Cortes no orçamento da UFPel: quem perde somos todos nós!
Permitam-se explicar a situação da nossa Universidade Federal de Pelotas, pois estou há quase dois anos administrando essa que é uma das sessenta e nove universidades públicas federais do país e me sinto comprometida em expor, mais uma vez, a nossa situação orçamentária.
Nosso orçamento de custeio em 2019 era de R$ 74,2 milhões, e a UFPel, após várias reduções em suas despesas (e na qualidade dos serviços prestados à comunidade acadêmica), conseguiu zerar seu déficit. O orçamento de 2020, reajustado pelos índices de inflação de 2019, deveria ser de R$ 77,4 milhões, mas a UFPel recebeu apenas R$ 72 milhões. O orçamento de 2021, considerando a lógica de correção pela inflação de 2020, deveria ser de R$ 80,9 milhões, mas o valor aprovado foi apenas R$ 58,9 milhões. O ano de 2021 foi catastrófico para a UFPel, que, apesar de forçada a reduzir adicionalmente suas despesas, não conseguiu impedir um déficit orçamentário de R$ 5,5 milhões. E chegamos no ano de 2022, com um orçamento aprovado pelo congresso nacional no valor de R$ 74,8 milhões, com um planejamento de redução suplementar de despesas para minimizar os efeitos do déficit de 2021. Mas, de forma totalmente inesperada, através do Decreto nº 11.086, de 30 de maio de 2022, a UFPel sofreu um corte no seu orçamento, e hoje conta com menos R$ 4,6 milhões para o cumprimento de suas despesas de custeio. Ao invés dos R$ 89 milhões que deveria ter, considerando a reposição da inflação desde 2019, hoje a UFPel conta com meros R$ 70,3 milhões.
Fazer gestão sem a possibilidade de se planejar não é algo fácil. Em 11 de fevereiro de 2022 entrou em vigor o Decreto nº 10.961, que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira dos órgãos federais, e estabelece o cronograma de execução mensal de desembolso do Poder Executivo federal para o exercício de 2022, e dá outras providências. Fizemos um planejamento de custeio e investimentos a partir disso. No meio do ano, tivemos o corte no orçamento, comprometendo completamente o planejamento realizado e obrigando a UFPel a reavaliar uma vez mais suas despesas, e colocando a instituição numa situação de fechar o ano deficitária. Vale lembrar que o corte realizado não foi feito por necessidade de economia do Governo Federal e sim por opção, tendo o mesmo redirecionado o orçamento das universidades e institutos federais para outros órgãos de seu interesse.
Já o orçamento de capital, que possibilita a execução de obras e a aquisição de equipamentos, em 2017 era de cerca de 10 milhões de reais e, neste ano de 2022, após os cortes está em um valor de R$ 1,8 milhões. Ou seja, somente em relação ao recurso de capital, tivemos uma redução de mais de 80%.
Por que a preocupação com o orçamento da UFPel é de todos nós? Porque a UFPel é parte importante da economia local! A partir dos proventos diretos dos nossos servidores ativos, inativos e pensionistas, a UFPel injeta na economia local cerca de 54 milhões de reais por mês. Soma-se a isso a folha do Hospital Escola da UFPel, que é de 8 milhões de reais por mês, mais cerca de 20 milhões ao ano em contratos de apoio. Além disso, esse recurso que foi cortado no meio do ano e, mais recentemente, teve um novo bloqueio, é utilizado para pagamento de várias empresas de serviços terceirizados de limpeza, vigilância e manutenção, o que envolve cerca de 26 milhões de reais ao ano. É utilizado, também, para pagamento de bolsas de ensino, pesquisa e extensão aos estudantes que trabalham e se qualificam nos projetos que participam. As demais despesas com o restaurante universitário, com o transporte inter-campi, bem como muitas outras envolvem recursos que representam investimento na economia local. Dessa forma, a diminuição do recurso que chega para a UFPel impacta diretamente em Pelotas e região, pois esses valores deixam de circular em nossa economia local.
No começo da semana passada, fomos surpreendidos com o novo bloqueio (termo usado para dizer que não podemos empenhar qualquer despesa). Por que digo novo? Porque o corte realizado no meio do ano de 2022 também foi anunciado como um bloqueio. O MEC, ao comentar sobre o novo bloqueio, mencionou que o bloqueio poderia ser revertido em dezembro de 2022. A questão é: o prazo para empenho finda em 09 de dezembro de 2022, conforme o mesmo Decreto nº 10.961 já citado anteriormente. Ou seja: mesmo que o bloqueio fosse revertido em dezembro, não teríamos tempo hábil para empenhar o recurso. Talvez por isso, na data de ontem, o Ministério da Educação tenha voltado atrás na decisão anunciada anteriormente e retornado o recurso para as Instituições Federais de Ensino.
Cabe destacar que a maioria dos estudantes da UFPel são oriundos de famílias de baixa renda e, portanto, bloqueios e cortes afetam diretamente e principalmente as políticas de permanência destes estudantes. Afetam também a capacidade da UFPel de manter as condições adequadas ao ensino que se propõe, devido à necessidade de manter portarias, vigilância, limpeza e manutenção dos diversos prédios que compõem a instituição.
Entendo de extrema importância explicar tudo isso para os cidadãos de Pelotas e região, que merecem conhecer, de fato, a realidade. A previsão é de que, ao final de 2022, tenhamos um déficit de R$ 9 milhões. Tal déficit não é resultado de falta de planejamento por parte da UFPel, a qual não pode simplesmente ignorar seus contratos assumidos e os reajustes inflacionários de suas despesas. Estamos trabalhando com muito menos recursos do que deveríamos e correndo sérios riscos de não conseguir manter as atividades com a qualidade que os estudantes e o Brasil merecem. O ensino de qualidade deve ser o principal investimento de um país que pretende ser avançado e protagonista no cenário mundial, e não apenas um mero coadjuvante e fornecedor de matéria prima e alimentos para os países de primeiro mundo.
Caso a UFPel consiga se manter operacional mesmo com o déficit previsto para 2022, é importante destacar que o orçamento proposto para a instituição em 2023 é ainda menor do que o orçamento de 2022. Já começaremos 2023 com muito menos recursos do que os necessários. Não deveria ser assim. Não precisa ser assim.
Quem perde com os sucessivos cortes orçamentários na UFPel somos todos nós. Que possamos somar esforços e lutar, juntos, pela recomposição orçamentária das instituições federais de ensino, em especial da nossa Universidade Federal de Pelotas.
ISABELA FERNANDES ANDRADE – Reitora da UFPel