Cientista pelotense ganha premiação nacional
Bioquímica ganhadora na categoria Ciências da Vida, Ethel Wilhelm estuda os efeitos adversos da quimioterapia em idosos com a ambição de desenvolver novas terapias capazes de reduzi-los nesses pacientes.
Os idosos representam hoje o segmento da população que cresce mais rapidamente no mundo. A expectativa de vida acompanha esse movimento, de modo que teremos cidadãos cada vez mais longevos. No Brasil, espera-se hoje viver uma média de 74 anos e estima-se que, em 2050, 30% da população do país terá mais de 60 anos. Estes dados são fruto, em grande medida, dos avanços da medicina nas últimas décadas e, sem dúvida, merecem ser comemorados. Por outro lado, o envelhecimento da população traz desafios enormes para os governos, para a área de saúde e para a sociedade de maneira geral.
Um deles é assegurar qualidade de vida aos idosos, afetados por uma série de doenças crônicas que se intensificam nessa faixa etária. O câncer, relacionado diretamente ao envelhecimento das células e à falta de proteção hormonal característica da idade avançada, destaca-se entre essas doenças.
Existe um grande esforço de pesquisa sobre o câncer, o que tem resultado num conhecimento mais aprofundado da doença, no aprimoramento do diagnóstico e em terapias mais eficazes. Apesar disso, as drogas quimioterápicas, que são hoje a base do tratamento do câncer, apresentam efeitos colaterais indesejáveis. O que se tem observado é que alguns desses efeitos se tornam ainda mais agressivos em pacientes idosos. É o caso da neuropatia periférica, condição que afeta os nervos periféricos, provocando perda de sensibilidade, debilidade, atrofia muscular e dor.
Entender por que isso acontece e buscar novas abordagens terapêuticas que considerem as especificidades do processo de envelhecimento é o objetivo do projeto de Ethel Antunes Wilhelm, professora do Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde coordena o Laboratório de Pesquisa em Farmacologia Bioquímica (LaFarBio).
Em busca do equilíbrio
Uma pista para entender o papel do envelhecimento na neuropatia periférica decorrente do uso de quimioterapia é a sua possível associação com o estresse oxidativo, assunto no qual Ethel é especialista. Conforme explica a pesquisadora, esse
fenômeno é caracterizado pelo desequilíbrio entre a produção de espécies oxidantes no organismo e a atuação do sistema de defesa antioxidante, que tende a se desestabilizar com o avançar da idade.
Para verificar se de fato essa associação existe e como ela se estabelece, Ethel e seu grupo irão comparar os efeitos de diferentes quimioterápicos em indivíduos jovens e idosos, concentrando-se na neuropatia periférica. Além de contrastar os efeitos nos dois grupos etários, os pesquisadores irão analisar em amostras de sangue, medula espinhal e estruturas cerebrais de cada um deles a expressão de proteínas antioxidantes.
A ideia é, a partir desses resultados, identificar e testar novos agentes que atuem na regulação dessas proteínas, de modo que elas voltem a agir de forma eficiente no combate ao estresse oxidativo e, assim, reduzam o sofrimento de pacientes idosos em tratamento contra o câncer. Os experimentos irão incluir também a administração desses agentes antes do uso do quimioterápico, para avaliar seu potencial preventivo.
A boa notícia é que Ethel tem um candidato forte para os primeiros testes. Trata-se de um composto orgânico de selênio, derivado da quinolina, que já se mostrou eficaz como antioxidante, anti-inflamatório e redutor da dor em pesquisas anteriores. Dentre os diversos compostos orgânicos de selênio que vem estudando desde a iniciação científica, é neste que a pesquisadora aposta suas fichas:
“Nós partimos de uma pesquisa básica e acreditamos que é a partir dela que surgem grandes ideias. Esperamos despertar o interesse da indústria farmacêutica em dar continuidade à nossa investigação, para que um dia esse composto se torne um medicamento disponível para todos. Sabemos que é difícil, mas esse é o nosso sonho.”
Educação e inspiração
Foi o interesse precoce pelo ensino que levou Ethel a enveredar pela carreira científica. Ainda criança, costumava montar uma escola no galpão de casa e ali brincava de dar aula para os amigos. Não à toa, tem na figura de uma professora sua inspiração para fazer ciência e encontra em seus alunos o estímulo para o trabalho.
“As dificuldades financeiras e estruturais que enfrentamos para desenvolver pesquisas de qualidade em nosso país nos fazem pensar se realmente vale a pena. A minha motivação vem dos meus alunos. Vê-los com brilho nos olhos quando encontram um
bom resultado, ver que eles têm interesse pelas minhas propostas, isso é o que mais me estimula. São eles que dão sentido a todo esse esforço.” Sem esconder a emoção, Ethel completa: “Assim como a minha professora me inspirou, também quero que meus alunos tenham essa admiração por mim e despertem essa mesma paixão que eu tenho pela pesquisa.”
A professora inspiradora, no caso, é Cristina Wayne Nogueira, do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Foi nessa instituição que Ethel fez toda a sua formação, desde a graduação em licenciatura em química até o doutorado em bioquímica toxicológica, sempre orientada por Cristina. “Eu brinco que ela continua sendo minha orientadora, porque ela é um exemplo para mim. Ela tem uma paixão muito grande pelo que faz. Então a gente acaba se contagiando por essa paixão pela pesquisa e pela atividade de orientar alunos”.
Além disso, Cristina também é mulher. “É muito importante ter mais cientistas mulheres para estimular mais mulheres a se tornarem cientistas”, destaca Ethel. Daí a importância do prêmio. A bioquímica também ressalta que a premiação é uma boa oportunidade para mostrar à sociedade o que essas pesquisadoras fazem, “para que seus trabalhos sejam valorizados e que isso reverta em mais atenção para a ciência nacional”.
Em tempos de cortes orçamentários drásticos no setor de ciência, Ethel comemora os recursos que vêm com o prêmio, que servirão para comprar reagentes e melhorar a estrutura do seu laboratório. “Meus alunos já têm uma lista bem grande, mas teremos que usar a verba com muita calma, porque não sabemos o que vem por aí.”
Essa visão administrativa vem se impondo cada vez mais na carreira de Ethel, já bastante tomada pela pesquisa e docência. Além de estar à frente do LaFarBio e de ser coordenadora adjunta do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Bioprospecção (PPGBBio), também atua como chefe do Biotério Central da UFPel.