Avaliar os riscos é fundamental antes de decidir o melhor momento para ser mãe
A pandemia do novo coronavírus vem impactando a vida da população mundial de diversas formas. Para as mulheres em idade reprodutiva, traz uma série de questionamentos a respeito da repercussão da COVID-19 na gestação. Engravidar durante a pandemia é mais arriscado? A gestante é mais suscetível a contrair o vírus? Há risco de parto prematuro? Ainda não se conhece por completo o novo coronavírus e todas as suas implicações para mães e seus bebês. Com base na literatura científica corrente e na sua experiência com o enfrentamento do vírus na gestação, o médico obstetra Edson Vieira da Cunha Filho, chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Moinhos de Vento, esclarece dúvidas comuns das mulheres que pretendem ser mães neste período.
Em relação ao momento mais adequado para engravidar, o médico explica que trata-se de uma questão de bom senso. Se a mulher não estiver “correndo contra o seu próprio tempo biológico para gestar” — estando abaixo dos 35 anos, por exemplo —, já possuir filhos e puder adiar a gestação, o melhor seria esperar. “Até o momento, não se viu aumento da incidência de abortos, da ocorrência de fetos malformados, ou até mesmo uma taxa alta de transmissão vertical do vírus durante a gestação, mas houve aumento da internação hospitalar de gestantes e de formas mais graves da doença neste grupo de pessoas”, destaca Edson.
Estudo americano do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) comparou quase 24 mil gestantes com COVID-19 com mulheres não grávidas, também com a infecção, pareadas por idade. A pesquisa mostrou que a chance de internação em UTI no primeiro grupo foi três vezes maior, bem como a necessidade de usar ventilação mecânica, e 1,7 vezes maior o número de casos de óbito. “Se o tempo permitir esperar, talvez valha aguardar um pouco, até porque tem uma nuance nova neste momento, que é a vacina. Se engravidar agora, a mulher talvez não seja vacinada, pois não foi estudada a segurança do medicamento para gestantes”, observa.
Já sobre a suscetibilidade de a grávida contrair o novo coronavírus, o médico esclarece que não há relação. “Os cuidados devem ser os mesmos, até porque, se pegar a doença, poderá ter complicações. A imunidade da gestante está modificada, mas não significa que esteja com a atividade mais baixa”, afirma. Em relação ao tratamento, Edson também destaca que não há diferença entre pacientes grávidas e não grávidas.
Conforme o obstetra, a relação entre o novo coronavírus e algumas patologias obstétricas, como a pré-eclâmpsia (uma forma grave de hipertensão arterial na gravidez), não está plenamente estabelecida . “Pela resposta inflamatória da COVID-19 e até mesmo pelo uso de determinadas medicações, a gestante pode ter elevação da pressão arterial. Também há ocorrência de alteração de enzimas hepáticas, o que pode levar à interpretação do quadro como uma pré-eclâmpsia grave e a sua diferenciação pode ser difícil ou até mesmo não possível de ser estabelecida. E essa é uma das causas, por exemplo, do aumento da taxa de prematuridade.”
O médico esclarece que, independentemente do novo coronavírus, qualquer mulher poderá desenvolver pré-eclâmpsia, especialmente as que têm fatores de risco, como gestação gemelar, histórico da condição em outra gestação, pacientes com lúpus, diabéticas, hipertensas prévias, obesas, ou que somem fatores de risco menores como idade superior a 35 anos, raça negra, história familiar de pré-eclâmpsia, entre outros. Já em relação à trombose, as gestantes geralmente apresentam maior risco e o vírus pode contribuir para o aumento da incidência, sendo que o tratamento ou a prevenção da ocorrência da doença tromboembólica deve ser avaliado caso a caso, guiado sempre pela presença de fatores de risco maternos e gravidade da doença viral.
TRANSMISSÃO VERTICAL
Uma mãe que testa positivo, enquanto está gestante, pode contaminar a criança? Edson afirma que a transmissão vertical ainda é um ponto obscuro. No entanto, a literatura mostra que a taxa fica em torno de 3% a 4%. Entre as crianças que foram contaminadas, a maioria não registrou necessidade de internação, não apresentou sintomas severos e a prevalência da doença foi baixa e de menor morbidade. “Também não foi associado com malformação, nem abortamento no primeiro trimestre. Mas precisamos de mais tempo para termos absoluta certeza destas afirmações.”
Conforme o chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Moinhos de Vento, em alguns países dobrou a taxa de prematuridade com o surgimento do novo coronavírus. Mas reforça que não se trata de um efeito direto da COVID-19. A relação de causa-consequência não está plenamente provada ou estabelecida. “No início da pandemia, com a falta de informação a respeito da infecção, pelo efeito do ‘desconhecido’, gestações que estavam próximas ao termo (37 semanas), eram interrompidas, em mães infectadas, para se preservar uma possível transmissão vertical ou comprometimento do bebê. Hoje em dia, com o conhecimento atual, vindo de estudos observacionais ao longo deste um ano de pandemia, não se recomenda esta conduta, a menos que haja indicação clínica”, esclarece.
O médico reforça que, até o momento, pode-se dizer que as gestantes têm maior risco de complicações devido à contaminação pela COVID-19, mas a enorme maioria têm apresentado quadros leves e de doença controlada. Nos primeiros sinais da doença, o obstetra deve ser contatado para fornecer as orientações necessárias. “Sinais de maior gravidade como tosse persistente, febre alta, falta de ar, dor respiratória, dor torácica ou sinais de envolvimento obstétrico (contrações, corrimentos vaginais, dor abdominal, diminuição da movimentação fetal) devem ser avaliados em ambiente hospitalar”, finaliza.