Escritora da liberdade na “Kizomba”
Domingo às 14h na “Praça da Rodoviária”, escritora Rosana Soares ministrará oficina de contos e crônicas
Por Carlos Cogoy
Guerra Muda, Luzes de Neón e O Acerto. Contos da pelotense Rosana Soares, que integraram a coletânea da primeira oficina de criação literária, ministrada pela escritora Hilda Simões Lopes. Era 1998 e Rosana teve a experiência de ver seus textos publicados. Para chegar até a sessão de autógrafos, etapas como a leitura de “romances açucarados”, narrativas manuscritas em cadernos, e a oficina que estimulou debates sobre autores e textos dos integrantes. Leitora das crônicas da jornalista e escritora Teresa Cunha, Rosana encorajou-se e levou romance – ainda inédito – para avaliação. A jornalista percebeu o talento e sugeriu a participação na oficina de literatura. A ideia teve acolhida da escritora Hilda Simões Lopes. Na oficina, Rosana teve acesso a diferentes obras literárias. Também foi orientada em relação à escrita, e aprimorou sua técnica. Desde então, trajetória diversificada. E Rosana dedicou-se à literatura de cordel, elaborando livretos manualmente. Também teve o conto “A perua e o sapo” adaptado ao teatro. Em concurso literário, foi a sexta colocada no País, concorrendo com 1.700 escritores.
Também foi uma das idealizadoras da ONG Literatura Artesanal (LART). Ela e cinco autoras publicaram coletânea. Rosana participou com os textos “Lara Bianque” e “Enrolando silêncio”. No projeto CRIA, desenvolveu ações voluntárias com crianças e adolescentes. Desde 2012, acatando sugestão do filho Liader, divulga sua literatura no site Recanto das Letras. No domingo, Rosana estará compartilhando sua experiência e trocando ideias na programação do 7º Seminário da Consciência Negra de Pelotas (SECONEP). Ela foi convidada pela professora Carolina Baptista Gomes (UFPel). Na “Kizomba” que será realizada na Praça da Rodoviária – avenida João Goulart 4.608 -, apresentará textos e incentivará o público à literatura. Ela também convida autores, para que prestigiem e exponham suas criações.
LIVRE – Em 1996, motivada pela então ONG Griô, Rosana expôs crônicas na Feira do Livro. Ela adaptou textos à temática étnica e recorda da crônica “Confissões de um negro decente”. Mas, como autora, refuta o rótulo de “escritora negra”. Assim, enfatiza que, tanto pode escrever acerca da discriminação racial, quanto as mais variadas questões humanas. Escritora livre, Rosana comenta: “O grupo precisava de uma negra que escrevesse. Eu queria mostrar que sabia, mas gostava de escrever de tudo. Então, foi quase um choque, pois tive de falar sobre racismo num momento em que estava totalmente despreparada, e nunca havia me interessado em ler nada sobre o assunto.
Tive de ler para saber o que dizer, e não me sentia à vontade fazendo isso. Tanto que minhas crônicas viraram críticas. A única que gostei foi ‘Confissões de um negro decente’. No texto, me transformo num jovem adolescente dos anos oitenta. Me expressando como um guri, coloquei coisas que ouvi falar ou me contaram. Me senti bem à vontade com essa crônica narrativa”.
NEGRA – A escritora acrescenta sobre a trajetória e a discriminação: “Antes de aprender a ler, a única pessoa que sabia, mais ou menos, era uma das tias. Ela lia uma estorinha que tinha um anjinho, não lembro o que era. Recordo que era curtinha e eu adorava ouvir. Quando aprendi a ler fui até ela pegar o livro. E li muitas vezes em voz alta, toda orgulhosa. Daí nasceu minha mania de ler mil vezes o mesmo livro, quando gosto da estória. Escrevi sobre isso, sobre minha infância, numa crônica, observando que fui feliz enquanto criança. Nem lembro da nossa humildade. Sobre racismo então? Quase nada. Só algumas frases que não entendia, mas que carreguei pra vida adulta: ‘se não fosse negro, isso não aconteceria’; ‘se fosse branco seria diferente’. A experiência me bloqueou um pouco, ou muito, e sempre tive aquela impressão: ‘onde é meu lugar como negra?’. Assim, o que achava que fosse timidez, na verdade, por ser negra, era a dificuldade de saber como seria tratada em certos lugares”.
ABERTURA à criatividade conforme Rosana: “Me surpreendi quando comecei a escrever sobre racismo. Não desconfiava que soubesse tudo o que li. Entrei em blogs de ativistas, conheci a história da escritora negra Conceição Evaristo, e pretendo ler um dos seus livros. Mas quero estar aberta a qualquer tipo de texto, história, sem ficar me prendendo em questões raciais. Liberdade de expressão serve para todo mundo, inclusive pra mim”.
Textos inéditos de Rosana
A escritora pelotense tem inúmeros textos inéditos. São contos, crônicas e romances. Ela menciona: “Material para publicar um livro de crônicas? Nossa! Está pronto, esperando correção. E a capa foi feita pelo filho, que estuda design. Contos inéditos? Nem tanto, mas, se pedir, veja se não vou aparecer com pelos menos uns oito. Já os romances, enquanto não forem reescritos, não pretendo escrever novos”.
FILHO – Durante período, Rosana escreveu histórias infantis e participou de teatro de fantoches. Há três anos, diz a autora, esteve com o filho na Bienal do Livro de São Paulo. Ela salienta a parceria afetiva: “Pedi a Deus para ser mãe, e fui presenteada com um cara que é minha versão masculina. Aos 21 anos, bem mais adulto do que eu nessa idade. Desde os três anos, meu parceiro em feiras do livro e eventos. Aos dez anos aprendeu a desenhar. Então não dei mais sossego, pedindo que ele desenhasse às crianças nas casas lares, onde fizemos trabalho voluntário durante seis anos. Temos a amizade, sabedoria e cumplicidade de mãe e filho. E o Liader, desde os dezesseis anos, foi aprovado em quatro vestibulares. Ele é formado em comunicação visual, e está cursando o bacharelado em design. Formador de opinião, alugo ele para que leia meus textos e diga o que acha. Também é o meu fotógrafo e se tornou um grande leitor. Quando nos mudamos, tínhamos mais livros do que móveis”.
Criação literária sem pressão
Rosana foi instigada à reflexão sobre o racismo. Sentiu a necessidade do afastamento, e gradativamente vai localizando sua identidade. Na criação literária, salienta que não admite “patrulha”.
APRENDIZADO – “Tenho uma crônica que se chama ‘A Difícil Arte de ser Negro’. No texto digo exatamente sobre como a gente é visto, e quer ser visto. Não sou militante mas admiro e conheço alguns até famosos e seus ‘blogs’. Não concordo com a pressão de alguns ativistas em relação a questões do negro. É o enfoque no qual prevalece que o negro, por ser negro, ‘tem’ que saber. Não gosto de ser pressionada, e fui me aprofundar realmente quando me convidaram para participar do evento. Lia esporadicamente, uma coisa ou outra. E fui me interessando em conhecer mais, até para não escrever bobagens. Mas, com a idade adulta, aprendemos a nos colocar melhor. A maturidade, quando bem aceita pelo indivíduo, traz respostas a inúmeras inquietações juvenis. Estou mais receptiva em relação a minha etnia, para saber mais e aprender mais. Só não gosto de me destacar por ser negra e morar na periferia. Acho justo que o branco, se destaque também por ser branco e também morar na periferia. Queremos direitos iguais, somos bonitos, tanto quanto os brancos, cantamos e dançamos como qualquer outra etnia. Então, por que ser tratado diferente por ser negro de periferia e escrever?”, questiona.
Ler e escrever
A escritora observa sobre o prazer da leitura o crescimento com a escrita: “É aquela viagem sem sair de casa, que nos faz refletir, aquele momento só meu. O livro novo é cuidado para que não seja amassado. Ao abrir a capa, descobrimos um outro mundo. E damos risadas, contamos como se tivéssemos vivido aquilo. Já criar um personagem, dar voz sem emitir nenhum som, um corpo, uma personalidade, nossa! Ler é se permitir, aprender a escrever melhor, a falar corretamente. Quem nunca correu para o dicionário, querendo saber o significado de tal palavra que lhe chamou atenção? Pronto, bastou essa necessidade e está enriquecido o seu vocabulário”.