A.F. Monquelat lança “As praças de Pelotas e suas histórias (Século XIX)”
Por Manoel Magalhães*
A preservação da memória é fundamental à elaboração de estratégias no campo político-cultural. Sem memória, espécie de arqueologia histórica (material e emocional de um povo), sobrevém um vácuo, sujeito à manipulação de fatos e, obviamente, assistiríamos a falência de direitos e deveres, culminando com a derrocada da cidadania. Quem de nós já não ouviu por aí a triste sentença “o brasileiro não tem memória”? Pois é, a falta da memória conduz à falta de consciência, incapacidade de nos situarmos no espaço e no tempo.
A prova de que somos seres fadados ao esquecimento, ao alheamento, é a falta de curiosidade (e zelo) pelo espaço que habitamos. Cruzamos ruas, praças, calçadas e outros logradouros cujo encadeamento constrói o que aprendemos a chamar de cidade, indiferentes, letargos.
Vitimas contumazes da rotina, fechamos nosso olhar à existência histórica, apagando de nossa consciência a tal arqueologia emocional e material da qual somos rebentos. Com tal atitude vamos apagando o repositório relevante, “matando-nos” dia após dia, entregues ao cotidiano maçante, incapazes de escrever a futura e satisfatória reminiscência, elaborando estratégias político-culturais que balizarão nossa condição de cidadão com direitos e deveres.
A grande afronta à nossa história doméstica agiganta-se quando chegamos pela primeira vez a uma cidade pequena, média ou grande, oportunidade em que, graças à fuga do estafante viver rotineiro, dedicamo-nos à novidade com afinco, sentidos alertas, olhando tudo e todos com olhos renovados, querendo enfiar tudo nos escaninhos da mente, atendendo a vocação de armazenar informações. Todavia, retornamos e imediatamente sofremos os danos da rotina e tudo volta ao seu lugar, isto é, ao esquecimento compulsório.
Em razão, portanto, da triste vocação à morte da anamnese, entram em cena os agentes de sua preservação, os historiadores e pesquisadores, cuja faina incansável de zelar pela reminiscência vai às raias da exaustão. Pelotas, em função de seu passado histórico, viu nascer ao longo dos anos pessoas com essa inclinação, espécies de detetives cujo material de trabalho são os velhos e carcomidos jornais, de onde, num trabalho
minucioso caçam informações, e de detalhe em detalhe formatam rico acervo memorialístico, legando a seus contemporâneos informações que servem para a edificação de um lugar no tempo e no espaço, oferecendo-nos material para profundas e necessárias reflexões, sem as quais é impossível compreendermos o verdadeiro sentido da cidadania.
A.F. Monquelat, livreiro e pesquisador pelotense, volta à cena com mais uma obra de cunho memorialístico. Trata-se do livro “As praças de Pelotas e suas Histórias” (século XIX), editado pela Editora Livraria Mundial, obra que será lançada AMANHÃ na Livraria Mundial, das 18 às 20h, cujo texto originalmente foi publicado no jornal Diário da Manhã.
As praças, tradicionalmente definidas como o lugar do encontro, passagem e da sociabilidade, são repositórias de histórias protagonizadas pelos moradores da urbe, que as viverem de forma serena, ou, como invariavelmente ocorre, acabam se esvaindo no terreno do cômico e do trágico.
Monquelat, como um médico auscultando as pulsações da comunidade da qual é rebento, visita a Pelotas do século XIX, abrindo de par em par as janelas do passado, levando o leitor a percorrer as principais praças de Pelotas e em ruas (com os antigos nomes) às proximidades dessas. E o faz mediante a leitura dos jornais da época (Correio Mercantil, Jornal do Commercio, Onze de Junho, Diário de Pelotas e Diário Popular entre outros), reportando-se aos acontecimentos que ocorriam nesses logradouros da Princesa que se cobre de fumo, através de pequenos e fascinantes textos, muitos desses ocorrências policiais, trazendo-nos uma gama de expressões foram de uso, tais como vila-diogo (fugir), desforçar-se(revidar), valdevino (vagabundo) entre outras. Inteiramo-nos, portanto, do que acontecia na Praça da Matriz, Praça do Redondo, Praça da Caixa D’Água, Pracinha do Porto (Praça da Alfandega ou Praça Domingos Rodrigues), Praça dos Macacos e Praça dos Enforcados. Como se lê na orelha da obra, o texto revela “as mudanças nos nomes dos logradouros ao longo do tempo”, bem como vivifica personagens de antanho, fabulosos e trágicos, divertidos e loucos, serenos e amorosos… Enfim, a vida do pelotense do século XIX entrando e saindo das praças, dando-lhes cores e fragrâncias, conteúdos humanistas e estofos ordinários…
Ao longo dos últimos anos, o pesquisador, também livreiro e escritor A.F. Monquelat, através de obras do mesmo gênero já lançadas, vem mergulhando na vida da Princesa do Sul, trazendo à luz importantes aspectos do seu passado, em necessária e saudável revisão histórica, levando seus contemporâneos a verdadeiramente (re) conhecerem a cidade que, assim, emerge revelando sua verdadeira face, cujos retoques faciais (maquiagem) esconderam-na.
Enfim, um livro fundamental à compreensão da Pelotas de hoje e de ontem. Afinal, a preservação da memória é indispensável para que nos organizemos como verdadeiros cidadãos.
PELOTAS DOS EXCLUÍDOS
Na sessão de autógrafos, dia 28, haverá também o relançamento da obra Pelotas dos Excluídos (subsídios para uma história do cotidiano), também de A. F. Monquelat, lançada ano passado.
*Jornalista, escritor, artista visual dedicado à técnica ‘naif’. Saiba mais acessando: cultive-ler.com