ESPIRITISMO : O mal decorre da ignorância do bem
A responsabilidade pelo que é moralmente certo, provém da consciência que adquirimos através do conhecimento
Por Carlos Cogoy
Numa rua de sentido único, a direção centro/bairro é conhecida pelos moradores do lugar. Assim, mesmo que fique sem sinalização, continuará sendo identificada pela comunidade. Daí, se alguém trafegar no sentido contrário, estará cometendo um erro consciente. No entanto, com a falta da placa de trânsito, o condutor que desconhece a via, estará errando por ignorar a direção. O exemplo foi citado pelo professor, pesquisador e autor Marcelo Gil (CAVG/IFSul), durante a palestra de encerramento do projeto “Luz para todos” que, neste ano, teve como tema geral “As leis morais perante a sociedade”. Sexta à noite no Centro Espírita Jesus (CEJ), espaço repleto para acompanhar a explanação “As leis morais e a consciência”. Conforme Gil: “Para Kardec, o mal nada mais é do que a ignorância do bem. E o grau de responsabilidade varia de acordo com o conhecimento. Assim, em si mesmo, o mal não existe”.
CONSCIÊNCIA – O palestrante também mencionou vídeo no qual professor e aluno debatem sobre a existência de Deus. O professor expõe argumentos que remetem à desconfiança acerca de Deus. Então, o estudante rebate, perguntando se a escuridão existe. O professor responde afirmativamente. Mas o aluno explica que, conforme a física, o que existe é apenas a ausência de luz. E também questiona se o frio existe, com o professor confirmando que sim. Mas, o aluno contesta, acrescentando que, de acordo com a física, o frio é ausência de calor. E Gil mencionou: “O conhecimento é sinônimo de consciência, e adquirimos responsabilidade com o que é moralmente certo. Então, transcende o que está escrito nalgum lugar. Com isso, muitos se assustam diante da responsabilidade que aumenta. Afinal, é cômodo culpar o diabo ou, acomodado, esperar a chegada de Jesus num cavalo branco. Ora, se não mudamos, somos levados de roldão. E o mundo está se transformando, deixando de ser de provas e expiações, para ser de regeneração. Então, o trabalho do verdadeiro espírita é interno, considerando-se duas condições: empenho na própria reforma; ajuda ao outro que queira auxílio, já que dispõe de livre-arbítrio. O significado da vida é a oportunidade para crescimento e desenvolvimento espiritual. E nos tornamos conscientes do senso de justiça que todos carregamos, compreendendo o que significa viver de acordo com a lei natural. Na questão 621 do ‘Livro dos Espíritos’, Kardec pergunta ‘Onde está escrita a lei de Deus?’, já que para o muçulmano está no Corão, para o judeu no Torá e o hindu nos Vedas. Os espíritos respondem que está ‘dentro de cada um, na consciência’. Então, não se trata de demônio, pois o inimigo está dentro de nós. Cabe cumprir o papel a que fomos destinados, isto é, atingir a perfeição”.
EGOÍSMO – Álcool, drogas, traições e vícios, têm uma causa. Conforme o palestrante: “Do egoísmo deriva todo mal. Eis o fundo de todos os vícios. Aproximando-se da perfeição, expurgamos o sentimento de egoísmo. Então não adianta nos agarrarmos em livros sagrados, se não nos voltarmos para dentro. Não só Gandhi e Madre Tereza, todos temos uma missão. Em geral, temos energia para conhecer os outros, e não nos autoconhecermos. Com a reencarnação, preconceitos caem pois tudo se modifica e, no futuro, poderemos estar num outro país, classe social ou gênero. Por isso, a cada dia, devemos buscar a evolução, reformando-se e aplicando seu conhecimento no processo de autotransformação”.
A doutrina espírita é revolucionária
O professor Marcelo Gil ressaltou o aspecto filosófico que caracteriza a doutrina espírita. E observou que no livro “O Consolador” Emmanuel, umas das primeiras obras psicografadas por Chico Xavier (1910/2002), a doutrina espírita é simbolizada por triângulo equilátero. São três lados iguais, e os vértices correspondem à ciência, filosofia e religião. Assim, destacou que a curiosidade filosófica é um dos princípios da doutrina. Ele observou que Allan Kardec (1804/1869), além das obras básicas, também escreveu na Revista Espírita. Com isso, salientou que “Kardec não foi apenas o Codificador, mas um filósofo que soube fazer perguntas. No ‘Livro dos Espíritos’, as respostas esclarecedoras decorrem de perguntas claras. Refletindo, analisando, exercitando a indagação inerente à filosofia, ao longo do século, foi compreendendo o que é certo e o que é errado, o que é justo e injusto, moralmente aceito ou imoral”.
HISTÓRIA – Gil elencou diferentes etapas da história humana, em relação as tentativas de explicar o bem e mal. Em diferentes tempos e lugares, filósofos procuraram respostas. A cultura e a educação, são fatores que influenciam nos valores, mas o desafio foi demarcar parâmetros universais. Reportando-se à antiguidade, Gil mencionou sobre os deuses, distintos entre o bem e mal. Após essa fase, os judeus consideraram que, ao invés de diferentes deuses, o todo derivava de um deus. É a base monoteísta que também estaria presente no cristianismo e islamismo. Mas, e o mal, como se explicaria? Através da figura de Lúcifer, o demônio. Na Revista Espírita, no entanto, afirmou o palestrante, Kardec abordou que “sabemos o que é certo e errado, e como agir ou não. De forma intuitiva, temos ideia clara do que é certo ou errado”. Já no primeiro capítulo do ‘Evangelho Segundo o Espiritismo’, Kardec menciona Moisés como o primeiro legislador. “Moisés apresenta como revelação, algo fora de nós. Ele estaria revelando o que é a lei de deus. Então, pecamos quando agimos de forma contrária. E o temor do castigo, enraizou-se no cristianismo. Somente na Renascença e no ‘iluminismo’, desenvolveu-se senso crítico. E Voltaire, ao ser indagado, disse que acreditava no deus que criou os homens, e não no deus que os homens criaram, com todos os defeitos humanos”.
REVOLUÇÃO – Para Gil, a doutrina espírita é revolucionária, pois muda o curso da questão. “O espiritismo é doutrina revolucionária em vários sentidos. Quando propõe explicar a lei de deus, e onde está contida, soluciona problemas filosóficos que os teóricos não conseguiam resolver. E estabelece que a responsabilidade moral não está fora, mas sim dentro de nós”.
CENTRO Espírita Jesus (Foto), está localizado à Praça José Bonifácio 52 e, há oito anos realiza o projeto “Luz para Todos”. Aberta à comunidade, a programação tem debatido questões sociais e emocionais, abrindo a doutrina para a interação com inquietações em diferentes instâncias e segmetnos. Na internet: centroespiritajesus.org