Autora pelotense recebe prêmio nacional
Na escola pública, década de sessenta, ela queria brincar com as colegas. Porém, só conseguia quando não estava a líder das meninas brancas. A solução foi a mãe conversar com a mãe de outra menina negra, para que as filhas brincassem juntas. Dos primeiros anos na escola, recorda apelidos como “casa de camatim”, numa alusão ao cabelo crespo. Além disso, ir para a escola era suplício. O laço que batia em seu rosto, tocado pelo vento, insinuava que seria mais um dia de tristeza. Os episódios estão na redação “O Bullying e a criança negra na escola pública, até quando?”, autoria da professora pelotense Glória Maria Gomes Chagas Sebaje. O texto no qual evoca vivências de sua infância em escolas como Cassiano do Nascimento e Assis Brasil, recebeu premiação nacional. No começo do ano, Glória inscreveu a sua experiência no Prêmio Mulheres Negras Contam Sua História, iniciativa da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em conjunto com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
DESTAQUE – Glória menciona que o prêmio estava dividido nas categorias ensaio e redação. No total houve 521 inscrições, sendo 421 como redação e cem ensaios. Em cada uma das categorias houve cinco premiados e uma menção honrosa. O texto da escritora pelotense foi o único, considerando-se os três Estados da região Sul, que recebeu premiação. No começo deste mês, houve o lançamento do volume com os textos premiados. Glória esteve autografando o volume, cujo lançamento ocorreu na programação da 3ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR), realizada em Brasília.
MUDANÇAS – Há dez anos está em vigência a lei que estabelece o ensino da história e cultura afro-brasileira. No mês da consciência negra, Glória que é coordenadora pedagógica na Escola Estadual de Ensino Médio Marechal Rondon – situada no Monte Bonito -, avalia que ainda falta muito para o pleno cumprimento da lei federal. “Há diferentes realidades em relação à lei. “O governo produz material mas há Estados e municípios, cujos prefeitos, secretários e governadores, tratam de engavetar. Então muitas vezes a produção nem chega aos professores. Em alguns aspectos houve avanços, como o Congresso de Pesquisadores/as Negros/as da Região Sul (COPENE), realizado em Pelotas neste ano. Por outro lado, os próprios estudantes cotistas ainda desconhecem direitos. Na região, a 5ª CRE cobra plano de estudos com o conteúdo afro-brasileiro, mas é preciso motivar os professores”, diz Glória.
ESCREVER – A autora menciona professores que a estimularam ao interesse pela literatura. No Cassiano, a professora Alda Jacottet. No Assis Brasil, prof. Teófilo Galvão. Também recorda dos professores Vânia e Oscar Brisolara. Além disso, o estímulo da irmã mais velha que trabalhava numa biblioteca. E desde cedo Glória passou a frequentar a Bibliotheca Pública Pelotense. Alguns dos autores que a influenciaram: Mário Quintana; Cecília Meireles; Rubem Alves; Maria Helena Vargas da Silveira; Eduardo Galeano. Casada com o escritor Gerson Sebaje – cronista que colabora com o DM -, ela acrescenta: “Na minha escola participo da organização do projeto Autor Presente do Instituto Estadual do Livro, no qual os alunos são estimulados à leitura de obra previamente escolhida. Posteriormente, o autor se apresenta na escola, interagindo com os leitores. Considero que escrever é botar a alma para fora, as angústias, dúvidas, a visão da realidade, de modo a participar das transformações por que passa necessariamente a sociedade. Depois de muitos anos de participação nos agentes de Pastoral Negros, Pastoral da Criança, Comunidades de Base, adquire-se algum conhecimento que, quando aparece a oportunidade, como a presente, não tem como não pegar no lápis e papel”.