Diário da Manhã

terça, 05 de novembro de 2024

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EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA : Aprender com a ação direta, autogestão e apoio mútuo

16 maio
17:51 2016

Pela educação sem burocracia, sem autoritarismos, sem hierarquias, comando e obediência, prêmio e castigo

Por Carlos Cogoy

autonomia na contramão das regras e exigências que engessam e limitam. O senso coletivo ao invés do individualismo instigado pelos valores capitalistas. A descoberta prazerosa do aprendizado, contrariando o disciplinamento e hierarquia. A pesquisa e debate sobre o anarquismo, em detrimento das tradições marxista e liberal. Alguns dos pressupostos que embasam a educação libertária. Nesta semana na UFPel, jornada terá conferência, rodas de diálogo, trabalhos e lançamentos de livro e revista. O professor Paulo Marques (FaE/UFPel), um dos organizadores, realizou o mestrado em sociologia na UFRGS. Ele menciona: “Pesquisei a autogestão em empresas que quebraram, e foram abandonadas pelos donos. Posteriormente, foram recuperadas pelos próprios trabalhadores em regime de autogestão.

Foram mais de cem empresas que passaram por esse processo em várias cidades do Brasil. Pesquisei três experiências de empresas metalúrgicas na região metropolitana de Porto Alegre que foram autogestionadas pelos operários. Pude perceber o quanto a autogestão é possível, mas ao mesmo tempo tem enormes obstáculos em uma cultura que não conhece o exercício da autonomia e necessita de um aprendizado, de uma educação para isso”. Sobre o doutorado na Espanha: “Enfoquei a autogestão no campo do trabalho e produção, envolvendo pequenas cooperativas autogestionadas pelos próprios trabalhadores, que  se organizam em redes e fóruns. Esse período de estudo me permitiu pesquisar a experiência mais profunda de autogestão da história, que foi a realizada pelos anarquistas na Catalunha, durante a Revolução Espanhola de 1936”.

EDUCAÇÃO – Paulo aborda em relação à educação: “A proposta educacional dos anarquistas é a da  autogestão pedagógica. Que nada mais é  do que a forma onde cada um, de maneira autônoma, decide e realiza aquilo que lhe diz respeito, no caso a educação. Sem nenhum tipo de autoridade externa. É um exercício prático de autonomia. A educação como exercício de liberdade e autonomia, essa sempre foi a essência da proposta educacional anarquista que recebeu o nome de educação libertária”. A filosofia libertária, porém, de acordo com Paulo Flores, foi legada ao “esquecimento” pelos pensamentos marxista e liberal. No entanto, educadores libertários foram pioneiros, ainda no século 19, em experiências que somente a pedagogia mais contemporânea iria abordar. São questões como a co-educação entre os sexos, não diretividade, cooperação, educação integral, politecnica, saberes vinculados à prática, interdisciplinaridade, fim dos prêmios e castigos, autodidatismo, vínculo entre cultura e educação. Entre as experiências, menciona Flores, a Escola Moderna de Barcelona de Francisco Ferrer, A Colméia de Sébastien Faure, ambas no início do século 20. No Brasil, imigrantes ao final do século 19, criaram os Ateneus Sindicalistas, Escolas Modernas e Universidades Livres. Em destaque, João Penteado, Maria Lacerda de Moura, Zenon de Almeida e Malvina Tavares.

ESCOLA – “É uma necessidade do capitalismo esse modelo educacional  adestrador e formatador. Seja para formar pessoas obedientes, disciplinadas e cumpridoras de ordens, seja para garantir que os pais trabalhassem e deixassem seus filhos sob controle do Estado. A Escola é um instrumento de dominação do Estado-Nação, da sociedade de controle de que nos fala Foucault. E ela cumpre muito bem essa função. Então a questão é discutirmos se queremos que ela continue  cumprindo  essa função ou não,  e se existe possibilidade de mudá-la. Os marxistas sempre acreditaram na possibilidade de  ‘mudar a Escola’. Entretanto, esquecem que a  essência heterônoma das instituições não muda. Senão não seriam instituições. Para existirem necessitam de hierarquia, comando e obediência, autoridade. Não há espaço para a autogestão.  Essa foi a crítica de Ivan Illich, cada vez mais atual. A Educação para Illich não precisa de Escola, inclusive a escola é anti-educativa. Enquanto muitas experiências educativas de escolas privadas já avançaram no aspecto de modernização pedagógica, as escolas públicas permanecem paradas no tempo, como raríssimas exceções.  Mas não tenho essa esperança de que instituições deixem de ser instituições. Nesse sentido vejo que o debate da desescolarização é fundamental. O debate proposto por Illich nos anos setenta, com enorme rigor intelectual de análise do significado das instituições na sociedade capitalista contemporânea. Ivan Illich estava à frente do tempo dele e ainda está à frente do nosso”, afirma Paulo Flores.

UNIVERSIDADE na opinião de Flores: “A universidade é uma instituição estatal e, portanto, um espaço no qual não cabe a autogestão. Ela é heterônoma,  como toda e qualquer instituição. Ao contrário dos marxistas que têm a ilusão de disputar o Estado e transformar suas instituições, os anarquistas optam por construir seus próprios espaços autônomos. Foi assim que no século XX criaram  suas próprias escolas e Universidades Livres, sem nenhuma interferência do Estado. E hoje também, mesmo que atuem nas instituições como estudantes, professores, a sua prioridade é criar seus próprios espaços autônomos”.

Jornada na UFPel

Amanhã às 19h acontecerá abertura da “1ª Jornada de Educação Libertária – A educação de anarquistas: ontem e hoje”. Programação gratuita com rodas de diálogo, trocas de experiências e lançamentos de publicações. Atividades até sexta. A realização é do Grupo de Pesquisa Educação Libertária & Anarquista (GPEL&a/UFPel).  A programação completa e inscrições estão “online”: jeduliber.wix.com/educacaoanarquista

Prof. Paulo Flores (UFPel)

Prof. Paulo Flores (UFPel)

HORIZONTAL – O professor Paulo Marques (UFPel), expressa:  “’Jornada’ já tem a pretensão de fugir dos tradicionais ‘Congressos de especialistas’, ou Seminários de ‘autoridades no assunto’.  Então, é horizontal, e aquele que virá será por sua própria conta. Não será cobrado nada. Mas estamos fomentando a autogestão da participação. Temos uma programação com rodas de conversa a partir de um painel inicial, e as apresentações de trabalho que serão também mais uma troca de saberes”.

ABERTURA terça no auditório da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUrb/UFPel) – rua Benjamin Constant nº1359. Flores destaca: “Teremos a conferência com o professor doutor Rodrigo Rosa da Faculdade de Educação da USP, e integrante da Editora Biblioteca terra Livre. Ele falará sobre a história da Educação Libertária e também lançará o livro ‘A Colmeia – Uma experiência pedagógica’ de Sebastién Faure, que teve apenas uma edição brasileira em 1919 e que agora é novamente reeditada”.

“Ethos” libertário

Transformações no mundo do trabalho, campo do conhecimento, novas tecnologias e mudanças comportamentais. A realidade contemporânea tem provocado novas questões ao anarquismo. O professor Paulo Flores observa que tanto há a ideologia que “busca certa pureza com a reflexão e conceitos do século 19, quanto os diálogos provocados por pensadores pós-modernos e pós-estruturalistas”. Entre os autores que contribuem com a perspectiva libertária, estão Nietzsche, Foucault, Deleuze, Michel Onfray.

ETHOS – Mencionando autores na área da educação, como Alexandre Neill, Ivan Illich e o espanhol Pedro Garcia Olivo, Flores ressalta o sentido libertário de suas obras e pensamento. Eles não se identificavam como anarquistas, mas foram questionadores libertários. “Também entendo o anarquismo como ‘ethos’ libertário. Assim, o comportamento em relação a si ao outro e a vida, as vivências libertárias , novas formas de vida para além da lógica capitalista. São ações que expressam o anarquismo hoje.  Se no capitalismo se ‘sobrevive’, a busca libertária  é tentar viver, apesar do capitalismo. É como em relação à educação. Podemos dizer que a educação é possível, apesar da escola. Criar e experimentar formas de vida não mercantilizadas, não opressivas assim como formas de educação sem burocracia, sem autoritarismos, sem hierarquias, comando e obediência, prêmio e castigo. São ideias que, creio eu,  todos concordam, mas que têm enorme dificuldade de praticá-las. Porque isso requer um outro ‘ethos’, um comportamento libertário. Mas creio que o ethos libertário é algo que está muito mais vinculado ao devir , ao experimentar, onde cada um pode dar-se a si próprio a possibilidade de construir uma vida menos miserável que essa oferecida pelo capitalismo. Uma vida auto-construída, como obra de arte como dizia Nietzsche ao falar dos espíritos-livres, em comparação com os ‘espíritos-cativos’ que eram exatamente aqueles que saiam da educação adestradora e formadora de ‘funcionários’ do sistema”.

Debate realizado no coletivo “Okupa 171” em Pelotas

Debate realizado no coletivo “Okupa 171” em Pelotas

Grupo de estudos sobre educação libertária

Há quase dois anos está em atividade o Grupo de Estudos sobre Educação Libertária. A iniciativa surgiu na disciplina de fundamentos sócio-históricos-filosóficos da educação, ministrada pelo prof. Paulo Flores aos cursos de licenciatura na UFPel. Conforme explica, houve a necessidade de aprofundar sobre a educação libertária, já que historicamente tem predominado o viés marxista na área da educação. Além da teoria, proposta visa também a prática, baseada na auto-organização, autogestão e autodidatismo. Para participar não há necessidade de matrícula ou vínculo com a universidade.

PRÁTICA – Ano passado, o grupo organizou ciclo de cinema. As reuniões são quinzenais, e houve encontros na Biblioteca José Saul do espaço de vivência autogestionária da “OKUPA 171”, e na Ocupação Coletiva de Arteirxs (OCA). O calendário de atividades é divulgado no Facebook. Saiba mais acessando: libertariosufpel.blogspot.com.br

ESTUDO também acontece na disciplina optativa de educação libertária, com Paulo Marques, cujas aulas são sextas à tarde, também podendo participar alunos ouvintes.

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