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sábado, 19 de outubro de 2024

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ASILO DE MENDIGOS DE PELOTAS – 140 anos de uma história de bondade

ASILO DE MENDIGOS DE PELOTAS – 140 anos de uma história de bondade
23 setembro
09:50 2022

Sob a nova designação como Lar de Sant’Ana, comemora a data de sua fundação 

A economia de Pelotas, que era pulsante por conta da produção de charque, enfrentou uma profunda crise na década de 1880, deixando muitos indivíduos em condições de pobreza. Essas pessoas, definidas como mendigos, não combinavam com os adjetivos de cidade desenvolvida e certamente a elite pelotense via a necessidade de colocá-los em um ambiente protegido, zelando por eles e também, de certa forma, mostrando uma cidade sem problemas sociais, com progresso tecnológico, econômico, arquitetônico e cultural.

A assistência aos necessitados na cidade, em meados do século XIX e início do XX, não era realizada pelo Estado e sim pela população local, principalmente por indivíduos de elevada hierarquia social. A ideia de criar um asilo, cujo teto seria um conforto e amparo aos desprotegidos da fortuna, foi lançada e publicada em 21 de setembro de 1882 (data oficial de fundação) pelo jornalista e fundador do jornal Correio Mercantil, Antônio Joaquim Dias, com o seguinte apelo: “A redação do Correio Mercantil solicita de todos os habitantes desta cidade um donativo qualquer para ser aplicado à construção de um edifício destinado à mendicidade. As quantias que a generosidade pública consagrar a este humanitário fim, podem ser remetidas a esta redação ou aos Srs. Conceição & Cia”.

INICIATIVA é do vereador Salvador Ribeiro que visitou o Asilo

O apelo foi prontamente atendido pelo espírito filantrópico do povo pelotense. Os membros da Mesa de Rendas de Pelotas, por iniciativa de seu escriturário João Augusto de Freitas (falecido em 18 de agosto de 1913), destinaram 2% de seus vencimentos, pelo período de 15 meses, para a construção do asilo. Os donativos, no período de 1º de outubro de 1882 a 31 de dezembro de 1883, atingiram a quantia de 825.147 réis. Em menos de três anos e meio, foi arrecadada a quantia aproximada de 35 contos de réis, com os respectivos juros.

Em 31 de maio de 1885 foi convocada uma reunião com o fim especial de eleger a diretoria provisória do Asilo e uma comissão para confeccionar os estatutos da casa. Foram eleitos para a diretoria os seguintes senhores: Antonio Joaquim Dias (presidente); José Ferreira Alves Guimarães (vice); Cel. Luiz Carlos Massot (secretário); Antonio Francisco da Rocha (tesoureiro) e os diretores Domingos Fernandes da Rocha, Joaquim Francisco Meireles Leite e Adolfo Rezende. A comissão eleita para organizar a lei estatutária foi composta por Antonio Francisco da Rocha (relator), Capitão João Leão Sattamini e Henrique Luduwig. O trabalho desta comissão foi aprovado em reunião popular realizada em 27 de dezembro de 1885 e constituiu a lei que tornou o Asilo de Mendigos uma associação legal perante a legislação nacional.

O conselho administrativo, que em 1886 era presidido pelo Barão de Arroio Grande, buscou um local para construir a casa dos mendigos e depois de várias pesquisas, encontrou as melhores condições em um terreno de propriedade de Joaquim da Silva Tavares, o Barão de Santa Tecla, ao custo de 6.000$000. O terreno, onde até hoje se situa a benemérita casa de caridade, situava-se entre as ruas Andrade Neves e XV de Novembro (antiga São Miguel), com frente ao sul à Praça Júlio de Castilhos (antiga General Câmara). Junto a este, dois outros terrenos e propriedades contíguas das senhoras Maria Delfina e Maria Leocádia da Silva, importando estas aquisições, com escritura, em 15:000$500. Na ocasião, o Barão e a Baronesa de Santa Tecla doaram ao Asilo metade da importância pela qual haviam vendido o terreno.

A pedra fundamental do edifício foi colocada em 29 de julho de 1887, porém, o Conselho julgou procedente dissolver-se por divergências sobre o plano a seguir na construção, o que ocorreu em 9 de outubro de 1887. O novo e terceiro conselho, que tomou posse em 7 de dezembro do mesmo ano e tinha como seu presidente o Cel. Alfredo Gonçalves Moreira, decidiu por adotar uma nova planta para a construção do edifício.

Com esse propósito, foi deliberado encomendar no Rio de Janeiro uma nova planta, que foi organizada por José de Magalhães, da Câmara Municipal da Capital do Império, um dos mais importantes arquitetos brasileiros do século XIX. Ele projetou um prédio simples, de planta retangular, distribuído em alas que delimitavam dois pátios internos. A planta foi remetida de volta para o Conselho Administrativo do Asilo, tendo sido nomeados os engenheiros Arthur Antunes Maciel, Alberto Mendonça Moreira e Nicolau Pederneiras, que fizeram leves modificações nos croquis elaborados por Magalhães.

A construção teve início em meados de 1889, começando dos fundos para a frente, por ser a fachada a parte mais dispendiosa. O orçamento elevava-se a 48:000$000, havendo em caixa, até aquela data, mais ou menos 40:000$000. O conselho esperava cobrir o deficit com o produto de algumas loterias decretadas, porém o ato da Proclamação da República acarretou em mudanças bruscas nas instituições políticas, o que impediu por algum tempo a continuidade da obra.

No início de maio de 1891, algumas lideranças da cidade, inconformadas com a demora, montaram uma comissão para viabilizar um Asilo de Mendicidade, que funcionou em um chalé na rua Paissandu (atual Barão de Santa Tecla), de propriedade de Jacob Klaes.

Em 10 de maio de 1891, numa Assembleia Geral realizada no salão de honra da Bibliotheca Pelotense, o presidente do Conselho Administrativo, Coronel Alfredo Gonçalves Moreira, apresentou o balanço de receitas e despesas, pelo qual se verificava uma dívida de 7:915$260. O Visconde da Graça prontificou-se a pagar a dívida do Asilo e a finalização dos trabalhos, resolvendo todas as dificuldades pendentes.

O Conselho Administrativo, presidido pelo Cel. Alfredo Gonçalves Moreira, tratou de dar rápido andamento às obras paralisadas, sendo contratado o assentamento de forros e assoalhos com o construtor Paulino Rodrigue, os rebocos com Antonio dos Santos e a pintura com Rodolfo Astolfi.

A inauguração do edifício ocorreu em 5 de fevereiro de 1892, data em que foi eleito o novo conselho, presidido pelo Cel. Urbano Martins Garcia. O ato contou com a presença de onze recolhidos, que no dia 22 de janeiro já haviam sido transferidos do chalé de Jacob Klaes para o novo prédio.

O conselho confeccionou os novos estatutos da casa, aprovados na assembleia geral de 24 de junho de 1894, presidida pelo coronel Urbano Martins Garcia. Nessa assembleia, o Asilo perdeu a sua primeira denominação (Sociedade Beneficente Asylo de Mendicidade), sendo-lhe dado o nome de Asilo de Mendigos de Pelotas. Na última assembleia da Gestão 2021-2022, realizada no mês de julho, foi aprovado um novo nome, passando a chamar-se Lar de Sant’Ana.

Pelos estatutos de 1894, foram considerados Sócios Fundadores todos aqueles que se haviam inscrito ou contribuído para o estabelecimento entre os dias 21 de setembro de 1882 e 1º de janeiro de 1892. Os demais sócios foram classificados da seguinte forma: Grandes Benfeitores, Beneméritos, Honorários, Efetivos ou Contribuintes, Inativos ou Protegidos. Além desta classificação, foi, também criado o título perpétuo de Grande Presidente de Honra.

Através de iniciativa de admiradores do fundador Antônio Joaquim Dias (1848-1892), foi inaugurado em 05 de setembro de 1897 o seu retrato a óleo, ao lado do já existente Visconde da Graça, benemérito da casa, numa sessão festiva conduzida pelo orador sacro, o padre Guilherme Dias. Suas palavras enalteceram o trabalho fecundo para imortalizar o Asilo de Mendigos, cuja  missão segue até hoje e é motivo de orgulho para Pelotas.

Por algum tempo, a direção interna ficou a cargo da congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, tendo como administradora a Madre Michaela, que contou com a ajuda de mais quatro irmãs, embora sua diretoria sempre tenha sido laica. Em 1928, o Asilo foi remodelado pelo construtor italiano Caetano Casaretto, ampliando-se suas dependências.

O Lar de Sant’Ana, sob denominação atual e gestão de Beatriz Xavier, cuida de idosos em relativo estado de vulnerabilidade, recebendo os cuidados necessários, alimentação e rotina regradas e atenção, tanto dos funcionários quanto dos voluntários. Com inúmeras pedras no caminho, cumpre fielmente com seu papel social e filantrópico. Um legado deixado por inúmeros abnegados da sociedade de Pelotas e que está completando 140 anos de uma bonita história.

A diretoria convida a comunidade a se juntar nesta importante comemoração. Será realizada,  nesta sexta-feira (23), às 18 horas, uma missa festiva na Catedral Metropolitana São Francisco de Paula.

Flávia Homrich Kuhn

Vice-presidente do IHGPEL

Bibliografia:

1-EICHOLZ, Josué. Elites locais e caridade: Estudo sobre os benfeitores do Asilo de Mendigos e do Asilo de Órfãs São Benedito em Pelotas – RS (1880-1920), Pelotas, Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas, 2017, Dissertação (Mestrado em História).

2-OSÓRIO, Fernando. A cidade de Pelotas. Pelotas: Editora Globo, 1ª edição, 237p, 1922.

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