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terça, 26 de novembro de 2024

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Sobre a destruição do Patrimônio Histórico de Pelotas ‒ NOTA DE REPÚDIO

Sobre a destruição do Patrimônio Histórico de Pelotas ‒ NOTA DE REPÚDIO
29 maio
13:37 2018

casarão Centro Histórico

É com grande insatisfação e perplexidade que nós, abaixo assinados, professores da Universidade Federal de Pelotas e de outras entidades ligadas à educação, ao patrimônio histórico ou a segmentos de cultura em nossa cidade, vimos, por meio desta, denunciar um ato que consideramos uma violação arquitetônica e ética grave no Patrimônio Histórico e Artístico pelotense. Durante aproximadamente 150 anos, Pelotas ergueu e conseguiu manter intacto um dos mais belos quarteirões edificados em toda a América do Sul. Possivelmente, o único no centro histórico de Pelotas. Trata-se da quadra, localizada a leste da Praça Coronel Pedro Osório, onde a partir dos anos de 1870, foram construídos os Casarões números 6 e 8, e remodelado o de número 2, os quais a partir de 1977 foram considerados Patrimônio Histórico Nacional através da inscrição no 526, no Livro Tombo de Belas Artes, e no 70, no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

Cabe lembrar que tal reconhecimento nacional permitiu que a Praça Coronel Pedro Osório e seu entorno fosse incluída primeiro no Programa Monumenta, e, na sequência, que Pelotas participasse do Programa de Aceleração do Crescimento ‒ Cidades Históricas. O ingresso nesses programas possibilitou que o município recebesse recursos federais para a conservação desses bens. O último constitui uma linha destinada exclusivamente aos sítios históricos urbanos protegidos pelo IPHAN. Portanto, nesse sítio, alterações podem fazer com que exista perda de autenticidade e, em decorrência, de reconhecimento e, como consequência, fique o mesmo fora dos incentivos à preservação.

A propósito deste quarteirão, Andrey Rosenthal Schlee, arquiteto e urbanista pelotense, atual diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, observou no ano de 2008 em seu artigo “Pela memória de Pelotas. Como sempre!” que é fundamental “a sobrevivência de um dos mais belos conjuntos arquitetônicos do século XIX, do Brasil.” (grifo nosso). Conjunto arquitetônico de valor nacional, o quarteirão onde estão localizados esses imóveis é composto por outras quatro residências de propriedade particular, todas elas devidamente inventariadas como bens históricos do município, duas em frente ao Theatro Guarany e duas outras cuja fachada tem frente para a rua Gonçalves Chaves (um dos prédios, aliás bem conservado e preservado, é onde funciona há muito anos o tradicional Curso de Francês Gilda Maciel).

O sobrado que faz diagonal com as ruas Lobo da Costa e Gonçalves Chaves, recentemente adquirido por um empresário local (cujo nome não importa aqui, pois o foco é a administração pública), ou seja, o prédio que fica em frente ao Theatro Guarany, teve um projeto arquitetônico autorizado por determinado setor do poder público local há alguns meses, autorização que, a nosso ver, bem representa o fenômeno destrutivo que permite o avanço da especulação privada ou da ignorância sobre a importância do patrimônio histórico para o presente e o futuro da cidade.

Cabe também lembrar que no Plano Diretor de Pelotas vigente, a Praça Coronel Pedro Osório e seu entorno estão presentes nas Áreas Especiais de Interesse do Ambiente Cultural, nas Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural e, particularmente, são Focos de Interesse Cultural, onde ficou definida a seguinte delimitação: “ao norte, pela Rua Sete de Setembro, da Rua Andrade Neves à Rua Gonçalves Chaves; a leste, pela Rua Gonçalves Chaves, da Rua Sete de Setembro à Rua Tiradentes; ao sul, pela Rua Tiradentes, da Rua Gonçalves Chaves à Rua Andrade Neves; a oeste, pela Rua Andrade Neves, da Rua Tiradentes à Rua Sete de Setembro, incluem-se na área todos os lotes voltados para as vias limítrofes.” (grifo nosso).

A Praça e seu entorno foram consideradas Focos de Interesse Cultural “por ser o núcleo do Segundo Loteamento, conferindo-lhe caráter de referência históricocultural. Constitui a área de localização da principal praça da cidade ‒ Praça Cel. Pedro Osório, em cujo entorno encontram-se os principais prédios históricos tombados, com unidades tipológicas de características formais ecléticas, consagradas e reconhecidas como patrimônio cultural do município”. (grifo nosso).

Em especial, Pelotas, desde sua formação no século XIX, teve três riquezas que foram determinantes para o seu desenvolvimento: o comércio, a educação e a cultura. Todos estes setores, entretanto, interligam-se por meio de um só: a singularidade de nosso patrimônio arquitetônico. Se ele for e continuar sendo ameaçado, Pelotas terá um destino semelhante a muitas outras cidades que orbitam somente em torno do comércio, e perderemos também muito no que diz respeito aos que aqui vêm em busca da educação e da cultura. Isto para não dizer que também está ameaçado um dos setores mais importantes, mas ao mesmo tempo ainda incipiente na cidade: o desenvolvimento do turismo. Não restam dúvidas que o turismo propicia obter recursos. Em muito, na atualidade, está vinculado à integridade dos centros históricos.

Pedimos assim, por meio deste, a demolição da referida obra ‒ em nome da história, da memória e de muitos cidadãos pelotenses de ontem, de hoje e do amanhã.

Não podemos mais viver de aparências e de fachadas, e reiteramos o que já foi dito na Carta de Pelotas, elaborada pela Comissão do Patrimônio Cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil em 1978: Só se protege o que se ama, mas só se ama o que se conhece.

Assinam o documento, por ordem alfabética: Aldyr Garcia Schlee (escritor), Ana Lúcia Costa de Oliveira (arquiteta e urbanista), Carlos Alberto Ávila Santos (Professor Colaborador no PPG em Memória Social e Patrimônio Cultural/UFPel), Carlos Augusto Posser (agrônomo e pesquisador da Embrapa), Daniel Furtado (professor Centro Artes/UFPel), Eduardo Almeida (advogado), Ester Judite Bendjouya Gutierrez (arquiteta e urbanista), Fábio Vergara Cerqueira (professor do PPG em História e do PPG em Memória e Patrimônio/UFPel), Guilherme Michels (médico), Guilherme Pinto de Almeida (arquiteto e urbanista), Junelise Martino (mestranda educação/UFPel), Leandro Maia (professor do Centro Artes/UFPel), Luís Rubira (professor de ética do Depto de Filosofia/UFPel), Maria Leticia Mazzucchi Ferreira (coordenadora do PPG em Memória e Patrimônio/UFPel), Maurício Polidori (diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/UFPel), Paulo Gaiger (músico e professor do Centro de Artes/UFPel), Paulo Rosa (médico e psicanalista) Maria Falkembach (professora de Dança/UFPel), Ursula Rosa da Silva (diretora do Centro de Artes/UFPel), Vitor Ramil (músico, compositor e escritor).

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