DANDÔ CIRCUITO DE MÚSICA : Paisagens sonoras nas trilhas da viola
Amanhã às 20h no auditório da Adufpel – Major Cícero 101 -, apresentação da compositora e cantora paulista Katya Teixeira
Por Carlos Cogoy
O disco mais recente “2 Mares” foi selecionado na 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira ano passado. No repertório, músicas da tradição luso-brasileira em parceria com o cantador mineiro Luiz Salgado. Com o anterior, disco “Feito de Corda e Cantiga”, indicação ao 23º Prêmio da Música Brasileira em 2012. O segundo CD “Lira do Povo” é de 2005, e foi indicado em três categorias ao Prêmio Tim de Música: cantora regional; CD regional e cantora pelo voto popular. Seu primeiro disco “Katxerê” é de 1997. Discografia da compositora e intérprete paulista Katya Teixeira, que amanhã realizará show em Pelotas. Idealizadora e gestora do projeto “Dandô Circuito de Música Dércio Marques”, que está completando dois anos, Katya diz que apresentará suas “paisagens sonoras”.
Acompanhada pelo violão “Andejo”, viola de cocho “Patativa Buxudinha” e a rabeca “Ciça”, ela mostrará músicas dos quatro discos. Como tem acontecido nas edições mensais do circuito em Pelotas, o grupo anfitrião será o “Tri-Lhos”. E Katya diz que haverá interpretações em parceria. Ela sugere “latinidades”, com músicas de Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui e Mercedes Sosa. Apoio do Eco Restaurante e Café, CUT, Adufpel, Sindicato dos Bancários, SIMP, Rádio COM, CPERS e “Sarrafo Visual”. Ingresso a R$20,00 – meia entrada para professores, estudantes, portadores de necessidades, pessoas acima dos sessenta anos, e jovens entre quinze e 29 anos cuja família com baixa renda está inscrita no Cadastro Único.
AMIGOS – Katya já cantou em Pelotas e Pedro Osório. Na primeira vinda à cidade, convite do produtor Caio Lopes. Em Pedro Osório, convite do “desacontecido cônsul da cultura Santana”, como diz a artista. Por lá, o circuito “Dandô” também conta com o apoio de Simone Vara, Auta Inês e Fabiani Felix, bem como da Secretaria Municipal de Cultura. Outra parceria que destaca é com o músico Giarcarlo Borba – residiu em Pelotas -, que coordena o circuito no Estado. Em Rio Grande, anfitrião e coordenador Roberto Sousa, com apoio da FURG. Em Caxias do Sul, a coordenação é do violeiro Valdir Verona – neste ano apresentou-se em Pelotas. O circuito que homenageia o mineiro “Dércio Marques” (1947/2012), tem proporcionado intercâmbio e valorização da arte de raiz. Logo após o falecimento do artista mineiro, Katya sugeriu um circuito que, ao invés do marketing e grande mídia, fosse viabilizado através da solidariedade. E o resultado está na trajetória que alcança dois anos. Conforme diz, foram mais de duzentos espetáculos. Apresentações de mais de oitenta artistas em trinta cidades de oito Estados. Neste ano tem sido divulgada a coletânea “Um canto em cada canto do Brasil – Dandô Circuito de Música Dercio Marques”, que tem catorze faixas e distribuição da “Tratore”.
PAISAGEM – Katya acrescenta: “Venho buscando mais sentido que definição. Sempre compartilhei palco e sonhos com muitos artistas, inclusive misturando linguagens de arte como poesia, contação de histórias, fotografia, artes plásticas, dança, teatro de sombra e bonecos, literatura. Creio que a arte tem de ser uma extensão do ser, do meio em que acontece, tem que nos representar. Para entender um ritmo, um estilo, tenho que conviver no local em que ele acontece, pois é o resultado da geografia, da fé, trabalho, ócio, o jeito de andar e falar, e até o silêncio ou ruído. É a paisagem sonora”. Na internet: katyateixeira.com.br
A opção pela música
Katya menciona sobre o começo da ligação com a música: “Sou paulistana da ‘clara’, já que se diz que é da ‘gema’ quem nasce no centro. Nasci na região sul de São Paulo capital, na Serra do Mar. Assim como a maioria dos paulistanos descendente de migrantes e imigrantes, sou filha de mineira e de alagoano, numa mescla de indígenas, negros e portugueses, a ‘tríplice euro-afro-índio’, E por ter nascido nesse lugar, onde rural e urbano se encontram, e gente de tantos cantos se mistura, minha música e minha arte se fez e se faz possível. Venho de uma família de músicos, apesar de ser a primeira geração que vive dela e pra ela. Meu avô era seresteiro e a mãe dele cantora lírica. Foi do meu avô, a primeira música, uma marchinha, que cantei em um festival da escola aos onze anos. Lembro como se fosse hoje, minha mãe me dizendo como subir no palco e encarar o público, apesar dos joelhos estarem tremendo. Ela aconselhava a mirar o fundo do ginásio e concentrar nele. Bem mais tarde, Inezita Barroso me diria que o nervosismo e ansiedade, antes de entrar no palco, são sensações que não passam. Têm a ver com a responsabilidade pela mensagem que iremos transmitir”.
Parcerias e influências
A artista aborda acerca das influências e parcerias: “A minha casa sempre foi cheia de música e meu primeiro instrumento foi o violão aos sete anos de idade. Meus avós, pais, tios e tias cantavam e tocavam instrumentos. Dali saiu ou grupo Bando Flor do Mato, que pesquisava a cultura popular. Cresci nos bastidores de programas como Viola Minha Viola e Som Brasil. E naturalmente houve o contato com os cantadores, poetas e pesquisadores: João Bá; Vidal França; Irene Portela; Mochel; Ubiratan Sousa; Almir Sater; Renato Teixeira; Doroty Marques e Dércio Marques; Zé Gomes entre tantos. Desses destaco Vidal França, Dércio e Doroty Marques. Vidal foi meu primeiro mestre fora de casa. Com ele, aos doze anos, fui profissionalmente aos palcos e estúdios. Nessa idade também recebi o primeiro cachê por uma gravação em estúdio. Achei incrível ser remunerada pelo que se gosta. Então soube que seria a minha escolha pra vida. Mal sabia que estava escolhendo uma vida de cigarra, para levar uma vida de formiga. Aos dezessete anos compus a primeira cantiga ‘Kararaô’, que venceu festival universitário em São Paulo”. Ela salienta o exemplo do tio folclorista Eliezer Teixeira.
Elogio a Dércio Marques
A inspiração em Dércio Marques, artista talentoso e generoso: “O Dércio Marques foi e vai continuar sendo amigo e mestre querido. Ele, melhor que ninguém, entendeu e disseminou a importância do encontro e união pra algo maior. Ele mesclou a música de tantos cantos e mapeou ao lado do grande sonhador e realizador Marcus Pereira, que através da gravadora que levava seu nome, trouxe ao conhecimento do Brasil nomes como Tapes, Cartola e tantos outros. Dércio era um polinizador cultural, levava o canto do sul para o norte, do norte para o centro-oeste e daí por diante, unindo pessoas e ideias. Entrelaçando saberes. Participei de uma infinidade de shows, caminhei por muitas estradas com ele, gravei em uma série de CDs dele e outros tantos que ele produziu, além da participação dele nos meus CDs. Foi com ele que aprendi as artimanhas das gravações e, de como trazer as paisagens sonoras para dentro do CD. Ele um dia me disse que a música tem que ser magia e eu a feiticeira… Assim como Doroty Marques, sua irmã e parceira, e também minha mestra e amiga querida. Dércio sempre foi, como dizia João Bá, uma ponte que unia o Brasil. Ele deixou um grande legado para um Brasil que está à margem da mídia de massa, um Brasil de cantadores e tocadores, trovadores e menestréis. Gente cantando e tocando sua história e fazendo nossa cultura mais forte de sul a norte pelo País”.
A guerrilha que canta
O Dandô será ampliado em 2016. Katya diz que o circuito abrangerá mais dezoito cidades em diferentes Estados. Além disso, chegará ao Uruguai, Argentina e Chile. O projeto não espera acontecer: “A nossa ideia é que possamos fazer o uso adequado dos teatros, salas de concerto, auditórios e fazer acontecer arte de boa qualidade, criando uma cartografia musical, trabalhando com a realidade local, com ou sem apoio e patrocínio. Não somos contra patrocínios ou editais ou as leis de incentivo, apenas não podemos depender delas, a arte tem urgência e momento certo pra acontecer. Como bem disse o André Coelho, músico mineiro, num desabafo: ‘Imaginem só, se Dorival Caymmi tivesse que sair da rede para escrever projeto, ou se Noel Rosa, com o breve tempo de vida que teve, dependesse da resposta de um edital pra fazer sua obra acontecer’. Aliás, o artista que não sabe escrever um projeto ou edital está automaticamente condenado a não produzir, se pensarmos como a única alternativa, e quem perde? Todos nós”. Ela lembra que, ao final do primeiro show do projeto, após explanar sobre a ideia “solidária”, alguém levantou e disse: “Então você não está convidando para cantoria e sim pra guerrilha”.