CONGRESSO DO FÓRUM SOCIAL : Grande mídia constrói valores conservadores
Na UFPel, pesquisador, escritor e professor Pedrinho Guareschi, analisou a responsabilidade da grande mídia no contexto de retrocesso
Por Carlos Cogoy
Escolas ocupadas, universidades paralisadas. Alguns dos segmentos que estão repudiando o conjunto de medidas neoliberais – alteração na Constituição para congelar investimentos públicos, encolhimento de direitos sociais, mudanças no ensino médio e restrição ao debate em sala de aula -, desencadeado pelo governo Temer. A maioria da população, no entanto, ainda não percebeu a gravidade do retrocesso que afetará o presente e futuro. O constraste foi explanado pelo professor e autor Pedrinho Guareschi, na abertura do 1º Congresso do Fórum Social da UFPel. Ontem à tarde no prédio do Lyceu, ele participou da mesa que também contou com o reitor Mauro Del Pino, pró-reitora Denise Bussoletti (Extensão e Cultura), dra. Ligia Chiarelli – coordenadora do Fórum Social da UFPel – e o rapper Rafa que integra o grupo “Rafuagi” de Porto Alegre.
Diante de plateia formada por lideranças de entidades sindicais e movimentos sociais, Guareschi acrescentou: “A universidade só tem sentido como consciência crítica de uma nação, e não meramente como espaço para o professor com titulação. Então, não se limita como emprego. No País, dezenas de universidades estão paradas, o que mostra a rejeição ao sucateamento. No entanto, algo não está funcionando. Por que o restante da população, num momento que é preciso debater e sair às ruas, pouco tem se posicionado? Ora, a grande maioria, não faz ideia do retrocesso que está ameaçando o Brasil”. Para Guareschi, que tem pesquisado a mídia – três pós-doutorados: EUA, Inglaterra e Itália -, a passividade dos brasileiros decorre da manipulação dos grandes veículos de comunicação.
GREVE GERAL ocorreu em 22 Estados. A 11 deste mês houve o dia nacional de mobilização, em protesto ao conjunto de medidas que estão tramitando em Brasília. Guareschi contou que observou a divulgação nos grandes veículos: “Na Globo aberta, o fato não existiu. Na Globo News que, durante o Golpe, permanecia 24 horas convocando para manifestações contra o governo Dilma, houve abordagens curtas. A ênfase foi o quanto a paralisação alterou o ritmo nas cidades. Na programação, site de moda teve mais espaço que a greve no País. Já a Record dedicou 37 segundos para divulgar as atividades. Na Band, espaço de pouco mais de um minuto. A ótica foi a paralisação do transporte público, ressaltando o bloqueio de ruas e rodovias. Nas duas entrevistas, opiniões criticando a interrupção no trânsito. Nos impressos, Folha de São Paulo sem uma linha sobre o assunto. No Globo, nada. No ‘Estadão’, pequena nota interna, constando como registro. Porém, sem cobertura. Já os portais UOL e G1, não destacaram promotores da greve”.
VALORES – Para o pesquisador, mídia “constrói a realidade, define valores, monta a pauta de discussão. Então nos constrói e nos subjetiva. Algo somente ‘existe’, se é veiculado. Ninguém faz nada sem valores. Mas quem monta a pauta de discussão é a mídia. Em muitas situações, o silenciamento é mais forte do que o conteúdo. Então, soa mais forte o que não se diz. O gaúcho se acha politizado. Mas 80% do vê, ouve e lê, depende de uma família. E 80% da população brasileira segue o que é dito pela tevê aberta. Outros 20% derivam de espaços, que adotam a mesma metodologia dos grandes veículos. A prática da grande mídia é: eu sei e você não sabe, fique sabendo o que aconteceu”.
DEMOCRATIZAR – O palestrante observou, no entanto, que as rádios e tevês são concessões públicas e temporárias. Portanto, não poderiam ter “dono”, mas informar a população e promover debate, numa prestação de serviço. Para Guareschi, a mídia brasileira, com algumas famílias centralizando os veículos, mostra-se autoritária e dominadora. Para exemplificar, mencionou que a Globo tem 54% de audiência, o que favorece à prática manipuladora. No Estado, grupo RBS detém 48% das concessões.
BBC – Guareschi apresenta como contraponto a estrutura da BBC na Inglaterra. Durante dez meses que permaneceu em Cambridge, conheceu outro modelo de veículo. Conforme mencionou, a BBB reúne 54 organizações da sociedade civil, abrangendo sindicatos, igrejas e universidades. A coletividade decide quem irá presidir. Na BBC, disse o professor, o repórter não pode se posicionar pois o veículo não é dele, mas de entidades da comunidade. As decisões são do conselho, que se baseia numa prática comunicativa. Já no Brasil, os meios eletrônicos têm donos, e não são respeitados os direitos de todos. Para Guareschi, o caminho é alertar sobre a legislação, bem como fomentar alternativas, com práticas democráticas e sob gestão coletiva.
Hip hop na universidade e incubadora de projetos da periferia
Ano passado ele esteve na França, participando do festival “Paris Hip Hop”. Como surpresa, constatou que a cultura Hip Hop – manifestação que se originou nas periferias urbanas -, tem espaço na universidade. No ano anterior, na Colômbia, num evento que reuniu mais de cem mil pessoas, já havia sido informado que o Hip Hop é disciplina de estudo em currículo universitário. No Brasil, no entanto, embora o Hip Hop seja autêntica manifestação da juventude pobre, majoritariamente negra, a manifestação popular ainda não teve o devido reconhecimento. Pesquisas têm sido feitas, mas a universidade também poderia acolher o Hip Hop como fonte de saberes. E são inúmeros, desde aspectos cognitivos, bem como corporais, criativos, estéticos, sociológicos, antropológicos, educativos e filosóficos. Abordagem do rapper “Rafa”, que integra o grupo ‘Rafuagi’ de Porto Alegre, e também participou da mesa de abertura do 1º Congresso do Fórum Social da UFPel. O jovem de 28 anos, que há quinze está ligado ao Hip Hop, salientou que a necessidade da universidade dialogar com os movimentos socias. Mas também destacou que os grupos da cultura Hip Hop, devem estar organizados, atentos e capazes de apresentar projetos. Lamentavelmente, a fala de Rafa não chegou a ser acompanhada pelo reitor eleito Pedro Curi Hallal, que deixou o local antes das manifestações do rapper e do pesquisador Pedrinho Guareschi. Mas, persiste a urgência de uma universidade que, por ser pública, deve estar aberta a reivindicações da maioria.
PROJETOS – Em 2010, Rafa participou, via Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), de incubadora social no então violento bairro de Guajuviras em Canoas. Conforme afirmou, à época, era o local com a maior média de mortes no Estado. Mas a realidade mudou em decorrência de projetos como: agência de comunicação cidadã; justiça comunitária; mulheres da paz; Proteja – posteriormente transformado nas Casas da Juventude. “O jovem que está prestes a entrar no crime, muitas vezes tem talentos. Mas faltam oportunidades. É o jovem que pode ser hábil na oratória, expressando-se com facilidade. Ou na composição de rimas, talvez na visualidade do grafite. Se a sua autoestima for valorizada, poderá optar por lutar pela vida com dignidade”, disse Rafa. A experiência, acrescentou, serviu para mostrar que há necessidade de capacitação para projetos, viabilizando alternativas. E a sugestão do rapper é a criação de uma incubadora de projetos.
INCUBADORA – Para acessar as possibilidades que a universidade oferece, bem como solicitar espaço para iniciativas que emergem dos anseios da juventude da periferia, afirmou Rafa, é importante que não se espere por edital ou alguma brecha. Mas que haja o fomento de ideias, com a elaboração de projetos, numa espécie de incubadora. Assim, acrescenta, tende a tornar-se mais ágil a troca com a esfera universitária. Também ressaltou que a universidade deve ser repensada, em relação à comunidade na qual está inserida. “Ela deve pisar nos bairros, como Lindoia e Navegantes. E, além disso, estar acessível aos jovens daqui. Por exemplo, tem de ser acessada pelos jovens negros”, disse.
PORONGOS – No Facebook, domingo – dia nacional da Consciência Negra – a partir das 13h, informou o rapper, será divulgado o vídeo “Manifesto Porongos”. A produção é do grupo ‘Rafuagi’, e visa abordar de forma crítica a versão oficial da história gaúcha. O jovem observou que o hino riograndense não representa a negritude, enquanto persistirem versos como: ‘povo que não tem virtude, acaba por ser escravo’. O correto é que não tem virtude, aquele que escraviza. Mas não somos submissos, e não queremos migalhas. Queremos formação”, concluiu.