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domingo, 17 de novembro de 2024

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CONFLITOS DA CIDADE : Déficit habitacional e a luta por moradia

CONFLITOS DA CIDADE  : Déficit habitacional e a luta por moradia
16 julho
09:52 2020

Em agosto acontecerá o lançamento do livro “FIQUE EM CASA? a trajetória do problema habitacional brasileiro”

Por Carlos Cogoy

Apesar do rigor do inverno, e a ameaça de contaminação pelo novo coronavírus, 63 famílias de sem-tetos, tiveram de sair de vazio urbano – ao fundo do Presídio Regional de Pelotas -, em decorrência da ordem de reintegração de posse. A ação durante a pandemia em junho, além de colocar em risco crianças e adultos, também contrariou o Tribunal de Justiça do Estado que, acatando recomendação do Conselho Estadual de Direitos Humanos, suspendeu os processos de reintegração, e também desconsiderou manifestações da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da ONU Habitat. A observação é do pesquisador Nino Rafael Medeiros Kruger – doutorando na UCPel -, onde participa do Observatório de Conflitos da Cidade. Em agosto, ele estará lançando o livro “FIQUE EM CASA? a trajetória do problema habitacional brasileiro, a retórica quanto ao direito e o Programa Minha Casa Minha Vida”.

“Nova Coruja” foi área ocupada por 63 famílias durante seis meses

“Nova Coruja” foi área ocupada por 63 famílias durante seis meses

REPÚDIO – A 10 de julho, o Grupo de Estudo e Pesquisa Questão Agrária, Urbana e Ambiental/Observatório dos Conflitos da Cidade, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos da UCPel, expressou a indignação no tratamento com as famílias da Nova Coruja. Durante o cadastramento para o recebimento de cestas de alimentos da Prefeitura, a entrega foi negada a famílias cujo titular do cadastro não estivesse presente. Trecho: “Não estavam lá, tais servidores, justamente para fazer a distribuição e garantir um direito a tal comunidade? Diante de tanta tecnologia que se nos coloca à disposição, não haveriam formas de se buscar contornar a situação e evitar mais uma vez a negação de direito das famílias? A falta de vontade para se contornar e resolver o problema criado pelo ente municipal não deixou alternativa para as famílias, que desse modo, fora novamente expostas a possibilidade de um novo vilipêndio”.

VIOLÊNCIA – Nino Kruger menciona: “A reintegração foi ordenada sem considerar a manifestação de diferentes instituições nacionais e internacionais. Afinal, nesse período, as pessoas devem ser mantidas em casa, e não podem ser expostas ao vírus letal. Mas a propriedade foi colocada acima da vida, e se desdobrou mais um ato de violação dos direitos humanos. Sendo momento de ficar em casa, é sabido que se faz necessário ter casa para ficar. A garantia do ter casa é um dever do Estado, que não deve expulsar. Mas assim o faz, e o fez. A comunidade que buscava a garantia de um direito constitucionalmente garantido, que é dever do Estado prestar, foi alvo mais uma vez de violência. Após o episódio, diversos grupos se somaram no acompanhamento da comunidade, e foi feita denúncia ao Conselho Estadual de Direitos Humanos. A Prefeitura municipal acenou no sentido de buscar mitigar o ocorrido, oferecendo lotes no bairro Getúlio Vargas e Sanga Funda, e as cestas básicas às famílias sem casa. O que se viu, porém, no dia 10, foi mais uma ação de negação de acesso a direitos, acompanhada ‘in loco’ dessa vez, por representante do Observatório e da Rede Habitação de Interesse Social, que estavam cadastrando a comunidade na intenção de construir mediação com as ofertas do poder público”.

Pesquisador Nino Rafael Medeiros Kruger (UCPel)

Pesquisador Nino Rafael Medeiros Kruger (UCPel)

DÉFICIT – Nino acrescenta: “O trato da questão da moradia enquanto ativo comercial, é basilar para pensarmos o desenvolvimento urbano do município. Segundo dados do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), que é um levantamento do ano de 2013, mas oferece uma base de cálculo para fazermos projeções, em Pelotas nós temos aproximadamente 1.500 famílias sem banheiro, 1.300 famílias sem acesso a água, treze mil sem acesso a esgoto, e mais de 3.400 com problema de coabitação. Já segundo a Fundação João Pinheiro, esses números são um pouco diferentes, e nos dão vaga ideia do tamanho do nosso problema, e da falta que nos faz o desenvolvimento de novos estudos diagnósticos. Para a Fundação, mais de 2.400 famílias em Pelotas não têm banheiro, sem acesso a água são mais de 4.600, sem acesso a esgoto, mais de vinte mil, e sofrendo por conta da coabitação mais de sete mil famílias. Esses números nos dão uma ideia geral do tamanho do nosso déficit habitacional qualitativo, sobre o qual não temos políticas públicas efetivas. Para a Fundação, dados que são reforçados pelo PLHIS, o problema qualitativo do município é de mais de trinta mil moradias”.

MINHA CASA – O pesquisador reflete: “Os números ganham peso ainda maior, quando observadas as áreas de ocupação irregular. Ao fim da primeira década do presente século, eram de aproximadamente 150. Em 2013 haviam subido para 156 e, à medida que o Programa Minha Casa, Minha Vida se desdobrava, estas subiam em 2017, para mais de duzentas áreas, somente no perímetro urbano. Áreas onde residem quase um terço da população pelotense, mais de noventa mil pessoas. Dos 79 empreendimentos ‘Minha Casa’, somente dez foram voltados às populações de baixa renda – até três salários mínimos -, nos quais foram produzidas pouco mais de duas mil moradias. O restante ficou para os grupos com renda superior a três salários mínimos, que teriam como se inserir no mercado formal, sem a necessidade de incentivos. As pesquisas têm demonstrado os diversos processos nos quais o Estado, facilitou o aumento dos ganhos do mercado privado, em detrimento da garantia de direitos para às populações em vulnerabilidade”.

Pesquisador Nino Rafael Medeiros Kruger (UCPel)

Pesquisador Nino Rafael Medeiros Kruger (UCPel)

LIVRO programado para agosto, é uma adaptação da dissertação de mestrado na UCPel, sob orientação da doutora Cristine Jaques Ribeiro, que teve como título: “O Plano Perfeito: da retórica sobre o direito à moradia, à planificação do programa Minha Casa Minha Vida em Pelotas – a negação do habitar”. Após o lançamento, a obra estará disponível nas plataformas digitais. Para conhecer mais sobre os conflitos da cidade, Nino sugere o site occ.ucpel.edu.br, e as Fanpages: Observatório de Conflitos da Cidade; Rede HIS Pelotas; Estrada do Engenho Resiste; Na luta por moradia.

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