intensos, sendo esse o grau mais apontado pelos moradores ouvidos no estudo:  61,2%.

A dor interfere em todas as atividades do dia a dia desses indivíduos, especialmente no sono. Para 87,2%, a condição de rua prejudica a qualidade e a duração do sono. Isso é atribuído ao fato de a maioria dormir no chão, estar exposta ao frio e vulnerável a fatores como violência. Na sequência, os itens mais mencionados foram humor (83,8%) e trabalho (79,3%).

O carroceiro José Roberto diz que seu corpo dói mais quando está parado, percepção de 27,5% dos entrevistados. Por isso, prefere ocupar a maior parte do dia recolhendo, em lojas e prédios, materiais que podem ser vendidos em ferros-velhos. Acorda às 7h e dorme depois da meia-noite. E quando a dor aperta, não é uma Unidade Básica de Saúde (UBS) que procura. Ele se automedica, “Uma vez um médico me receitou um remédio. Agora vou e compro direto”, conta. Diferentemente dele, grande parte dos moradores – 40% – usa medicamentos prescritos. O consumo de álcool e droga também é opção válida para 13,1% e 10%, respectivamente.

Negligência – De acordo com a pesquisadora do Einstein, Eliseth Leão, o estudo é um retrato da negligência da dor noBrasil. A dor está presente em todos os países – dos desenvolvidos até os mais pobres –, mas não estamos preparados para perguntar e identifica-la nas pessoas. Um exemplo é o fato da cartilha do Ministério da Saúde (cartilha Saúde da População em Situação de Rua, publicada em 2014) não tratar do assunto. No caso dos moradores de rua, a questão se agrava: eles não têm acesso ao tratamento, sem falar nas questões de adesão e comprometimento que para eles é muito mais complicado, segundo Eliseth.

Dor emocional – No início do trabalho, a ideia de Ariane não era investigar a dor emocional, mas o tema era recorrente durante as entrevistas. O resultado demonstrou que 78,3% dos entrevistados convivem com algum tipo de dor emocional. “A maioria por conta da morte da mãe. Esse é um fator que desorganiza o sujeito, que o leva para a bebida ou para a rua”, explica Ariane. “Nunca tinha me dado conta do quanto a falta da presença materna pode desestruturar uma pessoa”, continua.

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