TEATRO: Resquícios da escravidão no trabalho doméstico
Nesta quarta às 17h20min no CEARTES da UFPel, performance abordará discriminação e exploração
Por Carlos Cogoy
A sua experiência e de familiares, trabalhando no serviço doméstico ou atividades de limpeza, possibilitaram constatar as raízes escravocratas. Posteriormente, a partir dos relatos de empregadas domésticas, e entrevistas com trabalhadoras, ela foi idealizando a performance. E a estudante de teatro Luciane Ávila (UFPel), nesta quarta realizará “Mostra de Encenação” para a disciplina de Encenação Teatral I, ministrada pelo professor Adriano Moraes. A atuação acontecerá às 17h20min, e o local será a sala 102 do bloco 1 do Centro de Artes (CEARTES/UFPel) – rua Cel. Alberto 62. ENTRADA FRANCA.
PERFORMANCE originou-se, diz Luciane, na disciplina “Pedagogia do Teatro 3”, que foi ministrada por Davi Giordano. “A performance oferece novas significações aos modelos clássicos de representação do que é arte e do que podemos realizar através da mesma. Quando concebi o programa, resolvi relacioná-lo à minha trajetória. No que se refere aos aspectos cênicos, Eleonora Fabião e Richard Schechner foram as primeiras leituras que fiz sobre essa linguagem, e me auxiliaram a pensar em performance. Para essa apresentação pesquisei o trabalho de Denise Stoklos. Ma compreendo que a performance que idealizei se distancia no quesito gestual proposto por Stoklos, porém se aproxima nas problemáticas individuais e coletivas, principalmente nas narrativas femininas. No entanto, abordo o papel social da mulher que trabalha ou trabalhou com o serviço doméstico e de limpeza. Além disso, enfatizo as narrativas das mulheres negras nessa forma de trabalho”.
TRABALHADORAS – Estudante do quinto semestre, Luciane explica: “Diversas foram as inspirações para a montagem da cena. Quando conversava com uma colega sobre o trabalho, ouvi: ‘Ela não quer pagar os meus direitos, mas o valor do chocolate que ela compra é mais caro que a minha faxina. Faz questão de me guardar um pedaço, diz que gosta de mim como se eu fosse da família’. Essa relação das empregadas domésticas ‘da família’, mas que não têm seus direitos como trabalhadoras respeitados, me motivou a pensar na performance. Além disso, conheci a página do Facebook ‘Eu empregada doméstica’, administrada pela Joyce Fernandes, na qual ela publica relatos e anúncios abusivos que tenham relação com o serviço doméstico. Os episódios me motivaram a querer falar sobre a ‘desproteção social’, e a baixa remuneração, fatores que, em grande parte, estabelecem essas relações de trabalho. Para a apresentação, além dessas narrativas, entrevistei trabalhadoras domésticas que contaram fatos sobre a vida de uma empregada, relatos de faxinas em troca de roupas velhas e comida, bem como mulheres que foram presas em casa por suas patroas. Além disso, já tive a oportunidade de apresentar a performance em Pelotas, e também em Rio Grande. No encerramento, houve relatos de experiências. Algumas das narrativas farão parte da apresentação”.
INFLUÊNCIAS – A atriz acrescenta: “Como influência, cito autores e autoras que me interpelaram.
Então, Nilma Lino Gomes, Kabengele Munanga e o Abdias do Nascimento, são alguns nomes que me auxiliam a pensar sobre o racismo na sociedade brasileira e possibilidades para o seu enfrentamento. Em específico, o Abdias é uma referência para os movimentos negros, e para o teatro brasileiro justamente por criar possibilidades de atuação para atores e atrizes negras. Já no aspecto historiográfico, ressalto o pesquisador Jorge Euzébio Assumpção, autor de ‘Época das Charqueadas (1780-1888)’. Ele aborda que, no extremo sul do país, a participação de africanos escravizados e seus descendentes, ocorreu antes mesmo da formação de um estado com domínio lusitano. Conforme o pesquisador, no pólo charqueador pelotense era maciça a presença de trabalhadores negros escravizados. Nesse sentido, realizar uma experiência performática, sobre os resquícios da escravização, numa cidade que está intimamente ligada com a charqueada, é extremamente relevante. A construção da performance busca provocar questionamentos sobre as heranças escravistas no Brasil, especialmente na região Sul”.
HERANÇA escravista, caracteriza o trabalho doméstico. Luciane reflete: “O próprio trabalho doméstico é uma herança dessa época pois, sob a responsabilidade da escravizada, ficavam as tarefas da casa e os cuidados com os filhos da patroa, muitas vezes sem a possibilidade de cuidar de seus próprios filhos. Não adianta falar que a empregada é quase ‘da família’, se não oferece para essas trabalhadoras, condições dignas no serviço. Por isso, meu figurino será o uniforme branco frequentemente utilizado pelas trabalhadoras domésticas. A ideia é demarcar que ainda não superamos as fronteiras entre a Casa Grande e a Senzala”. Para Luciane, a experiência da performance poderá ser base para novos projetos.