ASILO DE MENDIGOS : A Páscoa dos esquecidos
Não tem nenhum cesto cuidadosamente enfeitado e repleto de ovos de Páscoa. Porém, qualquer mudança na rotina ou visita inesperada já é o suficiente para estampar sorrisos nas faces dos idosos.
Por Marcelo Medeiros Rota
O histórico e pomposo prédio na volta da praça Dom Antônio Zattera, fundado em 1882, não condiz com a vida simples e solitária que se leva ali dentro. O asilo, hoje desvinculado da Igreja Católica, precisa contar muito com a boa vontade de instituições e pessoas solidárias tanto para algumas atividades rotineiras, quanto para ocasiões especiais.
A maior alegria do feriado foi uma mãe que levou os filhos fantasiados de coelhinho, desejando Feliz Páscoa com abraços e distribuindo orelhinhas para todos. “Pareciam uns anjinhos. Tão atenciosos e gentis. Nunca vi as senhoras tão felizes… Fantasiadas, recebendo abraços e desejando muitas felicidades para as crianças.”, disse emocionada Beatriz Xavier, que tem muito orgulho do seu trabalho e de ser a primeira presidente mulher da instituição. Atitudes simples como esta enchem os moradores do Asilo de Mendigos de alegria.
Diversos residentes do asilo não recebem uma visita sequer. Muitas vezes não são eles que esqueceram o nome dos parentes, seus nomes é que não são lembrados pelos familiares. “As visitas que eu recebo são das pessoas que vem nos visitar e que já sabem meu nome e são meus amigos. Minha família… não vem porque não quer”, admite sem mágoas José Carlos Garcia, 73 anos. Nos feriados esta situação não é diferente. No entanto, pessoas como os músicos Januário Faria e Serafim Medeiros e Carmem Pereira (que vai sempre ao asilo para fazer as unhas das senhoras que, apesar da idade, não perderam a vaidade) não deixam jamais de visitar o asilo nos feriados.
Na quinta-feira estavam lá a dupla de músicos (com a participação de José Peter no pandeiro) animando a tarde e fazendo o fundo musical para as trovas de Noé e Carmem, que também não poderia deixar de comparecer. Ela conta que fez curso de manicure e não exerce o ofício profissionalmente, mas diz que a gratificação em ver a espera e a alegria das vaidosas senhoras não tem preço. Januário vai há cinco anos ao asilo com sua gaita, há três anos que Serafim leva o seu violão e Carmem já perdeu as contas de quanto tempo faz que visita o asilo. O zelo da presidente Beatriz mantém o jardim e o interior impecáveis, o que provavelmente ajuda a aplacar a solidão nas salas de pé-direito alto.
O Trovador Oficial do Asilo
Nenhuma visita ao Asilo de Mendigos é completa sem que se conheça Ataltiba Noé Lucas, o trovador oficial do asilo. O seu quarto é repleto de recortes de jornais, poesias pela parede e imagens que ilustram as suas pesquisas. Noé junta todo o tipo de informação a que tem acesso e vai estudando. Guarda uma quantidade enorme de cadernos, com quem passa as noites escrevendo em seu escritório (uma mesa e uma cadeira improvisadas ao lado da cama). Já trabalhou em muitos lugares, diz que já viajou muito e que seu pai lhe ensinou o gosto por viagens, conhece o Brasil do Oiapoque ao Chui.
Noé nunca titubeia em mostrar seus dotes, basta dar o mote que logo já faz uma trova. Sobre o feriado de Páscoa ele cantou assim: “Boa tarde meu senhor, pois aqui ninguém se arrasta / Aqui, todo mundo, pertence à mesma raça / Com a saudade meus amigos, desejo uma Feliz Páscoa”. E dizendo ser um leitor assíduo do DM, o que soa como verdade pelo número de recortes do jornal, emendou uma homenagem: “Vou dar minha saudação pra turma desse jornal / Vou cantar para vocês, estilo tradicional / Estou homenageando vocês, que são parte desse jornal”. Em meio à solidão característica das casas de idosos, Noé encontra sua companhia na música, nas letras e nas muitas visitas que recebe.