Campanha “Kilombo fica” é lançada em audiência pública
Plenário do Legislativo esteve repleto na solidariedade ao “Canto de Conexão”
Por Carlos Cogoy
Pela permanência do Kilombo Urbano Ocupação Canto de Conexão, que completou cinco anos, e transformou o prédio abandonado – esquina das ruas Álvaro Chaves e Benjamin Constant -, num espaço que, tanto fomenta atividades artístico-culturais, quanto realiza mutirões para erguer chalés a famílias sem moradia, bem como proporciona centenas de refeições a desempregados e famílias sem-teto, o plenário da Câmara Municipal, esteve repleto na terça à noite. Dezenas de representantes de movimentos sociais e lideranças comunitárias, expressaram solidariedade ao Kilombo Urbano, que está ameaçado de remoção, já que há um pedido de reintegração de posse – embora, juridicamente, existam muitas questões em aberto. Como contraponto ao público que lotou o Legislativo, a presença de apenas quatro vereadores: Carla Cassais (PT), proponente da audiência; Paulo Coitinho (Cidadania); Fernanda Miranda (PSOL); Jurandir Silva (PSOL). A íntegra do evento, com três horas de duração, e momentos de emoção e reflexões sobre ancestralidade, igualdade racial, direito à moradia, e luta por justiça social, pode ser assistido no Facebook, acessando TV Câmara Pelotas.
KILOMBO FICA é campanha que, através de material de divulgação, foi lançada no evento. O tema, durante as falas do público, foi recebendo apoio de participantes como Eva Santos (Coletivo 8M), professor André Pereira (Comissão de Reestruturação do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra), pesquisador Nino Rafael Medeiros Kruger (Observatório dos Conflitos da Cidade/ UCPel), Catharina Motta (Coletivo Antirracismo O Melhor de Cada Uma), Ìyá Sandrali (Conselho Municipal do Povo de Terreiro de Pelotas), professor Maurício Polidori (diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUrb/UFPel), Griô Dilermando Freitas, secretário municipal Paulo Pedrozo (SECULT), escritora Helena Manjourany (CONCULT), Barbara Hypolito, representando o Comitê de Desenvolvimento do Loteamento Dunas (CDD), Kitanji Goulart Nogueira (Fórum Nacional de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana), Isadora (Rede de Habitação de Interesse Social e Eficiobra), ex-reitor Mauro Del Pino (UFPel), ator Cid Branco, educador Otávio, morador Jairo. O vereador Jurandirsugeriu que os participantes, além das moções de apoio, também expressassem num documento, a necessidade de defesa do Kilombo Urbano.
COMUNIDADE NEGRA – O professor André Pereira (IFSul), leu a manifestação do Conselho da Comunidade Negra. Trecho: “A Comissão se solidariza com a defesa da permanência do Kilombo Urbano Ocupação Canto de Conexão, na estrutura que hoje ocupa. Considerando a realidade evidente de que o Kilombo rompe com as lógicas de segregação e desigualdade, e propõe alternativas de sociabilidade que propiciam, que, as pessoas que ali encontram acolhida, possam retomar o sentido da noção de vida digna. E isso não se resume apenas ao trabalho de caridade ou voluntariado, mas também a disposição para refletir sobre o direito à cidade. A cidade precisa ser um espaço de uso coletivo, racional e equânime. O Kilombo tem esse modelo por princípio e vem demonstrando nestes anos de atuação que é possível fazer desta lógica uma forma estrutural de aproveitamento da cidade”.
ANCESTRALIDADE foi representada na fala emotiva da senhora Claudete Lessa, que destacou o quanto o espaço estava degradado, e o quanto já foi realizado de forma coletiva. Já a Ìyá Sandrali, que concorreu à vice-prefeita em 2020, em nome do Conselho do Povo de Terreiro, fez um apelo à designada elite pelotense. “O espaço é ocupação daquilo que nos pertence, não foi de graça e não é invasão. Nossa emoção é propositiva. Nós cansamos de derramar lágrimas por vocês, elite dessa cidade. Porque desde que aqui chegamos, temos derramado lágrimas por vocês. Temos abençoado essa terra, com as nossas lágrimas, e com o nosso sangue. Portanto, cabe a vocês, agora, retribuir minimamente a construção que inicia com o trabalho do nosso companheiro, do nosso líder, daquele que, muitas vezes, a gente tem alguns embates mas, que, com certeza, estaremos juntos nessa luta. Uma luta que é forte e contundente, como a súplica dos nossos deuses. Nessa luta que nossas vozes, e nossos sons, se conectam no Kilombo Urbano, que tem o nome conexão. E conexão é o maior princípio da humanidade, que está ligado a tudo que existe, as pedras, matas, rios, vivos e não vivos. Esse Kilombo Urbano que se encontra numa encruzilhada, pois rompe com uma linearidade, que se apresenta para a elite, o sistema branco, e não falo das pessoas brancas, ou seja, o sistema racista, machista, LGBT fóbico, denominações que não foram criadas por nós, mas pelo próprio sistema. O Kilombo Urbano, enquanto estávamos nos protegendo em casa, estava se expondo, auxiliando aqueles que se colocaram nas ruas, à mercê da falta de política pública de moradia, saúde, educação. É tempo de cruzar com Ogum, senhor das inovações tecnológicas. E o Kilombo mosta que a inovação só tem sentido, se estiver à disposição daqueles que mais necessitam”.
VULNERABILIDADE – O pesquisador Nino Kruger, apresentou números sobre o empobrecimento, da população e a questão a habitação no País. Conforme afirmou, são 142 mil famílias ameaças de despejo. Segundo Nino: “Os despejos são mais uma camada da violência estrutural”. No Estado, mais de quinze mil famílias, estão em conflito com a posse da moradia, e oito mil ameaçadas de despejo. Em 2019, conforme a Secretaria Municipal da Habitação, 1/3 da população pelotense vivia de forma precária, como áreas irregulares e sem serviços básicos como água e luz. De acordo com Nino, 33 mil famílias necessitam de investimentos em habitação. Em contraponto no município, constam como vazios, 11.805 prédios e lotes que não cumprem função social.
EXEMPLO – Para o diretor da FAUrb/UFPel, professor Polidori, a experiência do Canto de Conexão é exemplo de aproveitamento do espaço, com viés coletivo, e criatividade em várias frentes. O diretor acrescentou que integrantes da ocupação, já palestraram na faculdade de arquitetura, e frisou que o conceito de propriedade é relativo, devido à necessidade de inserção social. Sobre a segurança no local que, antes da ocupação, agregava criminosos, manifestaram-se o produtor cultural Manoval, médico Luciano Texeira, historiadora Sana Gasparatto (UFPel), residentes nas imediações. Eles destacaram que o
Kilombo contribui para a sensação de segurança. A vereadora Fernanda Miranda observou que a situação jurídica sobre a posse do local, envolve a Marinha, e precisa ser esclarecida, inclusive diante da possível falta de pagamentos do IPTU.