Diário da Manhã

segunda, 18 de novembro de 2024

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DIREITOS SOCIAIS : Em defesa das cotas para a democratização

06 setembro
09:07 2016

Devido a tentativas de fraudes no acesso a cotas para cursos mais disputados na universidade pública, comissão tem avaliado candidatos

Por Carlos Cogoy

A autodeclaração no ato da matrícula deve ser feita apenas por pessoas negras e indígenas. Qualquer outro grupo étnico racial que se denomine nesses padrões, e tente se apropriar dessas vagas reservadas, estará cometendo o crime de falsidade ideológica, passível de pena decretada em lei. O alerta é da Setorial do Negro da UFPel “Quem Ri de Nós tem Paixão” que, através do estudante de história Mailson Santiago, esteve representada no seminário “A importância das cotas para a democratização do acesso a direitos sociais”. A iniciativa do Instituto Mário Alves (IMA), ocorreu sábado à tarde na UCPel, contou com apresentação teatral, teve duas mesas de debates e lotou o espaço reservado à atividade. Além de Mailson, a mesa sobre “Cotas” também teve a participação da professora Alessandra Gasparotto (UFPel), estudante de história Matheus Silva – projeto “Te liga nas cotas” -, e a indígena Pietra Dolamita.

Estudante Matheus Silva, professora Alessandra Gasparatto e Mailson Santiago

Estudante Matheus Silva, professora Alessandra Gasparatto e Mailson Santiago

FRAUDES – Em destaque no debate, a necessidade de comissão para aferir os autodeclarados negros, pardos ou indígenas. Trata-se daqueles que, no acesso à universidade pública, pleiteiam as vagas reservadas a cotistas. Conforme depoimentos, desde o ano passado está organizada comissão, pois são inúmeras as tentativas de fraude. A professora Carla Ávila (UCPel), criticou a pecha atribuída à comissão que, para alguns, tem sido considerada como “tribunal”. Segundo ela, que integrou a mesa de abertura do seminário, a comissão somente foi organizada devido à desonestidade de brancos que tentam usurpar um instrumento legal para tentar reparar a injustiça histórica com os negros. O professor e advogado Fábio Gonçalves, que presidente o Conselho para a Participação e o Desenvolvimento da Comunidade Negra de Pelotas, integra a comissão, e salientou que tem se deparado com as mais inusitadas situações. Conforme mencionou, o bom senso prevalece para o trabalho da comissão, que considera os aspectos fenótipos – características físicas -, e o “pertencimento”, senso de identidade cultural. Cursos como medicina, odontologia e direito são os mais visados, e muitas vezes os candidatos são brancos de olhos azuis. Ao se depararem com a comissão, e percebendo que não terão êxito, então tratam de alegar que houve engano na inscrição, procurando amenizar o constrangimento.

Pietra Dolamita

Pietra Dolamita

TE LIGA nas Cotas é projeto que tem sido desenvolvido pela UFPel. O estudante de história Matheus Silva, paulistano, é bolsista do projeto que tem levado oficinas a escolas. Conforme explanou, no contato com os estudantes da rede pública, tem observado que prepondera a desinformação acerca das cotas. Ele menciona que os alunos não conhecem sobre os critérios, e muitas vezes reproduzem os clichês preconceituosos. E Matheus exemplificou com a sua própria trajetória. Ele somente foi se considerar e autodeclarar, ao participar de cursinho público em São Paulo. Até então, criticava a política de cotas. Porém, na família com dois irmãos e dezenas de primos, é o primeiro a chegar à universidade. E a luta já motivou irmão mais velho, que também quer cursar o ensino superior. De acordo com Matheus, sua vivência é próxima da que encontra nas escolas que tem visitado. Ele observa: “No terceiro ano do ensino médio já são poucos os negros, então como vão chegar à universidade pública?”. Com o “Te Liga nas Cotas”, ele espera contribuir para que mais estudantes tenham a oportunidade de acesso ao direito social.

LEI – A professora Alessandra Gasparotto explanou sobre a trajetória da política de cotas na UFPel. Ela mencionou a luta do Coletivo Negada em 2011, e lembrou lutadores como Rubinei Machado. Ele foi um dos responsáveis pelo Fórum “Cotas Sim”, que levou a UFPel a implantar cotas desde 2013. Conforme a Lei 12.711, 50% das matrículas nas universidades públicas e institutos federais, são para alunos do ensino médio. Deste percentual, há vagas reservadas a negros, indígenas e também de acordo com a renda familiar.

 

Resistência indígena

O segundo idioma é o português, e ela está juridicamente tentando mudar o nome registrado. Assim, ao invés do nome que decorre da cultura do opressor, a opção pela designação que a identifica com o povo Kauwá Apurinã. A advogada Pietra Dolamita, mestranda em antropologia, salienta o vínculo com a nação indígena do Acre. No debate sobre cotas, ela lembrou aspectos como a trajetória de exploração dos povos indígenas, o preconceito na sociedade, e o risco de extinção conforme projeto que tramita em Brasília.

OPRESSÃO – “O índio não existe. É uma invenção do branco. Mas os povos indígenas, com suas diferentes culturas, foram escravizados para carregar o pau-brasil que seguia para a Europa. A igreja, com a catequização, procurava salvar a alma daqueles que considerava como selvagens. Era a tentativa de dominar o corpo. E, como tínhamos a terra, e conhecimentos acerca da natureza, houve ofensiva para exterminar. Na história, o indígena foi interpretado como malandro e preguiçoso. Mas temos nossa cultura, e não acabamos. E a Funai não nos representa. Nos empoderamos e nossa ideia de progresso é outra. Se não existíssemos, provavelmente o planeta estivesse mais destruído. Afinal, não derrubamos florestas para plantar soja e botar gado em cima”, diz Pietra. Ela acrescenta que recentemente foi agredida e ouviu de uma mulher na rua: “Volta pra oca”.

COTAS debate UCPel 8TERRA é o que interessa. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC/215), conforme Pietra, é a estratégia que tramita na Câmara dos Deputados, para rever a demarcação de terras. De acordo com Pietra, trata-se de ameaça à sobrevivência dos povos indígenas. Ela avalia que, como o branco tem o “cartório”, impõe sua regra para ganhar o jogo. As terras indígenas são cobiçadas por ruralistas.

ALERTA à injustiça, diz a pesquisadora, está em autores como Florestan Fernandes, Milton Santos e Darcy Ribeiro. Ela indica os filmes: “O índio cidadão”; “Terra vermelha”.

TEATRO com a companhia “Filhos de Tereza” (Foto), apresentou performance na abertura do seminário sábado à tarde. A dramaticidade enfocou desde aspectos históricos da trajetória negra no Brasil, personificando herois e referências como “Dandara”, até a contundente violência contemporânea. O grupo formado por jovens atores, interpretou cenas e falas que caracterizam o cotidiano. No ritmo da percussão ou sob o silêncio, gestos, expressões, vozes e gritos, para demonstrar indignação com o racismo recorrente. Arte cênica como forma de ação, conscientização e provocação à resistência e luta

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