Diário da Manhã

domingo, 24 de novembro de 2024

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Cicatrizes não silenciam a dor da cor

11 agosto
09:23 2015

Pesquisas sinalizam para a persistência do preconceito aos negros na cidade que enriqueceu através do trabalho escravizado

Por Carlos Cogoy

Usamos as expressões pessoa de cor, moreninho e marrom, como se a palavra negro pudesse soar agressiva e desrespeitosa. Ao contrário, a negritude busca o fortalecimento do orgulho de ser negro.  Da mesma forma, percebemos o uso da linguagem ainda carregado de “pré-conceitos”, exemplos: Por que a pomba da paz, precisa ser branca? Por que os anjos são desenhados sempre com cabelos louros e olhos azuis? Da mesma forma os faraós, e assim sucessivamente. Reflexão da doutora Olga Maria Lima Pereira que, neste mês, estará lançando os livros “Reinterpretando silêncios – reflexões sobre a docência negra na cidade de Pelotas/RS” (editora Nandyala), e “Cicatrizes da escravidão: da história ao silenciamento” (editora Um2). A autora aguarda pela chegada dos exemplares, para definir a data dos lançamentos. No IFSul, ela é técnica em Assuntos Educacionais e Coordenadora de Fomento às Ações Inclusivas, vinculada à Pró-reitoria de Extensão e Cultura.

Pesquisadora Olga Pereira estará lançando dois livros neste mês

Pesquisadora Olga Pereira estará lançando dois livros neste mês

NEGRITUDE – Olga Pereira cursou a licenciatura em literatura brasileira e portuguesa na UCPel. Ela ressalta que somente conseguiu cursar, pois foi contemplada com o então “crédito educativo”. Já o mestrado em Política Social e doutorado em linguística, viabilizaram-se através da política de aperfeiçoamento de servidores no IFSul. Expressando gratidão ao incentivo recebido na instituição, Olga Pereira desenvolveu pesquisas comprometidas com a questão étnico-racial. Ela aborda sobre a motivação: “O tema da escravidão sempre despertou meu interesse. Falo isso porque desde que estava no Segundo Grau, participei de Concursos Literários que traziam como tema a ‘Abolição da Escravatura’, inclusive, muitos troféus, medalhas e certificados conquistei quando estudava na Escola Nossa Senhora de Lourdes. Posso dizer que talvez tenha sido a indignação pela barbárie sofrida por milhares de negros e negras em nosso País que, de modo muito singular, despertou meu interesse pelo tema. Falo isso, porque a partir desse momento, nunca mais parei de pesquisar sobre o real papel dos negros no Brasil. Mesmo que, à época, tenha estudados nos livros didáticos que omitiam a verdadeira história. Infelizmente, por tudo que tenho vivido e conhecido através das vozes desses autores, as escolas e, infelizmente, a própria academia, continuam a reproduzir uma história capenga em relação à valorização dos negros e da África como berço incontestável da história da humanidade. Apesar de alguns avanços em relação à história narrada pelo próprio negro, estamos apenas engatinhando. Ainda é perceptível a narrativa colonialista que persiste em depreciar o negro a partir da melanina”.

EXCLUSÃO – Charqueadas foram a base econômica do período de apogeu da elite pelotense. Enquanto os filhos dos “senhores” seguiam para estudar na Europa, o trabalho árduo resultava da mão-de-obra escravizada. No DNA pelotense está o preconceito. Olga menciona sobre o estudo no mestrado: “Analisei a trajetória dos alunos negros nos cursos de tecnologia do IFSUL. O recorte abrangeu de 2000 a 2008, e a conclusão aconteceu em 2010, quando ainda havia não sido adotado o sistema de cotas. Percebi o reduzido número de alunos negros que chegaram à colação de grau, bem como, desenvolvi análise aprofundada sobre os reais motivos que os impossibilitaram de concluir os cursos. Entre os motivos, posso afirmar que a causa do cancelamento e trancamento de matrículas, ocorreu por conta da necessidade de trabalhar, ou seja, é difícil optar quando na realidade somos privados de escolhas. Ainda que paire sobre a memória coletiva que a harmonia racial é amplamente acolhida em nossa sociedade, existe uma grande verdade que não podemos desconsiderar: ser pobre e negro não pode ser comparável a pobre e branco. A exclusão, para os mais atentos e comprometidos com a igualdade entre os homens, é percebida quando a cor aparece como critério de exclusão e dos constantes ‘fechar de portas e de oportunidades’”.

DISCRIMINAÇÃO – No doutorado, a pesquisadora investigou o racismo no âmbito dos professores. Ela diz: “Meu olhar foi sobre os docentes negros e negras da cidade de Pelotas, ou seja, como esses docentes, pertencentes a instituições de ensino das redes particular, municipal, estadual e federal, percebem o racismo institucional. Em especial na sociedade pelotense que, herdeira de uma história marcada pelo período charqueador permanece, salvo algumas exceções, discriminando o negro nesses espaços. Lamentalvemente o que pude perceber através das vozes desses docentes, é que a cidade de Pelotas, mesmo que insista em enaltecer o mito da frágil democracia racial, continua depreciando o negro e sua intelectualidade a partir do pigmento da pele. É recorrente a discriminação sentida e, não raras as vezes que a presença, seja como docente ou num cargo de gestão, seja duramente estranhada por alguns não negros. É lamentável perceber o quanto negros e negras continuam sendo destratados nas repartições de ensino, bancos e na própria sociedade pelotense. Pode parecer pessimismo da minha parte, no entanto, apenas exponho os relatos dessas experiências narradas pelos próprios docentes em minha pesquisa.  A intelectualidade do negro sempre é posta em dúvida, ou seja,  algo chocante que exige reparações e punições mais severas. Temos que usar os critérios estabelecidos na lei que pune atos e ações de racismo e discriminação. Puni-los como crimes e não transformá-los em retratações de pouca relevância, muitas vezes engavetadas através do simples ‘pedido de desculpas’. A dor e a humilhação causada ao outro não podem mais ficar relegadas ao descaso que, a cada dia, tem sido mais recorrente, tanto nas relações  interpessoais, como nas redes sociais”.

EXTERIOR – Em outubro a pesquisadora pelotense estará no Chile. Ela foi convidada para participar do “IV Congreso de la Internacional del Conocimiento – Ciencias, Tecnologías y Culturas. Mirando al futuro de América Latina y el Caribe”. Ela explica: “Abordarei sobre as experiências dos docentes negros e negras de Pelotas. E dias 13 e 14, estarei numa mesa de discussões sobre a América Latina frente a África e Ásia. Tal reconhecimento é para mim uma oportunidade muito significativa, pois representa a valorização do meu trabalho além da minha cidade, região e país. E o mais importante, poderei ressaltar que ainda temos muito que aprender sobre o verdadeiro significado da democracia racial”.

PALESTRAS, oficina e eventos, têm sido constantes na trajetória de Olga. Ele já esteve participando de atividades na Bahia, Espírito Santo, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Paraíba, Pará e Rio Grande do Norte. No Estado, palestrando em unidades da Unipampa em Jaguarão e Bagé, enfocou a “Fragilidade das Legislações de amparo ao negro no Brasil”. Em Rio Grande São Leopoldo, presença em fóruns sobre a diversidade racial. Em Pelotas, na Secult explanou sobre “Sou dona do meu corpo e não escrava do senhor”. Em escolas como Assis Brasil, Pelotense e IFSul, tem narrado sobre o “quanto a cidade revela o racismo na própria história. Sempre levo um pouquinho da nossa realidade, enquanto cidade historicamente marcada pelo período charqueador. Em diferentes espaços, motivam-se outras reflexões. E tanto negros, bem como africanos que tenho conhecido, têm se mostrado muito respeitosos com o meu trabalho. Não esqueço que, na Paraíba, quando estava apresentando o trabalho intitulado ‘A dor da Cor’, uma professora e pesquisadora negra, levantou e disse: ‘parabéns professora Olga, pela primeira vez na minha vida tive o prazer de ver uma pessoa branca falar da dor do negro com tanta sensibilidade e conhecimento da verdadeira história!’”.

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