Processo de adoção: como adotar crianças e adolescentes no Brasil
Especialista em Direito da Criança e do Adolescente esclarece dúvidas sobre o sistema de adoção brasileiro
Em dezembro, no dia 24, o Brasil celebrou o Dia Nacional do Órfão, data instituída em 1961 com o intuito de destacar a importância de acolher crianças e adolescentes sem família. De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 33 mil crianças e adolescentes estão atualmente em abrigos e instituições públicas no Brasil. Entre eles, 4.499 estão prontos para adoção, aguardando por uma família e por um ambiente afetuoso para crescerem de maneira saudável.
Apesar do número de interessados em adotar no Brasil ser de 36.437 em 2023, há um desequilíbrio evidente. A maioria das crianças disponíveis para adoção (83%) tem mais de 10 anos, enquanto apenas 2,7% dos pretendentes estão dispostos a adotar nessa faixa etária, revelam os cálculos do CNJ. Professora de Direito da Criança e do Adolescente do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Selma Sauerbronn detalha a importância e como funciona o processo de adoção.
Confira a entrevista na íntegra:
Quais são os requisitos legais para que uma pessoa ou casal possa adotar uma criança no Brasil? Quais são os principais passos e procedimentos jurídicos envolvidos?
SS: O pretendente à adoção deve possuir idade superior a 18 anos, independentemente do estado civil. De acordo como o ECA, é preciso haver uma diferença de idade de 16 anos, entre a pessoa pretendente à adoção e o adotando. O pretendente à adoção deve se cadastrar no cadastro de adoção, de pessoas que pretendem adotar, gerido pela Vara da Infância e da Juventude.
Assim, primeiro, aquele que pretende adotar deve se dirigir à vara da infância e juventude e iniciar um procedimento administrativo para se inscrever no cadastro para a adoção de crianças e adolescentes. Uma vez inscrito no cadastro de adoção, ele poderá postular uma adoção de criança e adolescente no Brasil. Dessa forma, ele estará apto a formular, efetivamente, eu pedido de adoção.
Como funciona o processo de habilitação para adoção?
SS: Existem duas modalidades de habilitação. Uma para adoção nacional e outra para a internacional. Na adoção nacional, o pretendente se dirige à Vara da Infância e Juventude e informa que pretende ingressar no cadastro de adoção. Em seguida, será iniciado um procedimento administrativo, para o qual serão exigidos alguns documentos. Após formulado o pedido de ingresso no cadastro, a equipe multiprofissional elaborará o relatório técnico, envolvendo, inclusive visitas à residência do pretendente a adoção.
Em Pelotas, a Vara da Infância e Juventude funciona do prédio do Fórum, localizado na Av. Ferreira Viana, 1134 – Areal, telefone: (53) 3026-8500.
Estando tudo certo, na perspectiva legal, o juiz deferirá a habilitação do pretendente, incluindo o nome dele ou do casal no cadastro. A partir daí, é que o pretendente ou o casal poderão ser chamados para informar o interesse em adotar as crianças e adolescentes que se encontram devidamente cadastradas, dentro de uma ordem cronológica.
Em relação à adoção internacional, o pedido de habilitação deve ter início no país de residência habitual do pretendente à adoção ou do casal pretendente. Apreciados os requisitos nesse país, será enviado um relatório ao Brasil. Estando tudo Ok em relação aos requisitos da legislação brasileira, será deferida a habilitação e a inclusão do cadastro de pretendentes à adoção internacional, porém em lista separada.
Quais são os principais desafios legais enfrentados por famílias durante o processo de adoção no Brasil?
SS: O principal desafio legal é quando os pais biológicos não concordam com a adoção, quando se tem alguma objeção à adoção. Ainda que haja objeção dos pais biológicos, é possível que a adoção, ao final, receba uma sentença favorável aos adotantes. É um desafio em relação ao processo, pois em virtude do litígio, há que se instalar o contraditório, assegurando-se ampla defesa dos pais biológicos. Outro desafio diz respeito à adaptação de criança e adolescente com idades avançadas lar adotivo.
Qual é o papel do Estado e das instituições governamentais no acompanhamento pós-adoção?
SS: Após o trânsito em julgado de uma sentença que defere um pedido de adoção não há um acompanhamento específico. As instituições, no entanto, oferecem suporte semelhante aos disponibilizados legalmente às famílias com filhos biológicos. Após a adoção ser deferida, os pais adotivos assumem o poder familiar sobre os filhos adotivos. Portanto, o apoio e auxílio quanto à criação e educação dos filhos adotivos seguem padrões normais, similares aos realizados com filhos biológicos. Um exemplo disso é o papel do Conselho Tutelar: eles são acionados em situações que requerem intervenção, da mesma forma que ocorre em relação aos filhos biológicos. Não há distinção nesse aspecto.
Como a legislação brasileira protege os direitos da criança durante o processo de adoção?
SS: A proteção é o pilar central do Instituto da Adoção, atuando como salvaguarda para crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais estejam sob ameaça ou violação. Seja por abandono da família biológica, maus tratos ou qualquer forma de agressão, a adoção representa uma medida protetiva. O objetivo primordial da adoção é assegurar um desenvolvimento integral e saudável para crianças e adolescentes em situação de risco, abandono ou violência.
Durante o processo de adoção, o sistema judicial assume obrigações, particularmente quanto à avaliação minuciosa do contexto familiar adotivo para aferir a sua adequação na criação e educação da criança ou adolescente que será adotado. Essa análise é conduzida por equipes multiprofissionais compostas por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Eles visitam o lar dos futuros pais adotivos para avaliar se a adoção é adequada àquele caso concreto. Assim, a proteção do sistema de justiça se manifesta por meio desse cuidadoso processo de avaliação, no sentido de garantir a proteção dos direitos daqueles que serão submetidos à adoção.
Quais são os principais casos em que a revogação da adoção pode ser considerada segundo a lei brasileira?
SS: É fundamental ressaltar a distinção entre a entrega de crianças e adolescentes ao juiz para adoção e outras formas de cuidado. São contextos completamente distintos. Considerando a equivalência de direitos aos pais adotivos, tudo o que se aplica aos pais biológicos deve, em tese, aplicar-se aos pais adotivos. Por exemplo, se os pais biológicos têm a possibilidade de entregar seus filhos espontaneamente para a adoção, essa mesma possibilidade deve ser estendida aos pais adotivos. Da mesma forma, a destituição do poder familiar é uma possibilidade tanto para pais biológicos quanto para pais adotivos.
Isso não implica revogar a adoção, visto que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que a adoção é um ato irrevogável. No entanto, a destituição do poder familiar para pais adotivos pode ocorrer em casos extremos, como maus-tratos, violência, agressão, abandono, entre outros. As mesmas condições que justificariam a destituição do poder familiar para os pais biológicos são aplicáveis aos pais adotivos. Portanto, a questão central é reconhecer as situações de destituição do poder familiar dos pais adotivos, sempre observando o interesse superior das crianças e dos adolescentes, com prioridade máxima.
Como lidar com questões jurídicas complexas que possam surgir após a conclusão do processo de adoção, como a busca por informações sobre a família biológica da criança?
SS: Durante o processo de adoção, há um momento normatizado para a busca de integrantes da família extensa (tio, tia, avô, etc). Nessa fase, existe a possibilidade de buscar um integrante da família ou até dos pais biológicos. Lembrando que, mesmo após o processo de adoção, pode haver o interesse do adotado em descobrir suas origens, hipótese amparada pelo artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Esse artigo garante o direito das crianças e adolescentes adotados de buscarem suas origens, mesmo após a conclusão do processo de adoção. Isso inclui verificar informações sobre seus pais biológicos, residência e possíveis irmãos, mas o desejo geralmente se concentra em conhecer os pais biológicos. Esse direito é essencial, ligado à dignidade da pessoa humana.