PACTO PELOTAS PELA PAZ : A arte na prevenção à violência
Eles são menores de idade e cumprem pena no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Pelotas por terem cometido infrações graves. Não são um “caso perdido”, muito pelo contrário. Merecem a oportunidade de se refazer e construir um futuro diferente.
Merecem uma segunda chance. Foi acreditando nessa recuperação — que beneficiará toda a sociedade se o índice de violência cair, a médio prazo —, que o programa Segunda Chance Jovem, do Pacto Pelotas pela Paz, passou a oferecer, desde junho de 2017, aulas de arte aos internos do Case Pelotas por meio do projeto Oficinas FASE (acróstico de Força, Ação, Sentido, Educação).
Em uma parceria da Prefeitura com a Associação de Hip Hop de Pelotas, o projeto passou a oferecer, no ano passado, aulas para MC (mestre de cerimônias), com composição de rimas (rap) e de disc jockey (DJ) e, a partir desse ano, também de gravação de áudio (dos raps compostos por eles mesmos) e de percussão.
As oficinas podem parecer uma mera distração, um jeito divertido de passar o tempo. Na prática, os encontros semanais desenvolvem o sentido de equipe, de que um depende do outro, e também fazem com que os meninos reflitam sobre o que os levou até ali e percebam que podem ter outra vida ao deixarem a instituição.
“Já tivemos diversas oficinas antes, mas de música é a primeira vez. É maravilhoso porque a música é muito envolvente, mexe com tudo e ajuda a resgatar a autoestima. A arte tem dado uma nova perspectiva a esses meninos e está sendo importante para a casa também. A gente respira um outro ar”, disse a diretora do Case Pelotas, Maria Teresa Galvão.
Na direção do Centro há quatro anos, Maria Teresa destaca que o grande diferencial dessa parceria com a Prefeitura é que as oficinas têm uma continuidade e um foco profissionalizante. Desde 2017, cerca de 40 meninos participam das oficinas. A cada quatro meses, recebem um certificado, que deve ajudar na sua reinserção na sociedade.
“Agradeço à prefeita Paula Mascarenhas e ao secretário de Cultura, Giorgio Ronna, que têm uma visão de futuro. Esse é um trabalho preventivo, um investimento para que não haja reincidência. Oportuniza uma formação para que esses jovens encontrem um caminho diferente e não retornem ao crime”, destaca a diretora.
Ela conta que a mudança de comportamento dos participantes é impressionante. Eles se comportam melhor para não perderem o direito de frequentar as oficinas e os outros meninos, ao verem sua motivação, entram em fila de espera para ingressar nas próximas turmas.
Professor de Educação Física com mais de 20 anos de Case, Inácio Azevedo Machado lembra que:
“A história de vida desses jovens é repleta de violência, de agressão, mas eles acabam sendo arrebatados por algo positivo quando percebem que são capazes de realizar algo bonito, algo bom. Algo que antes era impensável”.
Machado também percebe mudança neles.
“Ficam mais calmos, desenvolvem melhor suas atividades e também ficam mais motivados. A oficina potencializa neles alguma coisa que está dentro e desabrocha, que pode ajudar a vida deles a dar uma guinada positiva”.
OFICINAS
Nas tardes de sextas-feiras, um grupo de meninos participa da oficina de Gravação de Áudio, ministrada por Luan Cunha, o DJ Primo. Trata-se de uma sequência das oficinas de composição de rimas, que ocorreram no ano passado, com Mano Rick. Os jovens escrevem as letras, escolhem os beats e gravam, com suas vozes. Primo explica que a ideia é fazer um apanhado das rimas, mais adiante, e produzir algo com esse material. As letras têm muito em comum. Falam de infâncias difíceis, do mundo do crime, de violência, insegurança… De sangue. Falam da saudade de casa, “o pior é o Natal longe da família”… Mas também falam de valorização, de dignidade e oportunidade. Trazem reflexões que indicam a consciência de terem agido errado e a vontade de ter um futuro diferente. Falam de esperança.
Nas noites de terça-feira, duas turmas de cerca de oito meninos se encontram com o percussionista Renato Popó. Com mais de 20 anos de experiência, ele procura fazer uma aula bem prática, para que os garotos sintam e toquem os instrumentos, experienciem diferentes sons e ritmos. Os tambores de sopapo dominam a cena, mas de vez em quando entra um caxixi, umas baquetas, um triângulo, um tarol e até um djembê — um tambor originário de Guiné, na África ocidental.
“Os instrumentos de percussão são agregadores. Eles juntam as pessoas e estimulam o sentido de equipe”, diz Popó, que acredita no potencial transformador da arte.
É uma via de mão dupla: os meninos tocam o tambor, a música toca os meninos. Faz aflorar a sensibilidade e abrir portas que, até então, estavam bem fechadas.
OUTRAS OFICINAS
Nas tardes de segunda-feira, há oficinas de disc jockey, com o DJ Vagner. Em breve o projeto vai oferecer também oficinas de dança (hip hop) e grafitti. O Case Pelotas atende meninos de 12 a 21 anos incompletos — a maioria com 16 e 17 anos —, que cumprem pena de 6 meses a 3 anos.