Diário da Manhã

terça, 19 de novembro de 2024

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DISCRIMINAÇÃO RACIAL : Conhecer a história para mudar o presente

23 março
08:55 2017

Enraizado na cultura, o preconceito racial teve amparo legal na trajetória jurídica do Brasil

Por Carlos Cogoy

No dia internacional de luta pela eliminação da discriminação racial – transcorreu terça-feira -, programação especial no salão de atos da Faculdade de Direito da UFPel. Numa promoção do Núcleo de Ações Afirmativas e Diversidade (NUADD/UFPel), que é chefiado pela Drª Rosemar Lemos, houve o debate “Preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil”. Como painelistas, professora e mestra Marielda Barcellos Medeiros, que atua no Centro de Atendimento Educacional da SMED, e a Drª Eunice Aparecida de Jesus Prudente da Universidade de São Paulo (USP). Representando o reitor Pedro Hallal, que comunicou a ausência devido a viagem para Brasília, presença do professor Cláudio Carle.

NEGROS DIZERES – Marielda mencionou a origem do dia internacional. A 21 de março de 1960, negros realizavam manifestação em Joanesburgo na África do Sul, quando foram violentamente reprimidos pelo aparato militar do Apartheid – regime instituído pela minoria branca. Eles contestavam a “Lei do Passe”, que restringia os deslocamentos e livre circulação. Em Shaperville houve o massacre que resultou em 69 mortos e 186 feridos. Após a explanação, a educadora enfocou a desigualdade que marca a trajetória brasileira. Ela afirmou que a cultura escravocrata decorre “dos vários anos de exploração econômica. Subsequente à ‘abolição’, no mercado de trabalho para os negros, ou seja, sem propiciar as condições mínimas para a subsistência”. A educadora enfatizou o abismo social com os tópicos: Brasil teve apenas um presidente negro, Nilo Peçanha; negros são maioria no “Bolsa Família”; Joaquim Barbosa foi o primeiro negro a presidir o Supremo Tribunal Federal (STF); mulheres negras são as mais atingidas pelo desemprego; analfabetismo é duas vezes maior entre os negros; renda dos negros é 40% menor que a dos brancos; mulheres negras são maioria no sistema carcerário; mapa da violência de 2015, indica aumento de 54% dos homicídios contra a mulher negra, enquanto houve queda de 9,8% em relação a mulher branca.

Drª Eunice Prudente (USP), Drª Rosemar Lemos (UFPel), mestra Marielda Medeiros e prof. Cláudio Carle

Drª Eunice Prudente (USP), Drª Rosemar Lemos (UFPel), mestra Marielda Medeiros e prof. Cláudio Carle

DÉCADA AFRODESCENDENTE iniciou em 2015. Conforme resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), até 31 de dezembro de 2024, está em curso a Década Internacional de Povos Afrodescendentes. A observação foi da professora Marielda, que acrescentou sobre os princípios que embasam a mobilização: reconhecimento; justiça; desenvolvimento. Como contraponto, observou acerca da realidade brasileira. Assim, mencionou que, apesar de conquistas do movimento negro, ainda persistem quase os mesmos problemas. A exemplo, a legislação que ainda é pouco cumprida. O racismo é crime, ressaltou, porém no momento do registro é identificado como injúria. Para mudar o presente, disse a professora, a necessidade da “conscientização e participação de todos”. Como sugestão, indicou o vídeo “Negros dizeres”, que pode ser acessado no YouTube. Em sala de aula desde os dezesseis anos, Marielda concluiu o mestrado aos 51 anos. A trajetória, avaliou, demonstra o esforço para conquistar o espaço profissional. “Quero flores, mas que não sejam crisântemos, pois crisântemos cheiram a morte. E a morte está no extermínio de uma juventude, homens e mulheres, negros e negras. Eles usam armas, pois não nos exterminaram com a política de branqueamento. Hoje quero flores e escolho os girassóis, pois quero continuar com minhas lutas, meus sonhos e esperanças!”, frisou.

LEGISLAÇÃO RACISTA – Conforme o IBGE, 53% dos brasileiros são pretos ou pardos. Afirmação da professora Eunice Prudente que, mencionando Aristóteles, ressaltou a política como “arte de organização integral da vida na pólis”. Observando que o Brasil manteve pessoas escravizadas até quase o século 20, salientou a necessidade de ver o “macro”, contextualizando a discriminação e exploração. Com base na metáfora da gaiola, autoria de Marilyn Frye, citou que há muitos tipos de aprisionamento. Então, diversos modelos de gaiola. Trata-se de redes e barreiras sistematicamente colocadas, que somente serão rompidas com estratégias políticas. Para enfrentar a opressão, necessidade de desconstrução. No Brasil, com pesquisa interdisciplinar, questionar o poder, cujo perfil é branco, masculino, heterossexual e endinheirado.

Marielda Barcellos Medeiros

Marielda Barcellos Medeiros

Docente na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, Eunice destacou que tem lecionado para gerações da elite paulistana. E frisou que o “Brasil não é pobre, mas injusto. Educação é formação, com a percepção das diferenças. As pessoas não são idênticas, mas iguais para o exercício de direitos e obrigações. As diferenças biológicas, étnicas e culturais, exigem respeitabilidade e aceitação social. As desigualdades são criações racionais, arbitrárias e injustas, que devem ser enfrentadas”.

Na explanação, elencou inúmeros decretos e leis que, desde a formação do Brasil, formalizaram o racismo: com Teixeira de Freitas, num esboço da Consolidação das Leis Civis, os negros recebiam o mesmo tratamento dos animais; no império, recrutados para a Guerra do Paraguai, como voluntários da pátria, porém sem receber a liberdade; no Código Criminal de 1830, estavam reservadas penas “severas e cruéis” aos negros; Lei da Terra de 1850, antítese do desenvolvimento, desconhecendo os remanescentes de quilombos, sendo que atualmente são mais de duas mil comunidades quilombolas; imigração com inúmeros capítulos discricionários, desde a remuneração aos alemães, considerados “gente branca, livre e industriosa”; Deodoro da Fonseca estabeleceu a livre entrada de imigrantes, porém, excetuando “indígenas da Ásia ou África”; com Vargas em 1938, ato normativo que aceitava estrangeiros, desde que não fossem “aleijados, mutilados, inválidos, cegos ou surdos-mudos (…) indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres”; no decreto 7.967 de 1945, artigo estabelecia que as características deveriam ser de “ascendência européia”; em 1951, Lei Afonso Arinos tipificava o racismo como contravenção penal.

LUTA social foi enfatizada pela professora de direito. E, salientando o quanto a arte “instrui, liberta e incomoda”, observou que foram artistas, numa iniciativa de Abdias Nascimento que, na Convenção Nacional do Negro em 1950, sugeriram “criminalizar a discriminação racial”. Somente com a Constituição de 1988, houve a definição do racismo como “crime inafiançável e imprescritível”. Em 2010 mais uma etapa, com o Estatuto da Igualdade Racial, que demarca direitos humanos fundamentais à população negra. E a docente ressaltou a luta de grupos como o Movimento Negro Unificado (MNU), Geledés – Instituto da Mulher Negra -, e Fala Preta. “O movimento negro trouxe questionamento de esquerda. Afinal, o negro é um trabalhador nessa sociedade. Descendente de escravizados, contribui com a crítica ao próprio capitalismo. A questão política envolve a todos, que merecem ser ouvidos e participar”, concluiu.

 

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